terça-feira, 19 de agosto de 2025

O Filioque


Introdução
O artigo de fé sobre a Santíssima Trindade ocupa lugar central na confissão cristã desde os primeiros séculos da Igreja. Nele, a Igreja reconhece e adora a um só Deus em três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, iguais em essência, majestade e glória. A formulação dessa fé foi consolidada nos credos ecumênicos, em especial o Credo Niceno-Constantinopolitano, que serviu de fundamento para a doutrina cristã em todo o mundo. Contudo, a inclusão posterior da cláusula Filioque , “e do Filho”, no artigo referente à procedência do Espírito Santo, tornou-se um ponto de forte controvérsia entre o Oriente e o Ocidente.

No coração do debate está a questão de como expressar, sem contradição, a relação eterna entre as pessoas divinas, particularmente a origem do Espírito Santo. A tradição ocidental, em grande parte marcada pela herança agostiniana, acrescentou a afirmação de que o Espírito Santo procede “do Pai e do Filho”. Já o Oriente permaneceu fiel à formulação original do Concílio de Constantinopla (381), confessando a procedência “do Pai”, considerando que qualquer adição romperia a fidelidade ao texto conciliar e comprometeria a primazia do Pai como fonte da Trindade.

A Reforma Luterana herdou essa tensão e, ao mesmo tempo, buscou reafirmar a fidelidade às Escrituras e aos credos ecumênicos. Nas Confissões Luteranas, o ensino sobre a Trindade e a procedência do Espírito Santo ocupa um espaço importante, especialmente no Credo Niceno, no Credo Atanasiano e nas explicações catequéticas. Assim, compreender a questão do Filioque não é apenas revisitar uma antiga controvérsia, mas refletir sobre como a Igreja Luterana, fiel ao Evangelho e ao testemunho apostólico, confessa a unidade e a distinção das pessoas divinas em linguagem clara, precisa e bíblica.

Este estudo, portanto, propõe-se a examinar a questão do Filioque à luz das Confissões Luteranas e da teologia trinitária confessada pela Igreja, dialogando com a história do dogma, as disputas entre Oriente e Ocidente e as interpretações teológicas contemporâneas. O objetivo é oferecer não apenas uma análise histórica, mas também um discernimento confessional, que aponte para a centralidade da fé trinitária como coração da doutrina cristã.

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Festa de Santa Maria, Mãe do Nosso Senhor - 15 de agosto

Hoje, a Igreja Luterana se alegra em celebrar a Festa de Santa Maria, Mãe do Nosso Senhor, recordando seu adormecer em fé: a Dormição.

Esta celebração não é apenas sobre a vida de Maria, mas também sobre a promessa que Deus faz a todos os que creem: a morte, para os cristãos, é apenas um sono temporário do qual Cristo nos despertará na ressurreição.

Uma festividade enraizada na história da Igreja
A festividade litúrgica de 15 de agosto remonta à antiga tradição da Igreja. O imperador bizantino Maurício (582–602 d.C.) estabeleceu este dia como a celebração da Dormição de Maria, recordando seu “adormecer” no Senhor. Já no início do século V, registros armênios chamavam o dia 15 de agosto de “dia de Maria, a Mãe de Deus” (Theotokos). Enquanto a Igreja Católica Romana, em 1950, definiu o dogma da Assunção corporal de Maria, a Igreja Luterana e a Ortodoxa preservaram a compreensão mais antiga: neste dia, lembramos que Maria, assim como todos os santos, viveu, envelheceu e morreu, sendo recebida pelo seu Filho no descanso eterno.

Maria: santa, especial e próxima de nós
Maria é santa, especial, escolhida por Deus, mas, ao mesmo tempo, é uma de nós. Viveu como qualquer outra pessoa, guardou no coração as palavras do Evangelho (Lucas 2.19), enfrentou alegrias e dores, e permaneceu fiel ao seu Senhor mesmo sem compreender tudo o que via. Ela foi, como disse Arthur Just, “a primeira catecúmena e a primeira cristã da nova aliança”, pois ouviu e guardou a Palavra de Deus.

Presença constante na vida de Jesus
O Novo Testamento nos mostra Maria presente em quase todos os momentos marcantes da vida de Jesus:
  • na Anunciação (Lucas 1.26-38);
  • na Visitação a Isabel (Lucas 1.39-56);
  • no nascimento do Salvador (Lucas 2.1-7);
  • nas visitas dos pastores (Lucas 2.8-20) e dos magos (Mateus 2.1-12);
  • na Apresentação no Templo (Lucas 2.22-38);
  • na fuga para o Egito (Mateus 2.13-15);
  • na visita pascal a Jerusalém (Lucas 2.41-52);
  • nas bodas de Caná, onde nos ensinou: “Façam tudo o que ele disser.” (João 2.1-11);
  • ao pé da cruz, quando Jesus a confiou ao cuidado de João (João 19.25-27);
  • e com os apóstolos no cenáculo, aguardando o Espírito Santo (Atos 1.12-14).
Sua obediência (“que aconteça comigo conforme a sua palavra”, Lucas 1.38) e sua lealdade a Cristo mesmo nas horas de dor fazem dela um exemplo para todos os crentes.

O cântico de Maria: Magnificat
O cântico de Maria, o Magnificat (Lucas 1.46–55), é a sua confissão de fé e louvor. Ele se divide em duas partes: na primeira, Maria celebra as grandes coisas que Deus fez por ela, reconhecendo que sua bem-aventurança vem da graça divina; na segunda, exalta a misericórdia de Deus cumprindo suas promessas a Abraão e ao seu povo. Lutero, ao comentar o Magnificat, lembra que a primeira e maior obra de Deus em Maria foi “o contemplar”, quando Deus volta o seu rosto para alguém, concede pura graça e bênção. Honrar Maria, diz Lutero, é vê-la diante de Deus e abaixo de Deus, maravilhando-se com a graça que a alcançou e, por meio dela, chegou a nós no Salvador.

A Dormição: sinal da nossa esperança
A Dormição de Maria aponta para a nossa própria esperança. Cristo, o Filho de Maria, morreu e ressuscitou, garantindo que todos os que Nele confiam não morrerão eternamente. Para o cristão, a morte é “adormecer no Senhor” (João 11.11), aguardando o despertar no último dia. Como Maria, não somos poupados da morte física, mas somos recebidos nas moradas eternas, e nossos corpos serão ressuscitados para a vida eterna.

Uma festa centrada em Cristo
A Igreja Luterana não ensina dogmaticamente que Maria foi assumida ao céu em corpo, mas reconhece que Deus a guardou em fé até o fim e a recebeu na glória eterna. Este dia, portanto, não é apenas sobre um acontecimento na vida dela, mas sobre a promessa de Deus a todos nós: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (João 11.25).

Celebrar a Dormição é, também, confessar que Cristo continua vindo ao seu povo hoje, assim como veio a Maria, trazendo o único remédio eficaz contra a morte: seu verdadeiro Corpo e Sangue na Santa Ceia. Ele recebeu este Corpo e Sangue de sua mãe, e agora os oferece a todos os que creem, prometendo: “quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida.” (João 5.24).

Por isso, o centro litúrgico desta festa é a Santa Ceia, onde Cristo, o Filho de Deus e Filho de Maria, vem a nós para nos fortalecer no caminho até a vida eterna. Como diz o apóstolo: “Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor.” (Romanos 14.8).

A cor litúrgica do dia
Hoje, a cor litúrgica é branca, símbolo da alegria, pureza e vitória que temos em Cristo. É a cor das festas de nosso Senhor e daqueles que, como Maria, confessaram e seguiram a Cristo até o fim.

Unidos na mesma fé
Unidos à fé de Maria e de todos os santos, celebramos a fidelidade de Deus e a certeza de nossa salvação em Cristo. E, com Maria, cantamos: “A minha alma engrandece ao Senhor, … porque o Poderoso me fez grandes coisas. Santo é o seu nome.” (Lucas 1.46–49).

FESTA DE SANTA MARIA, MÃE DO SENHOR
Liturgia da Palavra

INTRÓITO Salmo 34.2-5; antífona Salmo 34.1
1Bendirei o Senhor em todo o tempo,
    o seu louvor estará sempre nos meus lábios.
2Bem-aventurado é aquele a quem o Senhor não atribui iniquidade
    e em cujo espírito não há engano.
3Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos
    pelos meus constantes gemidos todo o dia.
4Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim,
    e o meu vigor secou como no calor do verão.
5Confessei-te o meu pecado e a minha iniquidade não mais ocultei.
    Eu disse: “Confessarei ao Senhor as minhas transgressões”.
    Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
    como era no princípio, agora é, e para sempre será –
    de eternidade a eternidade. Amém.
1Bendirei o Senhor em todo o tempo,
    o seu louvor estará sempre nos meus lábios.

PRIMEIRA LEITURA Isaías 61.7-11
Leitura do livro do profeta Isaías, capítulo 61.
7Em lugar de vergonha, vocês terão dupla honra;
em lugar da afronta, exultarão na herança recebida;
por isso, em sua terra possuirão o dobro e terão perpétua alegria.
8“Porque eu, o Senhor, amo a justiça e odeio a iniquidade do roubo;
em fidelidade lhes darei a sua recompensa e com eles farei aliança eterna.
9A posteridade deles será conhecida entre as nações,
os seus descendentes, no meio dos povos;
todos os que os virem reconhecerão que eles são família bendita do Senhor.”
10Tenho grande alegria no Senhor!
A minha alma se alegra
no meu Deus, porque me cobriu de vestes de salvação
e me envolveu com o manto de justiça,
como noivo que se adorna de turbante,
como noiva que se enfeita com as suas joias.
11Porque, como a terra produz os seus renovos,
e como o jardim faz brotar o que nele se semeia,
assim o Senhor Deus fará brotar a justiça
e o louvor diante de todas as nações.
    Esta é a Palavra do Senhor.
    C Demos graças a Deus.

SALMODIA Salmo 45.10-17 (antífona vers. 6)
6O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre;
cetro de justiça é o cetro do teu reino.
10Ouça, filha, olhe e preste atenção:
esqueça o seu povo e a casa de seu pai.
11Então o rei ficará encantado com a sua formosura;
por ser ele o seu senhor, incline-se diante dele.
12A filha de Tiro virá trazendo presentes;
os mais ricos do povo lhe pedirão favores.
13A filha do rei é toda formosura no interior do palácio;
os seus vestidos são enfeitados de ouro.
14Em roupas bordadas conduzem-na diante do rei;
as virgens, suas companheiras que a seguem, serão trazidas à sua presença, ó rei.
15Serão conduzidas com alegria e regozijo;
entrarão no palácio do rei.
16Em lugar de seus pais, estarão os seus filhos,
colocados como príncipes por toda a terra.
17Farei com que o seu nome seja celebrado de geração em geração,
e, assim, os povos o louvarão para todo o sempre.
    Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
    como era no princípio, agora é, e para sempre será –
    de eternidade a eternidade. Amém.
6O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre;
cetro de justiça é o cetro do teu reino.

GRADUAL Salmo 45.13-14
A filha do rei é toda formosura no interior do palácio;
    os seus vestidos são enfeitados de ouro.
Em roupas bordadas conduzem-na diante do rei;
    as virgens, suas companheiras que a seguem, serão trazidas à sua presença, ó rei.

SEGUNDA LEITURA Gálatas 4.4-7
L Leitura da carta de São Paulo aos Gálatas, capítulo 4.
4Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, 5para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. 6E, porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho ao nosso coração, e esse Espírito clama: “Aba, Pai!” 7Assim, você já não é mais escravo, porém filho; e, sendo filho, também é herdeiro por Deus.
   L Esta é a Palavra do Senhor.
   C Demos graças a Deus.

VERSO Lucas 1.47
Aleluia. “A minha alma engrandece ao Senhor,
e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador. Aleluia.

SANTO EVANGELHO Lucas 1. (39-45) 46-55
P Leitura do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas.
C Glórias a ti, Senhor.
39Naqueles dias, Maria se aprontou e foi depressa à região montanhosa, a uma cidade de Judá. 40Entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. 41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre. Então Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42E exclamou em alta voz: — Bendita é você entre as mulheres, e bendito o fruto do seu ventre! 43E que grande honra é para mim receber a visita da mãe do meu Senhor! 44Pois, logo que me chegou aos ouvidos a voz da saudação que você fez, a criança estremeceu de alegria dentro de mim. 45Bem-aventurada a que creu, porque serão cumpridas as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor.
46Então Maria disse:
“A minha alma engrandece ao Senhor,
47e o meu espírito se alegrou
em Deus, meu Salvador,
48porque ele atentou
para a humildade da sua serva.
Pois, desde agora, todas as gerações
me considerarão bem-aventurada,
49porque o Poderoso me fez grandes coisas.
Santo é o seu nome.
50A sua misericórdia vai
de geração em geração
sobre os que o temem.
51Agiu com o seu braço valorosamente;
dispersou os que, no coração,
alimentavam pensamentos soberbos.
52Derrubou dos seus tronos os poderosos
e exaltou os humildes.
53Encheu de bens os famintos
e despediu vazios os ricos.
54Amparou Israel, seu servo,
a fim de lembrar-se
da sua misericórdia
55a favor de Abraão e de sua descendência, para sempre,
como havia prometido aos nossos pais.”
    P Este é o Evangelho do Senhor.
    C Glórias a ti, ó Cristo.

ORAÇÃO DO DIA
Todo-poderoso Deus, que escolheste a Virgem Maria para ser a mãe de teu único Filho, concede que nós, que somos redimidos pelo sangue dele, tomemos parte com ela na glória de teu reino eterno; através de Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

“Com toda a companhia celeste”: Anjos, Santos e nossos entes queridos falecidos na Mesa do Senhor



“COM TODA A COMPANHIA CELESTE”:
ANJOS, SANTOS E NOSSOS ENTES QUERIDOS FALECIDOS NA MESA DO SENHOR

Por Arthur A. Just
Tradução: Rev. Filipe Schuambach Lopes

No Monte da Transfiguração o céu e a terra se uniram no corpo glorificado de Jesus. Pedro, Tiago e João, três dos discípulos de Jesus, subiram com Ele ao monte para esse encontro com Moisés e Elias, dois seres celestiais. Nessa comunhão entre corpos celestiais e terrenos ao redor do corpo branco e resplandecente de Jesus, vemos uma imagem do que acontece no Culto Divino, ao redor da presença física de Jesus, na liturgia da Palavra e na Ceia do Senhor.

Nesse encontro glorioso Pedro, Tiago e João puderam ouvir a conversa celestial de Moisés e Elias. E qual era essa conversa? Moisés e Elias, vindos do céu, certamente falavam sobre o êxodo que Jesus estava para cumprir em Jerusalém, que é o seu sofrimento, morte, ressurreição e ascensão. Pois esse é o cântico de todo o céu, louvores ao Cordeiro que foi morto e vive outra vez (Apocalipse 5). É isso que nossas liturgias devem sempre proclamar, que o Cristo glorificado e ascendido está presente entre nós com suas feridas para nos oferecer os dons do seu êxodo, que são perdão, vida e salvação.

Quando vamos ao Culto Divino para ouvir a Palavra de Jesus e comer o seu corpo e sangue, estamos entrando na Jerusalém celestial. E assim não estamos sozinhos na comunhão com a presença física de Jesus. Como diz a nossa liturgia, adoramos “com os anjos e arcanjos e com toda a companhia celeste”. Essa “companhia celeste” inclui todos os santos que morreram em Cristo e agora vivem com Ele.

Na Ceia do Senhor nos unimos a um mundo além de nós, recebemos dons do céu na carne de Jesus. Aceitamos o grande mistério de que o céu vem à terra por meio da presença física do nosso Salvador. Muitas vezes pensamos no céu de forma abstrata, como se fosse “lá em cima”. Mas o céu é onde Jesus está, onde a sua Palavra e seus dons são recebidos pela fé. Como Jesus está presente entre nós nos dons da Palavra e do Sacramento, o próprio céu está presente entre nós. Nosso culto é o mundo de “anjos e arcanjos e toda a companhia celeste”. Essas palavras da liturgia vêm de Hebreus 12.22-24:

Pelo contrário, vocês chegaram ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a milhares de anjos. Vocês chegaram à assembleia festiva, a igreja dos primogênitos arrolados nos céus. Vocês chegaram a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e a Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o sangue de Abel.

A chegada ao monte Sião, à presença de Deus, já começou aqui na terra. O monte Sião, a cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, não é um lugar específico em Israel, é onde Cristo está presente, com sua natureza divina e humana. O que os ouvintes do primeiro século pensaram ao ouvir essa passagem? Eles sabiam que “monte Sião” era o lugar onde Cristo fala e age pelo Pai. Esse lugar é a liturgia, onde a Palavra de Cristo traz a purificação dos pecados pela pregação e pela Ceia do Senhor. Ao entrarmos na presença de Deus em Jesus, o céu na terra já começa agora na vida eucarística da Igreja, mesmo que só alcance sua plenitude quando vivermos totalmente a presença de Cristo na festa celestial. Como vemos no Monte da Transfiguração e no monte Sião, a liturgia da Palavra e do Sacramento é o momento em que o céu vem à terra.

Nossa liturgia traz outra referência do Novo Testamento para descrever essa realidade do céu na terra, no hino que cantamos no tempo pascal, “Esta é a Festa”.[1] O conteúdo desse grande hino vem do Apocalipse de João. Esse hino de toda criatura que agora cantamos como povo de Deus é também o cântico das hostes celestiais, dos santos junto ao mar de vidro com harpas de Deus nas mãos, o cântico de Moisés e do Cordeiro, que anunciam vitória sobre a besta (Apocalipse 15.2-5). É também o cântico da multidão nas bodas do Cordeiro (Apocalipse 19.1-10). Nesse hino de vitória o céu e a terra se unem cantando “Honra, graças, glória e poder ao Cordeiro e a Deus para sempre.”. E o céu e a terra também cantam juntos “Amém”. Nossa comunhão com o céu aqui na terra é expressa de forma linda na última estrofe do hino, “o Cordeiro que morreu começou o seu Reino. Aleluia.” O início do reinado do Cordeiro é o contínuo banquete vitorioso da Palavra e do Sacramento que os cristãos celebram desde o primeiro Pentecostes e continuam celebrando até hoje.

Por muitos anos, ao falar sobre a liturgia histórica nas congregações, eu dizia às pessoas sobre “os anjos, arcanjos e toda a companhia celeste”. Era surpreendente ver quantas nunca tinham ouvido o real sentido dessas palavras, como em toda Ceia do Senhor minha esposa e eu lembramos da irmã dela que morreu tragicamente aos 22 anos. Como lembramos daqueles que faleceram recentemente e que conhecemos. Como eles estão conosco em Cristo. Como nossas vozes aqui na terra se unem às deles no céu quando cantamos “Santo, santo, santo é o Senhor Deus dos Exércitos, o céu e a terra estão cheios da tua glória”. Como, na comunhão dos santos, temos essa união misteriosa com Cristo e com todos os santos que morreram e agora vivem em Cristo. Como a luta deles acabou, o sofrimento cessou e, como nós, aguardam a ressurreição do corpo. Como, enquanto esperamos o Senhor voltar, continuamos em comunhão com eles. Como o mesmo Cristo em quem eles habitam também habita conosco no seu corpo e sangue. Como Cristo, cuja presença entre nós traz todo o céu com ele, é o centro da adoração no céu e na terra. Pois o “sangue da aspersão [...] fala melhor do que o sangue de Abel.” (Hb 12.24) porque “digno é o Cristo, Cordeiro e Senhor, cujo sangue libertou o povo de Deus… O Cordeiro que morreu começou o seu Reino. Aleluia.”

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[1] Temos a versão deste hino em português, traduzida pelo pastor Martim Carlos Warth. Não há informação sobre a data em que essa tradução foi feita. Disponibilizo abaixo a partitura e a versão original em inglês, bem como o texto em português.

Texto em português (tradução de Martim Carlos Warth):

Esta é a festa da vitória do nosso Deus.
Aleluia, aleluia, aleluia!

1. Digno é o Cristo, Cordeiro e Senhor;
seu sangue libertou o povo de Deus.
Esta é a festa da vitória do nosso Deus.
Aleluia, aleluia, aleluia!

2. Tem saber, riqueza, poder;
dai honra, graças e glórias a Deus.
Esta é a festa da vitória do nosso Deus.
Aleluia, aleluia, aleluia!

3. Cante todo o povo de Deus
com todo o louvor da criatura:
4. honra, graças, glória e poder
ao Cordeiro e a Deus, para sempre. Amém.

Esta é a festa da vitória do nosso Deus.
Aleluia, aleluia, aleluia!

5. O Cordeiro que morreu
começou o seu Reino. Aleluia!

Esta é a festa da vitória do nosso Deus.
Aleluia, aleluia, aleluia!





quinta-feira, 7 de agosto de 2025

O Pastor e a Batalha Invisível

O Pastor e a Batalha Invisível
Uma reflexão poderosa de fé, coragem e vocação pastoral

Por Rev. Duane Bamsch — tradução autorizada

Dias atrás, lendo o blog Gottesdienst, me deparei com um texto que me impactou profundamente como pastor. O título original é “Encouragement for Brother Pastors”, e seu autor é o Rev. Duane Bamsch, pastor luterano nos Estados Unidos.

Tocado pela profundidade e honestidade com que ele fala sobre a vocação pastoral, entrei em contato diretamente com o autor. Para minha alegria, o Pr. Duane me respondeu com gentileza e autorizou a tradução e a publicação do texto aqui no blog.

Este é um texto fortíssimo. Verdadeiro. Doloroso e, ao mesmo tempo, cheio de consolo. Uma leitura essencial, especialmente para aqueles que desejam entender o que se passa no coração de um pastor fiel, ou para aqueles que também vivem esse ministério, enfrentando suas alegrias e suas cruzes.