quarta-feira, 22 de maio de 2024

Breve história do Credo Atansiano

 


No próximo domingo, a Igreja Cristã estará celebrando um novo tempo: o tempo pós-Pentecostes. Este novo tempo começa de maneira especial, com a Festa da Santíssima Trindade. Após ter celebrado as três pessoas da Trindade individualmente (Natal, Páscoa e Pentecostes), a Igreja agora celebra o único e verdadeiro Deus - a Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.
Uma das tradições atrelada à esta celebração é a recitação do Credo Atanasiano durante o Culto Divino.

O Credo Atanasino é a Confissão de Fé mais longa e teologicamente mais complexa dos três credos ecumênicos (Apostólico, Niceno e Atanasiano). Ao contrário do Credo Niceno, o Credo Atanasiano não foi escrito em um concílio ecumênico, nem foi escrito com o propósito de refutar uma heresia em particular. Ele é essencialmente uma expansão dos ensinamentos do Credo Niceno e uma exposição ampliada da doutrina ortodoxa da Santíssima Trindade.


O Credo tem o nome de Atanásio, que foi o principal teólogo por trás dos argumentos que levaram ao Credo Niceno. Pode-se ter a impressão errada de que Atanásio escreveu este credo, mas não. Ele foi escrito muito depois de sua morte, provavelmente em algum momento do século VI. O texto original foi escrito em latim, e assim foi usado na igreja ocidental de língua latina, em vez de no Oriente. Não há registro da época ou lugar da escrita desta declaração de fé, mas ela tem sido usada por muitos séculos na igreja ocidental. O credo em si foi provavelmente montado especificamente para uso em culto público porque a linguagem do culto permeia este documento.


É uma noção equivocada de muitos que acabam de começar a estudar a história da Igreja que os arianos, que foram refutados no Concílio de Nicéia (325 d.C), desapareceram após este concíio ter rejeitados os ensinamentos dos arianos.[1] Infelizmente, a heresia ariana levou muitos séculos para gradualmente se dissipar. Ainda hoje, ela existe de alguma forma. Os arianos foram uma força forte por muitos séculos após o Concílio de Nicéia, e até mesmo convocaram seus próprios conselhos, o que condenou as decisões de Nicéia. Assim, enquanto o Credo Atanasiano provavelmente não foi escrito com um concílio ou controvérsia em mente, ele foi escrito numa época em que muitos continuavam a rejeitar a doutrina ortodoxa da Trindade. O Credo Atanasiano ajuda a proteger contra os arianos e outros grupos que rejeitam a divindade do Filho e a personificação do Espírito.


Ao contrário do Credo Apostólico e da forma do Credo Niceno usado no culto público, o Credo Atanasiano inclui não apenas uma declaração de doutrina, mas também uma refutação de heresia. Esta declaração de fé começa com a afirmação de que “aquele que quiser ser salvo, antes de tudo deverá ter a verdadeira fé cristã”. Da mesma forma, o Credo termina com a afirmação de que “esta é a verdadeira fé cristã.  Aquele que não crer com firmeza e fidelidade, não poderá ser salvo”. Além disso, todos aqueles que rejeitam a teologia trinitária ortodoxa estão condenados à perdição eterna. Estes ensinamentos não são apenas um exercício nas questões teóricas ou filosóficas; a própria salvação está em jogo dependendo de quem se confessa que Deus é.


Na Idade Média, o Credo Atanasiano era comumente confessado no culto público.[2] Desde aquela época, seu uso tem diminuído gradualmente. Não há nenhuma razão teológica particular para este declínio. O Credo é simplesmente muito longo, e a maioria das congregações não deseja repetir algo tão longo em cada culto. Isto não significa, no entanto, que o credo nunca seja usado hoje. Ele é lido, como afirmado acima, pelo menos uma vez por ano, na Festa da Santíssima Trindade, quando a igreja contempla o mistério do Deus Triúno que se revelou na Escritura.

Texto litúrgico utilizado atualmente:[3]

P Aquele que quiser ser salvo, antes de tudo deverá ter a verdadeira fé cristã.
C Aquele que não a conservar em sua totalidade e pureza,
sem dúvida perecerá eternamente.
P E a verdadeira fé cristã é esta,
P & C que honremos um único Deus na Trindade e a Trindade na unidade,
P não confundindo as pessoas nem dividindo a substância divina.
C Pois uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho e outra a do Espírito Santo;
P Mas o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um único Deus,
iguais em glória e majestade eterna.
P & C Qual o Pai, tal o Filho, tal o Espírito Santo.
P O Pai é incriado, o Filho é incriado, o Espírito Santo é incriado.
C O Pai é incomensurável, o Filho é incomensurável,
o Espírito Santo é incomensurável.
P O Pai é eterno, o Filho é eterno, o Espírito Santo é eterno.
P & C Contudo não são três eternos, mas um único Eterno.
P Do mesmo modo não são três Incriados, nem três Incomensuráveis,
mas um único Incriado e um único Incomensurável.
C Da mesma maneira, o Pai é todo-poderoso,
o Filho é todo-poderoso, o Espírito Santo é todo-poderoso;
P contudo não são três Todo-Poderosos, mas um único Todo-Poderoso.
P & C Assim, o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus;
P todavia, não são três Deuses, mas um único Deus.
C Deste modo o Pai é Senhor, o Filho é Senhor,
o Espírito Santo é Senhor.
P entretanto não são três Senhores, mas um único Senhor.
P & C Visto que, segundo a verdade cristã, nos importa confessar cada pessoa por sua vez como sendo Deus e Senhor, é-nos proibido pela fé cristã dizer que há três Deuses e três Senhores.
P O Pai por ninguém foi feito, nem criado, nem gerado.
C O Filho provém apenas do Pai, não foi feito, nem criado, mas gerado.
P O Espírito Santo não foi feito, nem criado, nem gerado pelo Pai e pelo Filho,
mas deles procede.
C Logo, é um único Pai, não são três pais; um único Filho, não três Filhos;
um único Espírito Santo, não três Espíritos Santos.
P E nesta Trindade nenhuma pessoa é anterior ou posterior, nenhuma maior ou menor.
C mas todas as três pessoas são coeternas e iguais entre si;
P & C de modo que, como foi dito,
em tudo seja honrada a Trindade na Unidade e a Unidade na Trindade.
P Portanto, quem quiser ser salvo, deverá pensar assim da Trindade.
C Entretanto, é necessário para a salvação eterna
crer também fielmente na humanação de nosso Senhor Jesus Cristo.
P Esta é, portanto, a fé verdadeira:
P & C crermos e confessarmos que nosso Senhor Jesus Cristo,
o Filho de Deus, é Deus e Homem.
P É Deus da substância com o Pai, gerado antes dos tempos,
e Homem da substancia de sua mãe, nascido no tempo;
C Deus perfeito e Homem perfeito, subsistindo em alma racional e carne humana.
P Igual ao Pai segundo a divindade e menor do que o Pai segundo a humanidade.
P & C Ainda que é Deus e Homem, nem por isso são dois, mas um único Cristo.
P um só, não pela transformação da divindade em humanidade,
mas mediante a recepção da humanidade na divindade.
C É, de fato, um só, não pela fusão das duas substâncias,
mas por unidade de pessoa.
P Pois, assim como o corpo e alma racional constituem um único homem,
Deus e Homem é um único Cristo,
C o qual padeceu pela nossa salvação, desceu ao inferno,
no terceiro dia ressuscitou dos mortos.  
P Subiu ao céu, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso,
donde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
C E quando vier, todos os homens hão de ressuscitar
 com os seus corpos e dar contas de seus próprios atos,
P e aqueles que fizeram o bem irão para a vida eterna,
mas aqueles que fizeram o mal, para o fogo eterno.
P & C Esta é a verdadeira fé cristã.
Aquele que não crer com firmeza e fidelidade, não poderá ser salvo.



[1] Os arianos acreditavam que o Filho de Deus não era eterno ou divino em essência. O Filho foi o primeiro e maior de toda a criação, mas ainda assim uma criação de Deus Pai em vez de uma eterna pessoa divina. O debate sobre a divindade de Cristo continuou por muitos séculos, e a posição de que Cristo é totalmente divino foi tomada por Atanásio, que se tornou um dos teólogos mais influentes na história da igreja cristã.

[2] O Credo Atanasiano não recebeu reconhecimento “oficial” até a Reforma. Foi adotado pelos luteranos na Confissão de Augsburgo (1530) e incluído no Livro da Concórdia (1580). A Igreja Católica Romana o reconheceu no Concílio de Trento (1545-1563). Além disso, foi aceito pela maioria dos ramos protestantes que surgiram durante a Reforma, como a Igreja da Inglaterra e as confissões reformadas.

[3] Conforme o Hinário da Igreja Evangélica Luterana do Brasil.

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