quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Culto e Missão

Rev. Tyler McMiller, missionário da LCMS, ora durante o culto divino de abertura
da Igreja Luterana Christus Victor no sábado, 27 de janeiro de 2024, em Roma.

No dia 02 de janeiro, a Igreja lembrou Wilhelm Löhe, um dos grandes nomes do movimento missionário e litúrgico luterano. Em um artigo publicado em 2008, John T. Pless afirmou o seguinte:

“Löhe teria dificuldade em entender aqueles em nossos dias que colocariam ‘missão’ contra ‘liturgia’. Para ele, a igreja missional era uma igreja litúrgica. Uma de suas declarações frequentemente citadas é: ‘missão nada mais é do que a única igreja de Deus em movimento’. Este movimento não é um ativismo frenético, mas o movimento de Cristo para Seu povo na Palavra e Sacramento e o movimento daqueles que recebem os dons de Cristo para o mundo com a mensagem de salvação. O comprometimento de Löhe com a missão não pode ser entendido sem referência à liturgia. [...] Para ele, a indiferença doutrinária significava a morte do cristianismo. Por mais tentador que fosse minimizar as distinções doutrinárias no campo missionário, Löhe sabia que tal abordagem era um beco sem saída. Isso só poderia levar à destruição da igreja, pois roubaria dos cristãos a certeza da salvação que Cristo nos dá na pregação pura de sua Palavra. Privaria os cristãos do conforto de saber que Jesus lhes dá Seu corpo e sangue no Sacramento do Altar. A desunião doutrinária destrói a base para a missão genuína. Doutrina pura e missão energética andam de mãos dadas para Löhe.” [1]

Essas palavras nos trazem algumas reflexões, especialmente em nossos dias, quando há uma tentativa recorrente de separar a missão ou o evangelismo da liturgia. Ideias como "mais louvor; menos liturgia" ou "mais palavra (pregação); menos liturgia" ecoam em muitos lugares. Essa busca por moldar o culto segundo as preferências ou opiniões humanas acabam por desviar o foco de Cristo e de seus dons, negligenciando o papel essencial da liturgia na vida da Igreja.

Mesmo que essa verdade seja dura de aceitar, a liturgia é sim um dos pilares que mantém a Igreja de pé, pois a liturgia, de forma especial, a liturgia luterana nada mais é do que a própria Palavra de Deus sendo proclamada. Cada parte da liturgia está enraizada nas Escrituras. Basta abrir seu hinário luterano ou agenda litúrgica para perceber as referências bíblicas que fundamentam cada elemento litúrgico. Dizer que a liturgia não tem essa função é, na prática, duvidar da própria Palavra de Deus.

A liturgia, tal como possuímos em nossas agendas litúrgicas, não é fruto de um capricho momentâneo ou de uma inovação superficial. Ela foi cuidadosamente trabalhada por séculos, refinada por grandes teólogos que compreenderam sua profundidade e significado. É a essência da Igreja e, de muitas maneiras, define se uma igreja é verdadeiramente confessional ou não. Lutero, em sua reforma litúrgica, não aboliu a liturgia, mas a purificou de abusos e superstições, mantendo aquilo que melhor proclamava o Evangelho e os dons de Deus ao povo.

John T. Pless destaca que “a liturgia é o trabalho de Deus, não o nosso, e consiste em Deus descendo para nos dar dons que não podemos obter por nós mesmos”[2]. No culto, Deus vem até nós em sua Palavra e Sacramento, alimentando-nos com o perdão, a vida e a salvação. Não há missão genuína sem essa base.

A missão não é algo separado ou independente da liturgia; ela é um fruto direto dela. Quando nos reunimos para o culto, somos servidos por Deus com seus dons. No altar, recebemos o Corpo e o Sangue de Cristo, que nos fortalecem para a vida no mundo. É a partir desse fortalecimento que somos enviados para anunciar a mensagem da salvação, como muito bem afirma a liturgia de ação de graças:
“Suplicamos-te que concedas por tua graça que o mesmo nos fortaleça a fé em ti e nos dê ardente caridade para com o nosso próximo”. 
Esta oração é um momento que simboliza essa transição da liturgia para a missão, um lembrete de que a missão não é opcional, mas uma extensão do que significa viver como cristãos.

Como afirmou Pless, 
“a liturgia provê a congregação com uma forma ordenada de ouvir Deus falar, de receber o corpo e sangue de Cristo e de responder a Ele em oração, louvor e ação de graças”.[3] 
Esse movimento do altar para o mundo é o que Löhe chamava de “a única igreja de Deus em movimento”. Em outras palavras, a missão é a manifestação concreta do amor recebido de Deus na liturgia.

Portanto, a missão da Igreja não é algo que os cristãos iniciam por conta própria, mas um reflexo direto do que Deus já realizou por meio da liturgia. Ao participarmos da liturgia, somos enviados como instrumentos de Deus, chamados a proclamar o Evangelho e a demonstrar o amor de Cristo no mundo. Essa "liturgia após a liturgia" é a verdadeira essência da missão cristã: viver a fé recebida e compartilhá-la por meio do serviço ao próximo.

A tentativa de separar missão e liturgia frequentemente é acompanhada por um enfraquecimento da doutrina. Para Wilhelm Löhe, isso era inconcebível. Ele sabia que minimizar as distinções doutrinárias no campo missionário era um beco sem saída, pois isso roubaria dos cristãos a certeza da salvação. Conforme Löhe, “Doutrina pura e missão energética andam de mãos dadas”.

A missão não pode ser apenas um ativismo vazio. Ela deve estar firmemente enraizada na pregação pura do Evangelho e no uso correto dos sacramentos. Separar essas coisas é desviar-se do fundamento da fé cristã e comprometer a eficácia da missão. Não podemos desconectar a correta pregação da Palavra e a administração dos sacramentos da liturgia, pois é por meio da liturgia — e não de qualquer liturgia, mas de uma liturgia fiel à confessionalidade luterana — que isso acontece.

A liturgia é a estrutura pela qual a Palavra é pregada corretamente e os sacramentos são administrados de acordo com a ordenança de Cristo. É nela que Deus serve o seu povo, oferecendo perdão, vida e salvação. Quando a liturgia é negligenciada ou alterada para agradar às preferências humanas, corremos o risco de comprometer a pregação do Evangelho e o uso dos sacramentos, que são o cerne da missão da Igreja.

Portanto, missão e liturgia não são polos opostos, mas duas faces da mesma moeda. A liturgia não é um detalhe secundário, mas o alicerce pelo qual Deus comunica os seus dons e conduz a sua Igreja em missão. Sem ela, a missão perde sua base, e o Evangelho, sua centralidade. A liturgia nos prepara para a missão, e a missão nos leva de volta à liturgia, criando um ciclo em que Cristo é sempre o centro. A liturgia luterana, enraizada na Palavra de Deus e no Evangelho, é o canal pelo qual recebemos a graça e somos enviados ao mundo para proclamar essa mesma graça.

Que possamos aprender a valorizar a unidade entre doutrina, liturgia e missão, confiando que é o próprio Deus quem nos serve para que possamos servir ao próximo com fé e amor. Que a Igreja permaneça firme em sua confessionalidade, proclamando o Evangelho em sua plenitude, para a glória de Deus e a edificação de seu povo!


[1] PLESS, John T. The Missionary Who Never Left Home. Witness. Disponível em: https://witness.lcms.org/2008/the-missionary-who-never-left-home-2-2008/. Acesso em: 3 jan. 2025.

[2] PLESS, John T. Vocation: Fruit of the Liturgy. Logia: A Journal of Lutheran Theology, v. 11, n. 3, p. 3-8, 2002, p. 3.

[3] PLESS, John T. Vocation: Fruit of the Liturgy. Logia: A Journal of Lutheran Theology, v. 11, n. 3, p. 3-8, 2002, p. 49-50

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