Este texto tem como objetivo apresentar algumas diferenças doutrinárias entre duas tradições cristãs históricas: a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), de origem reformada/calvinista, e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), de confissão luterana. Ambas reconhecem a autoridade da Bíblia e a centralidade de Cristo para a fé e a vida cristã. Ambas nasceram do movimento da Reforma do século XVI, mas tomaram caminhos distintos na forma de entender e aplicar as verdades da Escritura.
O meu desejo, ao escrever estas linhas, não é polemizar ou produzir uma apologia aprofundada, mas apenas esclarecer com caridade e honestidade algumas das principais diferenças doutrinárias, com base nas confissões oficiais de cada tradição — a Confissão de Fé de Westminster, no caso da IPB, e o Livro de Concórdia, no caso da IELB.
Alguns tópicos serão tratados de forma mais breve ou resumida, justamente porque o propósito não é esgotar cada assunto. Caso surjam dúvidas, objeções ou interesse por parte do leitor, estou inteiramente à disposição para conversar, dialogar, responder com base nas Escrituras e, acima de tudo, manter um espírito fraterno e cristão, como irmãos que amam o mesmo Senhor Jesus Cristo.
A centralidade do Evangelho
A primeira diferença fundamental está na maneira como cada igreja compreende o centro da revelação bíblica. A IPB, conforme o Breve e o Maior Catecismo de Westminster, ensina que o fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre. A glória de Deus é, portanto, o grande tema da Escritura, e tudo se organiza ao redor desse princípio.
A IELB, em contraste, confessa que o centro das Escrituras é o Evangelho de Jesus Cristo: a justificação do pecador por graça, mediante a fé. O foco da Bíblia, para os luteranos, não é simplesmente a glória de Deus em termos abstratos ou soberanos, mas a manifestação dessa glória na cruz de Cristo — na salvação dada ao pecador. Como afirma o Catecismo Maior de Lutero: “O Espírito Santo nos chama pelo Evangelho”. O apóstolo Paulo ensina que "Cristo é o fim da Lei" (Rm 10.4), e que a cruz é o lugar onde Deus revelou sua glória e sabedoria (1Co 1.18–25). Quando se centraliza apenas na soberania divina, corre-se o risco de obscurecer a ternura do Evangelho e torná-lo apenas um instrumento para enaltecer a majestade divina, e não o consolo supremo para o pecador (PIEPER, 1950, p. 7-8).
A obra de Cristo e a expiação
A IPB, em consonância com a tradição reformada, ensina que Jesus morreu apenas pelos eleitos, numa doutrina conhecida como expiação limitada. A Confissão de Westminster afirma que Cristo "comprou eterna redenção para todos aqueles que Deus lhe deu" (cap. 8.5). Isso significa que sua morte não teve efeito algum pelos que não serão salvos.
A IELB rejeita essa interpretação. As Escrituras são claras: “Deus amou o mundo” (Jo 3.16); Cristo “é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro” (1Jo 2.2). A doutrina da expiação limitada coloca limites no amor de Deus que a própria Escritura não impõe. A Confissão de Augsburgo declara com clareza que Cristo “morreu para reconciliar o Pai conosco” (Confissão de Augsburgo, Art. III). Ao restringir o alcance da cruz aos eleitos, a teologia reformada enfraquece o consolo universal do Evangelho e desvia da confissão bíblica de que “Deus quer que todos se salvem” (1Tm 2.4; cf. PIEPER, 1950, v. II, p. 346).
A predestinação
Outra diferença marcante está na doutrina da eleição. A IPB ensina a chamada dupla predestinação: Deus predestinou alguns para a salvação e outros para a condenação, conforme a lógica calvinista. Essa doutrina tenta explicar a soberania de Deus com base em uma lógica implacável: se ele escolheu uns, logo também rejeitou os demais.
A tradição luterana reconhece aqui um mistério santo. Confessamos, com humildade, que Deus de fato predestina para a salvação, mas não predestina ninguém para a perdição. A Fórmula de Concórdia ensina que "os não eleitos são rejeitados por sua própria culpa" (Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida XI.42). Deus não deseja a morte de ninguém (Ez 18.23), e quando um homem é condenado, é por ter resistido voluntariamente à graça. A tentativa reformada de sistematizar esse tema, embora intelectualmente coerente, não encontra apoio claro nas Escrituras, e acaba fazendo de Deus o autor do mal, o que é absolutamente inaceitável (Tg 1.13; WALTHER, 1998, p. 83).
A relação entre razão e Escritura
Luteranos e presbiterianos confessam a autoridade suprema da Escritura. No entanto, a IPB, por meio da Confissão de Westminster, frequentemente aplica uma abordagem que tenta harmonizar todas as doutrinas com base na lógica humana, mesmo que isso signifique reinterpretar textos que parecem contradizer sua estrutura sistemática (cap. 1.6).
A teologia luterana, em fidelidade à Escritura, reconhece que nem todos os mistérios da fé são compreensíveis pela razão. Por exemplo, a união do corpo e sangue de Cristo com o pão e o vinho da Ceia, a eleição sem predestinação para o mal, ou a união das naturezas divina e humana em Cristo — são mistérios recebidos pela fé. Como Lutero afirmava: “A razão é a maior inimiga da fé” (apud WALTHER, 1998, p. 43). A razão deve ser posta em seu devido lugar, sob o jugo da Palavra (2Co 10.5). Quando a razão se torna juíza da revelação, ela deforma o Evangelho.
Os Sacramentos
Um dos pontos de maior diferença prática está na compreensão dos Sacramentos. A IPB considera o Batismo e a Ceia do Senhor como ordenanças simbólicas, sem eficácia intrínseca. Eles são “sinais e selos” de uma graça que já foi conferida internamente, e sua utilidade depende da fé pré-existente do participante (cap. 27.3).
A IELB confessa, com base clara nas Escrituras, que os Sacramentos são meios de graça, pelos quais Deus realmente comunica o perdão dos pecados. No Batismo, “somos sepultados com Cristo” (Rm 6.4) e “nos revistimos de Cristo” (Gl 3.27). Na Ceia, Cristo afirma: “Isto é o meu corpo [...] isto é o meu sangue” (Mt 26.26–28). Essas palavras não podem ser reduzidas a metáforas sem violência ao texto (Catecismo Maior, II). Ao rejeitar a presença real de Cristo na Ceia, a IPB distancia-se do ensino claro das palavras de instituição e do testemunho da igreja desde os primeiros séculos (PIEPER, 1950, v. III, p. 379-384).
A Liturgia e o Culto
Há uma diferença importante na forma como se entende o culto cristão. A IPB tende a adotar uma liturgia mais simples, centrada na pregação e na racionalidade. A ênfase está na edificação do crente pela exposição bíblica, com menos atenção à tradição litúrgica histórica.
A IELB, por outro lado, compreende o culto como um lugar onde Cristo serve o seu povo com seus dons. A liturgia luterana, com seus elementos históricos, estrutura e beleza, não é apenas tradição, mas meio de proclamação do Evangelho. Como ensina Arthur Just Jr.: “No culto, Cristo nos serve com seus dons” (JUST JR., 2008, p. 29). O uso de hinos, orações, leituras e sacramentos forma um todo coeso, centrado em Cristo e não no entretenimento ou na performance humana. A liturgia é uma pregação encarnada, visível e audível da graça de Deus (COOPER, 2018, p. 11; MASCHKE, 2003, p. 14-16).
Conclusão
A Igreja Presbiteriana do Brasil tem sido proclamadora das Escrituras em muitos aspectos. Porém, segundo a compreensão luterana confessional, algumas de suas doutrinas — especialmente sobre expiação, predestinação, sacramentos e culto — afastam-se do centro do Evangelho e da correta interpretação bíblica. Com toda humildade e respeito, a IELB afirma que o Evangelho deve ser preservado em sua pureza, não reduzido à lógica humana nem obscurecido por doutrinas que negam o alcance universal da graça de Deus. Por isso, permanecemos firmes nas Confissões Luteranas, que não apenas interpretam corretamente a Escritura, mas fazem-no com o coração pastoral de Cristo, que deseja salvar a todos (1Tm 2.4).
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