domingo, 29 de dezembro de 2024

O Cântico de Simeão (Nunc Dimittis) e a Liturgia Luterana

Conforme as liturgias da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), após a Comunhão, acontece o cântico ou recitação do Nunc Dimittis, também conhecido como o Cântico de Simeão. Esse momento é muito especial, pois nos conduz a agradecer e expressar nossa confiança plena em Deus, após termos recebido Cristo no Sacramento do Altar. As palavras que entoamos ecoam o testemunho de Simeão, registradas no Evangelho de Lucas, são as seguintes:

"Senhor, agora despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra, pois os meus olhos viram a tua salvação, a qual preparaste perante a face de todos os povos, Luz para alumiar as gentes e para glória de teu povo Israel. Glória ao Pai e ao Filho e ao Santo Espírito, como era no princípio, agora é e por todo o sempre há de ser! Amém."

Essas palavras nos conectam à Simeão, que, movido pelo Espírito Santo, reconheceu, nos braços de Maria, que aquele menino era a glória de Deus voltando ao templo. Diferente da visão de Ezequiel, que viu a glória de Deus em um trono de safira sobre os querubins (Ez 1.26), Simeão viu a glória no tabernáculo da carne humana (Jo 1.14). A glória de Deus, que havia se retirado por causa do pecado do povo, agora retornava, não em uma estrutura física, mas na pessoa de Jesus Cristo, que cumpria perfeitamente a lei divina.

Cristo presente na Santa Ceia
Assim como Simeão reconheceu o Salvador nos braços de Maria, nós o reconhecemos e recebemos pela fé no pão e no vinho da Santa Ceia. Não são simples elementos simbólicos, mas o verdadeiro corpo e sangue de Cristo. Sobre isso, Jordan Cooper destaca:
"Ao cantar esse cântico, como Simeão, reconhecemos que encontramos Cristo na Santa Ceia. Com nossos próprios olhos, vimos a salvação que Deus preparou por meio desse sacramento santo. Depois de recebermos Cristo, podemos partir do altar em paz, pois recebemos a salvação que ele nos oferece" (Liturgical Worship: A Lutheran Introduction, p. 121)​.
Arthur Just complementa, mostrando como o Nunc Dimittis é uma expressão perfeita para encerrar a Santa Ceia:
"Ao concluir a distribuição da Ceia, cantar o Nunc Dimittis é uma maneira inspirada de encerrar este momento. Simeão reconheceu a paz de Deus em Cristo, e nós fazemos o mesmo ao recebê-lo no altar, proclamando que nossos próprios olhos viram a salvação no corpo e sangue de Jesus" (Heaven on Earth: The Gifts of Christ in the Divine Service, p. 121-122)​.
Além disso, a Fórmula de Concórdia confirma claramente a presença real de Cristo na Ceia:
"Cremos, ensinamos e confessamos que, na Santa Ceia, o corpo e o sangue de Cristo estão verdadeira e essencialmente presentes e são verdadeiramente distribuídos e recebidos com o pão e o vinho" (Fórmula de Concórdia, Epítome VII, 6-7).
Essa confissão nos enche de alegria e certeza. Ao participarmos da Ceia do Senhor, não recebemos apenas um sinal, mas o próprio Salvador que se entregou por nós. Assim como Simeão segurou Jesus em seus braços, nós seguramos e recebemos o mesmo Cristo no altar, sob os elementos consagrados. Essa presença real é o fundamento da nossa fé e da nossa paz.

Uma canção que transcende a Santa Ceia
O Nunc Dimittis reflete perfeitamente o que acontece em nosso coração ao recebermos a Santa Ceia. No entanto, ele vai além do momento da Comunhão, sendo uma expressão da confiança do cristão em todas as etapas da vida. Esse cântico é frequentemente usado também em serviços fúnebres luteranos, reafirmando que quem confia em Cristo parte deste mundo em paz, com a certeza da ressurreição e da vida eterna. Desde a criança recém-confirmada até o cristão mais idoso, todos que participam do altar de Cristo podem dizer com confiança: “Estou pronto para morrer em paz. Meus olhos viram a tua salvação, Senhor.” Essa é a paz que transcende o entendimento, enraizada na obra salvadora de Cristo​​.

Uma prática que cresceu no luteranismo
Reed explica que, nas primeiras liturgias luteranas, o uso do Nunc Dimittis após a Ceia não era universal, mas ele aparece em ordens suecas e alemãs do século XVI. 
"O cântico foi incluído em algumas liturgias antigas, como a liturgia sueca de 1531 e em ordens alemãs de 1525. Ele também se conecta à tradição da liturgia hispânica (Mozarábica), mas sua adoção em massa como parte do culto luterano reflete o foco na comunhão com Cristo e a paz encontrada na Ceia" (Reed, The Lutheran Liturgy, p. 355-356)​​.
Embora haja alguma evidência do uso do Nunc Dimittis nas primeiras liturgias da Igreja, ele não era comumente incluído após a Ceia do Senhor até que Wilhelm Loehe, um luterano alemão que enviou missionários para a América e influenciou profundamente o luteranismo americano, incluiu o Nunc Dimittis em uma agenda publicada em 1844. Sua inclusão foi uma maneira de destacar a conexão entre a experiência de Simeão e a recepção de Cristo na Ceia, estabelecendo uma prática que continua até hoje​​.

Preparados para viver e morrer em paz
Ao cantarmos o Nunc Dimittis, afirmamos algo extraordinário: estamos prontos para enfrentar tudo, inclusive a morte. Não porque somos fortes em nós mesmos, mas porque nossos olhos viram a salvação e nossos corações receberam a paz que vem de Cristo. Essa paz não é passageira, mas eterna, sustentando-nos até que nos reunamos com o Senhor na glória celestial.

O Nunc Dimittis nos ensina que, assim como Simeão, não precisamos temer a morte ou qualquer desafio desta vida. Quando o pastor diz: “que esta ceia vos fortaleça e preserve na fé para a vida eterna”, ele nos lembra que, tendo recebido o corpo e o sangue de Cristo, temos tudo o que precisamos. Essa paz não é passageira, mas eterna, sustentando-nos até que nos reunamos com o Senhor na glória celestial.

Assim, o Nunc Dimittis é mais do que um simples cântico. Ele é uma confissão de fé, gratidão e paz. Assim como Simeão, ao cantarmos, declaramos: "Senhor, agora despedes em paz o teu servo", com a certeza de que Cristo é tudo o que precisamos. Que essa paz nos acompanhe todos os dias de nossa vida, até o momento em que também diremos com Simeão: "Meus olhos viram a tua salvação", certos de que estaremos com o Senhor eternamente.

Rev. Filipe Schuambach Lopes

Nenhum comentário:

Postar um comentário