terça-feira, 22 de abril de 2025

O Círio Pascal: a luz do Cristo ressuscitado na Liturgia Luterana

Um dos símbolos mais expressivos da liturgia pascal cristã é o Círio Pascal, a grande vela que representa Cristo, a luz do mundo (Jo 8.12). Ele aparece com destaque na noite da Vigília Pascal, a mais importante celebração do ano cristão, marcando a transição das trevas da morte para a luz da ressurreição. Como a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) não possui uma liturgia própria oficial para a Vigília Pascal — tradição que historicamente não tem sido amplamente observada entre nós —, utilizo aqui como referência a forma litúrgica empregada por nossa igreja-irmã, a Lutheran Church—Missouri Synod (LCMS).

A Vigília Pascal se inicia fora da igreja, após o pôr do sol do Sábado Santo. A congregação se reúne em um ambiente escurecido, e uma chama é preparada previamente. Ao contrário de outras tradições litúrgicas, não se realiza bênção do fogo na liturgia luterana, mas a vela pascal é acesa a partir de uma chama nova, sinal de renovação e vida.

Antes de acender a vela, o pastor grava sobre ela uma cruz e diz: “Cristo Jesus, o mesmo ontem, hoje e eternamente, o princípio e o fim” (cf. Hb 13.8). Em seguida, traça as letras gregas Alfa e Ômega, proferindo: “O Alfa e o Ômega”, e inscreve o ano atual entre os braços da cruz: “Dele são o tempo e a eternidade; dele é a glória e o domínio, agora e para sempre.” Então, insere-se na vela cinco cravos de cera, que podem conter grãos de incenso, simbolizando as cinco chagas de Cristo crucificado. Como resume Lang: “No centro e em cada extremidade da cruz afixam-se cravos de cera para simbolizar as cinco feridas de Cristo” (Lang, Manual da Comissão de Altar, p. 28).

O Círio é então aceso e conduzido em procissão solene para dentro da igreja escurecida. Durante a procissão, o portador proclama por três vezes: “A luz de Cristo!”, e a assembleia responde com fé: “Demos graças a Deus!”. Essas proclamações marcam a entrada progressiva da luz de Cristo ressuscitado na escuridão do mundo. Conforme a tradição, elas ocorrem na entrada, no meio do templo e junto ao altar. Nesse momento, os fiéis acendem suas velas a partir do Círio, formando uma cadeia de luz que simboliza a propagação da fé e da vida em Cristo.

Uma vez colocado em seu suporte diante do altar, canta-se o Precônio Pascal (Exsultet), hino antigo que exalta a vitória de Cristo sobre as trevas. Timothy Maschke descreve o Círio como “uma coluna luminosa que conduz o povo de Deus para o céu”, fazendo eco à coluna de fogo que guiava Israel no deserto (Maschke, Gathered Guests, p. 223). O canto proclama que “a antiga escuridão foi banida para sempre” e pede que “Cristo, a verdadeira luz e estrela da manhã, brilhe em nossos corações”.

É recomendado que o Círio Pascal seja novo a cada ano, como sinal da nova criação que se inicia com a ressurreição de Cristo (LSB Altar Book, p. 529), mas nada impede que se reutilize o Círio Pascal do ano anterior. Nele devem estar presentes os elementos essenciais: a cruz, o ano corrente, as letras Alfa e Ômega e os cinco cravos. Elementos adicionais podem ser usados com moderação, como pequenas decorações litúrgicas, inscrições bíblicas ou ornamentação simbólica, como por exemplo, imagens do cordeiro pascal, videira ou trigo, contanto que não obscureçam a centralidade do símbolo. Contudo, como bem destaca Lang: “Esse símbolo pascal deve expressar sua mensagem por si mesmo” (Lang, op. cit., p. 28). Sua simplicidade e sobriedade comunicam de modo mais direto a verdade da fé: Cristo ressuscitou!

É importante enfatizar que o uso do Círio Pascal não é obrigatório na tradição luterana, mas é uma grande oportunidade catequética e litúrgica para enriquecer a celebração da Páscoa e aprofundar a compreensão da fé cristã por meio de sinais visíveis que proclamam o Evangelho. O Círio Pascal remonta aos primeiros séculos do cristianismo ocidental, como símbolo da luz de Cristo ressuscitado. Segundo Frank Senn, sua prática se desenvolveu principalmente nas igrejas latinas e gálicas, sendo incorporada às celebrações da Páscoa por meio da liturgia da luz, o antigo lucernarium das Vésperas (Senn, Christian Liturgy: Catholic and Evangelical, p. 214).

Durante o Tempo Pascal, que se estende até a festa da Ascensão, o Círio permanece aceso em todas as celebrações. No culto da Ascensão, ao ser lido Marcos 16.19 (“foi recebido no céu e sentou-se à direita de Deus”), o Círio é apagado, marcando a ascensão visível do Senhor, embora sua luz permaneça espiritualmente presente entre os fiéis, por meio da Palavra e dos Sacramentos.

Após esse período, o Círio passa a ocupar lugar junto à pia batismal, sendo usado nas celebrações de Batismo, Confirmação e nos ritos fúnebres (quando realizados no templo). Quando um cristão é batizado, acende-se uma vela a partir do Círio e entrega-se ao batizando com as palavras: “Receba esta luz ardente, sinal de que você recebeu Cristo, luz do mundo. Viva sempre na luz de Cristo.” Esse gesto remonta à tradição da Igreja antiga, como aponta Senn: “O Círio Pascal era já abençoado nas igrejas da África, Espanha, Gália e Itália nos séculos IV e V”, sendo usado nos ritos de iniciação cristã (Senn, op. cit., p. 214).

Nos funerais cristãos, o Círio aceso simboliza que o batizado permanece na luz de Cristo mesmo na morte. O Círio está presente no começo da vida cristã e também no fim, como sinal da promessa cumprida: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá.” (Jo 11.25).

O simbolismo do Círio é amplamente escatológico. Ele aponta para a luz eterna da nova criação, já presente em Cristo ressuscitado, mas ainda aguardando sua plena manifestação na glória futura. Como ensina São Paulo: “Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará.” (Ef 5.14). Toda vez que acendemos uma vela a partir do Círio, somos lembrados de que fomos feitos filhos da luz, chamados a refletir essa luz no mundo, vivendo com sobriedade, fidelidade e esperança.

O Círio Pascal não é apenas uma vela litúrgica; ele é uma pregação visível do Evangelho. Sua luz que brilha na escuridão testemunha a realidade da ressurreição. Ele representa Cristo vivo entre nós, conduzindo seu povo, iluminando o caminho, chamando-nos à fé e à vigilância. A cada ano, ao vê-lo aceso, somos convidados a renovar nossa confiança em Cristo, a fonte da verdadeira luz, e a confessar com a Igreja de todos os tempos: Cristo ressuscitou! Ele realmente ressuscitou! Aleluia!

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes

BIBLIOGRAFIA:
LANG, P. H. D. Manual da Comissão de Altar. IELB: Porto Alegre, 1987.
LCMS – Lutheran Church—Missouri Synod. Lutheran Service Book: Altar Book. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2006.MASCHKE, Timothy H. Gathered Guests: A Guide to Worship in the Lutheran Church. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2003.
SENN, Frank C. Christian Liturgy: Catholic and Evangelical. Minneapolis: Fortress Press, 1997.

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