sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Fonte, Púlpito e Altar

 A Palavra e os sacramentos definem a unidade entre os cristãos. Em um de seus salmos, o rei Davi expressa a grande beleza dessa unidade:

“Oh! Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos! É como o óleo precioso sobre a cabeça, o qual desce pela barba, a barba de Arão, e desce para a gola de suas vestes. É como o orvalho do Hermom, que desce sobre os montes de Sião. Ali o Senhor ordena a sua bênção e a vida para sempre” (Salmo 133).

Davi menciona Arão e Sião, não Moisés e Jerusalém, porque está falando da unidade na igreja, não na nação. Segundo Davi, a unidade é boa, prazerosa e preciosa. Onde há essa unidade, também estão presentes a bênção de Deus e a vida eterna. Reconhecendo a importância da unidade, São Paulo destaca sua relevância ao escrever aos Efésios para que façam tudo o que puderem para mantê-la: “fazendo tudo para preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Há somente um corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança para a qual vocês foram chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos” (Efésios 4.3-6). Assim como Deus é um, há um só corpo, a igreja, um Espírito, uma fé, um batismo.

Na Igreja Luterana, procuramos expressar em nossa prática essa unidade exaltada por Davi e Paulo. No Culto Luterano, reconhecemos a unidade essencial entre a fonte do batismo, o púlpito e o altar. A fé na qual uma criança é batizada é a única fé verdadeira mencionada por Paulo aos Efésios. A fé que o pastor proclama do púlpito não é sua própria opinião, mas a única fé verdadeira expressa no credo. E a fé confessada no altar, quando recebemos a Santa Ceia, não é a fé individual de cada fiel. O perdão recebido na Santa Ceia está ligado à “fé” da igreja. Portanto, a fonte, o púlpito e o altar expressam unidade na fé. Os pastores luteranos não pregam algo diferente da fé na qual a criança é batizada. Da mesma forma, os comungantes não vêm ao altar com crenças que contradizem o que é pregado do púlpito.

Por exemplo, quando somos batizados, não somos batizados em nome de qualquer deus. Somos batizados especificamente em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A pregação do pastor orienta a fé das pessoas não para algum deus, mas especificamente para o Deus Triúno. Se o pastor não prega para guiar as pessoas a crer no Deus do nosso Batismo, não é um pregador fiel. Quando participamos da Santa Ceia, nos aproximamos do altar com aqueles que confessam fé no Deus Triúno que nos marca no Batismo e a quem o pastor aponta em sua pregação. Criar qualquer tipo de desvio entre a fonte e o altar ou entre o púlpito e o altar, permitindo variações ou discordâncias na doutrina expressa na fonte, no púlpito e no altar, é prejudicar a unidade que Davi e São Paulo pediram para manter e valorizar. Eventualmente, uma prática que não honra a unidade essencial de confissão na fonte, no púlpito e no altar destruirá a integridade confessional da igreja.


Quando falamos de Batismo, pregação e Santa Ceia, estamos, claro, falando da vida no Monte Sião. Estamos falando de como a igreja nasce, é alimentada, sustentada e preservada até o fim. E em cada atividade, Jesus é o centro. São seus benefícios que são derramados sobre nossas cabeças com a água no Batismo. Suas palavras são o foco de toda pregação. É seu perdão e vida que recebemos junto com seu Corpo e Sangue no Sacramento do Altar. É sua santa noiva com quem ele se torna um no altar.

Mas há outra forma de unidade entre a fonte, o púlpito e o altar além da unidade de confissão. O Batismo, a pregação do evangelho e a Santa Ceia nos trazem o mesmo: graça. O propósito do Batismo, do Evangelho e da Santa Ceia é o mesmo: criar e preservar a fé, a fé em Jesus, nosso Salvador. Esta fé é gerada, alimentada e nutrida por uma única coisa: a graça que vem por meio de Jesus Cristo. Assim como os israelitas foram sustentados pelo maná enviado do céu, Sião vive pela graça que Deus envia do céu em seu Filho Jesus Cristo, a graça que chega até nós no Batismo, no Evangelho e na Santa Ceia.

A graça é de valor inestimável. Sem ela, estamos longe de Deus; com ela, estamos em comunhão com Ele. Sem ela, estamos sem esperança; com ela, temos uma esperança viva e uma herança que não se perde (cf. 1Pedro 1.3-4). Sem ela, estamos perdidos para sempre; com ela, vivemos para sempre.

Infelizmente, muitas vezes as pessoas não conhecem ou não apreciam o grande valor da graça de Deus. Como resultado, costumam questionar por que precisam ser batizadas, especialmente se já acreditam em Jesus e no perdão conquistado na cruz. Essas mesmas pessoas podem questionar a necessidade de se aproximar do altar, pois já possuem o que a Santa Ceia oferece. Esse raciocínio pode parecer razoável, mas perde sentido quando examinado com mais atenção. Sim, os cristãos que chegam à fé em Cristo como adultos, por exemplo, já têm perdão completo por todos os seus pecados. Se morrerem, irão para o céu. Não podem ser “mais perdoados” do que são no momento em que creem em Cristo. Os filhos de Deus batizados e que estão na fé vivem constantemente sob a graça de Deus e não são “menos perdoados” em um sábado à noite antes da Santa Comunhão do que em um domingo depois de receber o Sacramento.

Com esse raciocínio, uma pessoa poderia decidir não se batizar nem receber a Santa Ceia nunca mais. Mas, ao adotar esse raciocínio, uma pessoa ignora a razão pela qual os Sacramentos foram dados. Eles são tesouros. São a graça de Deus. Não são obrigações impostas sobre nós, mas presentes. Não são um fardo para a fé, mas a alimentam. Quem, em sã consciência e em circunstâncias normais, rejeitaria o alimento necessário para sustentar sua vida? A graça é o alimento que nutre nossa fé e a sustenta. Por que deveríamos rejeitá-la? As pessoas que não querem ser batizadas ou são negligentes em participar da Santa Ceia não acreditam no que a Bíblia diz sobre o presente de Deus nesses sacramentos.

Imagine que eu tenha um campo cheio de tesouros e permita que você ande por ele. Que eu lhe dê uma bolsa e peça que guarde tudo o que encontrar. Logo, você encontra vários diamantes e coloca na bolsa. Alguns metros adiante, descobre um monte de grandes rubis. Você os deixará lá porque já tem diamantes? A maioria de nós adoraria ter diamantes e rubis, então você adiciona os rubis à bolsa e continua. Agora, você encontra algumas esmeraldas. O que fará? Diamantes, rubis e esmeraldas são todas joias preciosas. Você não vai desprezar uma só porque não parece com as outras. O valor vem de diferentes formas. O que pensaria de alguém que diz: “Minha irmã herdou um milhão de dólares em ouro, mas eu herdei um milhão de dólares em prata. Estou muito descontente.” ? Assim como pedras preciosas, prata e ouro são diferentes, mas todas são valiosas, Deus também tem mais de uma forma de mostrar e nos dar seu amor: o Evangelho, o Batismo e a Santa Ceia. Seu amor e graça não têm menos valor por virem de diferentes meios. Pelo contrário, Deus usa os três meios de graça para garantir que nos ama.

Na proclamação do evangelho, não há dúvida sobre quem Deus deseja perdoar e salvar. A Bíblia diz: “O Senhor... é paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento” (2Pedro 3.9). Em sua primeira carta a Timóteo, Paulo diz que Deus “deseja que todos sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1Timóteo 2.4). Jesus disse: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16). E Paulo proclama que Cristo “morreu por todos” (2Coríntios 5.15). O Evangelho esclarece que Deus ama a todos; Deus enviou seu Filho para todos; Jesus morreu por todos. Portanto, podemos confiar que Jesus é nosso Salvador. No entanto, devido ao pecado, podemos duvidar desse fato, por isso Deus manifesta seu amor e perdão de outra maneira. Ele derrama água sobre nossa cabeça e somos batizados em seu nome. Da mesma forma, Deus estabelece claramente em sua Santa Ceia que sua graça é plenamente destinada a cada pessoa junto ao altar. Não podemos ter dúvidas de que o perdão de Deus é para nós quando o corpo do Salvador é colocado em nossa boca. Não podemos duvidar que Jesus nos salvou quando nos dá para beber seu próprio Sangue derramado por nós na cruz.

O amor de Deus nos fala de diferentes maneiras, mas é o mesmo amor, seja através do Evangelho, do Batismo ou da Santa Ceia. Seu perdão, salvação e vida são transmitidos de formas diferentes, mas são o mesmo perdão, vida e salvação que Cristo conquistou no Monte Calvário e que nos é dado no Monte Sião. Esses tesouros de Deus criam, nutrem e preservam Sião durante a peregrinação na terra e a preparam para o dia em que se encontrará com o Salvador face a face, e a graça culminará em glória eterna.

- Capítulo traduzido e adaptado de Why I am a Lutheran. Jesus at the Center, escrito pelo Rev. Daniel Preus e publicado pela Concordia Publishing House, 2004. Todas as citações da Bíblia Sagrada são da versão Nova Almeida Atualizada (NAA), da Sociedade Bíblica do Brasil.



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