quarta-feira, 23 de abril de 2025

Quarta-feira de Páscoa (23 de abril de 2025)

Celebração da Santa Ceia na Igreja Luterana Bom Pastor em Palmar Arriba, República Dominicana - 20/04/2025

Ainda estamos celebrando a Páscoa do Senhor: este tempo de alegria e vitória, no qual a Igreja proclama: Cristo ressuscitou! Aleluia! Dentro dessa grande celebração, hoje comemoramos a Quarta-feira de Páscoa, e a liturgia da Palavra nos conduz a reconhecer a presença viva do Senhor Jesus, que continua alimentando seus discípulos e lhes concedendo vida com Deus.

No Evangelho segundo São João, vemos Jesus aparecendo aos discípulos pela terceira vez depois da ressurreição (João 21.1,14). Ele se manifesta na margem do mar de Tiberíades, onde os discípulos haviam voltado a pescar. Após uma noite inteira sem sucesso (João 21.3), uma simples ordem de Jesus muda tudo: “Lancem a rede do lado direito do barco” (João 21.6). Eles obedecem e a rede se enche de peixes. Diante disso, o discípulo amado diz com convicção: “É o Senhor!” (João 21.7).

Esse reconhecimento não acontece apenas com os olhos, mas com o coração cheio de fé. O mesmo Jesus que havia alimentado multidões no passado (cf. João 6.1-13), agora prepara pão e peixe sobre brasas (João 21.9), e convida: “Venham comer” (João 21.12). É um gesto cheio de amor, cuidado e comunhão. O Ressuscitado se faz presente e serve aos seus, restaurando a confiança e o vínculo com Ele.

Mas essa comunhão com Cristo está sempre unida ao chamado ao arrependimento. Em Atos dos Apóstolos, ouvimos Pedro pregando com clareza e coragem: “Vocês negaram o Santo e o Justo e pediram que fosse solto um assassino. Vocês mataram o Autor da vida, a quem Deus ressuscitou dentre os mortos” (Atos 3.14–15). Mas ele também anuncia com firmeza: “Deus, assim, cumpriu o que tinha anunciado anteriormente pela boca de todos os profetas: que o seu Cristo havia de padecer” (Atos 3.18). E diante dessa graça, ele convida: “Arrependam-se e se convertam, para que sejam cancelados os seus pecados” (Atos 3.19).

A nova vida que recebemos na Páscoa tem um centro: Jesus Cristo. Ele não apenas apareceu no passado, mas continua se manifestando no presente, por meio da sua Palavra e dos seus Sacramentos. Como diz São Paulo aos Colossenses: “Portanto, se vocês foram ressuscitados juntamente com Cristo, busquem as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus” (Colossenses 3.1). E ele continua: “Porque vocês morreram, e a vida de vocês está oculta juntamente com Cristo, em Deus” (Colossenses 3.3).

Essa verdade se reflete também na liturgia da Santa Ceia, quando o pastor convida: “Levantai os vossos corações!” e a assembleia responde: “Levantemo-los ao Senhor!” Essa não é apenas uma expressão simbólica, mas uma realidade espiritual: pela fé, somos elevados à presença de Cristo, onde ele mesmo nos alimenta com seu verdadeiro corpo e sangue. Ele continua se doando a nós — assim como naquela manhã à beira do mar.

Como o apóstolo Paulo escreveu: “Isto é o meu corpo, que é dado por vocês; façam isto em memória de mim. [...] Este cálice é a nova aliança no meu sangue; façam isto, todas as vezes que o beberem, em memória de mim” (1Coríntios 11.24–25). A Ceia do Senhor é comunhão real com o Cristo ressuscitado, que nos perdoa, nos fortalece e nos dá a vida eterna.

O Senhor ressuscitado está presente hoje na sua Igreja. Ele continua chamando ao arrependimento, oferecendo perdão, servindo com sua graça, e fortalecendo com sua vida. Por isso, com fé, colocamos nosso coração em Cristo e buscamos as coisas do alto, onde Ele vive e reina para sempre (Colossenses 3.1–4).

Como afirma o salmo deste dia: “Não morrerei; pelo contrário, viverei e contarei as obras do Senhor” (Salmo 118.17). Cristo vive! E porque Ele vive, também nós vivemos. Aleluia!

ORAÇÃO DO DIA
Todo-poderoso Deus, que pela gloriosa ressurreição de teu Filho Jesus Cristo destruíste a morte e trouxeste à luz a vida e a imortalidade, concede que nós, que ressuscitamos com ele, possamos habitar em sua presença e exultar na esperança da glória eterna; através do mesmo Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

- Clique aqui para acessar os textos do lecionário correspondentes a este dia.

terça-feira, 22 de abril de 2025

O Círio Pascal: a luz do Cristo ressuscitado na Liturgia Luterana

Um dos símbolos mais expressivos da liturgia pascal cristã é o Círio Pascal, a grande vela que representa Cristo, a luz do mundo (Jo 8.12). Ele aparece com destaque na noite da Vigília Pascal, a mais importante celebração do ano cristão, marcando a transição das trevas da morte para a luz da ressurreição. Como a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) não possui uma liturgia própria oficial para a Vigília Pascal — tradição que historicamente não tem sido amplamente observada entre nós —, utilizo aqui como referência a forma litúrgica empregada por nossa igreja-irmã, a Lutheran Church—Missouri Synod (LCMS).

A Vigília Pascal se inicia fora da igreja, após o pôr do sol do Sábado Santo. A congregação se reúne em um ambiente escurecido, e uma chama é preparada previamente. Ao contrário de outras tradições litúrgicas, não se realiza bênção do fogo na liturgia luterana, mas a vela pascal é acesa a partir de uma chama nova, sinal de renovação e vida.

Antes de acender a vela, o pastor grava sobre ela uma cruz e diz: “Cristo Jesus, o mesmo ontem, hoje e eternamente, o princípio e o fim” (cf. Hb 13.8). Em seguida, traça as letras gregas Alfa e Ômega, proferindo: “O Alfa e o Ômega”, e inscreve o ano atual entre os braços da cruz: “Dele são o tempo e a eternidade; dele é a glória e o domínio, agora e para sempre.” Então, insere-se na vela cinco cravos de cera, que podem conter grãos de incenso, simbolizando as cinco chagas de Cristo crucificado. Como resume Lang: “No centro e em cada extremidade da cruz afixam-se cravos de cera para simbolizar as cinco feridas de Cristo” (Lang, Manual da Comissão de Altar, p. 28).

O Círio é então aceso e conduzido em procissão solene para dentro da igreja escurecida. Durante a procissão, o portador proclama por três vezes: “A luz de Cristo!”, e a assembleia responde com fé: “Demos graças a Deus!”. Essas proclamações marcam a entrada progressiva da luz de Cristo ressuscitado na escuridão do mundo. Conforme a tradição, elas ocorrem na entrada, no meio do templo e junto ao altar. Nesse momento, os fiéis acendem suas velas a partir do Círio, formando uma cadeia de luz que simboliza a propagação da fé e da vida em Cristo.

Uma vez colocado em seu suporte diante do altar, canta-se o Precônio Pascal (Exsultet), hino antigo que exalta a vitória de Cristo sobre as trevas. Timothy Maschke descreve o Círio como “uma coluna luminosa que conduz o povo de Deus para o céu”, fazendo eco à coluna de fogo que guiava Israel no deserto (Maschke, Gathered Guests, p. 223). O canto proclama que “a antiga escuridão foi banida para sempre” e pede que “Cristo, a verdadeira luz e estrela da manhã, brilhe em nossos corações”.

É recomendado que o Círio Pascal seja novo a cada ano, como sinal da nova criação que se inicia com a ressurreição de Cristo (LSB Altar Book, p. 529), mas nada impede que se reutilize o Círio Pascal do ano anterior. Nele devem estar presentes os elementos essenciais: a cruz, o ano corrente, as letras Alfa e Ômega e os cinco cravos. Elementos adicionais podem ser usados com moderação, como pequenas decorações litúrgicas, inscrições bíblicas ou ornamentação simbólica, como por exemplo, imagens do cordeiro pascal, videira ou trigo, contanto que não obscureçam a centralidade do símbolo. Contudo, como bem destaca Lang: “Esse símbolo pascal deve expressar sua mensagem por si mesmo” (Lang, op. cit., p. 28). Sua simplicidade e sobriedade comunicam de modo mais direto a verdade da fé: Cristo ressuscitou!

É importante enfatizar que o uso do Círio Pascal não é obrigatório na tradição luterana, mas é uma grande oportunidade catequética e litúrgica para enriquecer a celebração da Páscoa e aprofundar a compreensão da fé cristã por meio de sinais visíveis que proclamam o Evangelho. O Círio Pascal remonta aos primeiros séculos do cristianismo ocidental, como símbolo da luz de Cristo ressuscitado. Segundo Frank Senn, sua prática se desenvolveu principalmente nas igrejas latinas e gálicas, sendo incorporada às celebrações da Páscoa por meio da liturgia da luz, o antigo lucernarium das Vésperas (Senn, Christian Liturgy: Catholic and Evangelical, p. 214).

Durante o Tempo Pascal, que se estende até a festa da Ascensão, o Círio permanece aceso em todas as celebrações. No culto da Ascensão, ao ser lido Marcos 16.19 (“foi recebido no céu e sentou-se à direita de Deus”), o Círio é apagado, marcando a ascensão visível do Senhor, embora sua luz permaneça espiritualmente presente entre os fiéis, por meio da Palavra e dos Sacramentos.

Após esse período, o Círio passa a ocupar lugar junto à pia batismal, sendo usado nas celebrações de Batismo, Confirmação e nos ritos fúnebres (quando realizados no templo). Quando um cristão é batizado, acende-se uma vela a partir do Círio e entrega-se ao batizando com as palavras: “Receba esta luz ardente, sinal de que você recebeu Cristo, luz do mundo. Viva sempre na luz de Cristo.” Esse gesto remonta à tradição da Igreja antiga, como aponta Senn: “O Círio Pascal era já abençoado nas igrejas da África, Espanha, Gália e Itália nos séculos IV e V”, sendo usado nos ritos de iniciação cristã (Senn, op. cit., p. 214).

Nos funerais cristãos, o Círio aceso simboliza que o batizado permanece na luz de Cristo mesmo na morte. O Círio está presente no começo da vida cristã e também no fim, como sinal da promessa cumprida: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá.” (Jo 11.25).

O simbolismo do Círio é amplamente escatológico. Ele aponta para a luz eterna da nova criação, já presente em Cristo ressuscitado, mas ainda aguardando sua plena manifestação na glória futura. Como ensina São Paulo: “Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará.” (Ef 5.14). Toda vez que acendemos uma vela a partir do Círio, somos lembrados de que fomos feitos filhos da luz, chamados a refletir essa luz no mundo, vivendo com sobriedade, fidelidade e esperança.

O Círio Pascal não é apenas uma vela litúrgica; ele é uma pregação visível do Evangelho. Sua luz que brilha na escuridão testemunha a realidade da ressurreição. Ele representa Cristo vivo entre nós, conduzindo seu povo, iluminando o caminho, chamando-nos à fé e à vigilância. A cada ano, ao vê-lo aceso, somos convidados a renovar nossa confiança em Cristo, a fonte da verdadeira luz, e a confessar com a Igreja de todos os tempos: Cristo ressuscitou! Ele realmente ressuscitou! Aleluia!

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes

BIBLIOGRAFIA:
LANG, P. H. D. Manual da Comissão de Altar. IELB: Porto Alegre, 1987.
LCMS – Lutheran Church—Missouri Synod. Lutheran Service Book: Altar Book. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2006.MASCHKE, Timothy H. Gathered Guests: A Guide to Worship in the Lutheran Church. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2003.
SENN, Frank C. Christian Liturgy: Catholic and Evangelical. Minneapolis: Fortress Press, 1997.

O TEMPO DE PÁSCOA: O Período Pascal


O período Pascal inicia com a oração da noite no Sábado de Aleluia e encerra com a oração do meio-dia no Pentecostes. A celebração da Páscoa corresponde à nova vida celebrada na ressurreição de Cristo dos mortos e à nossa ressurreição nele no Batismo. É a festa mais rica do Ano Eclesiástico. As congregações têm a opção de realizar um Culto ao amanhecer, relembrando a surpresa das mulheres ao visitarem o túmulo vazio de Cristo, assim como Cultos que celebram a ressurreição de Jesus Cristo. A alegria da ressurreição continua durante a oitava da Páscoa, quando a alegria da ressurreição de Cristo ecoa por oito dias. Durante esse período de oito dias, os catecúmenos na igreja antiga recebiam a catequese sobre os mistérios do Batismo e da Santa Ceia. Assim como Epifania continua o clímax do Natal, o período da Páscoa mantém viva a celebração pascal, e durante os “grandes cinquenta dias” da Páscoa até Pentecostes - 7x7 = 49 +1 = 50 – onde a igreja vive em seu destino escatológico ao celebrar a ressurreição de Jesus. Sete vezes sete é o número da perfeição, e um dia adicional é a indicação da eternidade. (JUST, 2008, p.217).

A Páscoa é uma celebração de vitória, um momento para todos os cristãos proclamarem corajosamente sua fé no Salvador ressuscitado e vitorioso. Para os primeiros cristãos, a Páscoa não era apenas um dia, era (e é) período que também inclui a celebração da ascensão de Jesus. A celebração da ascensão de Jesus ao céu interrompe esta festa pascal de cinquenta dias, mas isso apenas realça o significado da ressurreição de Cristo. Sua ascensão é o passo final em seu ascenso desde a tumba até o céu, onde eleva nossa natureza humana à sua direita, e nossa humanidade ocupa o trono com ele no céu. A festa da Ascensão era observada pelo menos desde o quarto século, sempre no espírito de alegria, como uma comemoração da conclusão da obra redentora de Cristo. A Igreja Romana utiliza uma cerimônia simbólica: após a leitura do Evangelho, o círio pascal, cuja luz durante os quarenta dias representou a presença do nosso Senhor no meio de seus discípulos, é apagada (REED, 1947, p.514)

A cor para a Páscoa é branca, simbolizando perfeição, celebração e alegria. A cor alternativa para a Páscoa é o dourado, a cor da riqueza e da glória. Se houver paramentos dourados disponíveis, eles devem ser usados apenas no Domingo de Páscoa. A cor branca continua ao longo do período pascal, incluindo a Festa da Ascensão, até a Véspera de Pentecostes, quando os paramentos são trocados para vermelho.

Terça-feira de Páscoa (22 de abril de 2025)


Hoje celebramos a terça-feira da Páscoa e nos alegramos porque o Cristo ressuscitado vive e reina, e sua vitória nos alcança aqui e agora.

O Salmo 118, que serve como intróito para este dia, nos dá o tom: “Não morrerei; pelo contrário, viverei e contarei as obras do Senhor.” (Sl 118.17). A fé do salmista é a mesma fé dos três jovens da Babilônia, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Diante da fornalha ardente e da ameaça de morte, preferiram entregar seus corpos à morte do que trair ao Deus vivo (Dn 3.28). E o Senhor, em sua fidelidade, não os abandonou: “Estou vendo quatro homens soltos, andando no meio do fogo! Não sofreram nenhum dano! E o aspecto do quarto é semelhante a um filho dos deuses” (Dn 3.25). Uma bela figura do Senhor Jesus, que caminha com os seus até mesmo nas fornalhas da aflição.

Esses jovens são exemplos de fé firme diante da perseguição e da idolatria, e apontam para aquele que também confiou plenamente no Pai, entregou seu corpo à morte e foi ressuscitado gloriosamente ao terceiro dia. Como ensina o apóstolo Pedro, tudo isso aconteceu para que em seu nome se pregasse o arrependimento para remissão de pecados (Lc 24.47).

A mensagem pascal de hoje continua ecoando: “Deus o ressuscitou dentre os mortos” (At 13.30) e, por isso, “nós anunciamos a vocês o evangelho da promessa feita aos nossos pais” (At 13.32). Essa promessa foi cumprida plenamente em Jesus. Ele é o Filho gerado pelo Pai (Sl 2.7), coroado de glória e honra (Sl 8.6), e nos dá refúgio seguro na sua vitória.

O Evangelho segundo Lucas relata que, após a ressurreição, Jesus apareceu no meio dos discípulos e declarou: “Que a paz esteja com vocês!” (Lc 24.36). Mesmo assustados, cheios de dúvida, os discípulos recebem de Jesus o testemunho vivo da vitória sobre a morte. Ele mostra suas mãos e seus pés, come diante deles e os instrui nas Escrituras, dizendo: “Era necessário que se cumprisse tudo o que está escrito a respeito de mim” (Lc 24.44).

Hoje, esse mesmo Senhor continua a aparecer no meio de sua Igreja. Ele continua enviando seus ministros, como os apóstolos, com “a palavra desta salvação” (At 13.26). Eles são “as mãos e os pés” de Cristo no mundo, portadores do Evangelho, revestidos com o Espírito da promessa, proclamando a remissão dos pecados e concedendo a paz do Senhor, pela Palavra e pelos Santos Sacramentos.

Portanto, continuemos celebrando com fé e alegria este tempo pascal. O Cristo ressuscitado está conosco. Ele nos livra das fornalhas e nos dá vida, e vida eterna. Não morremos, mas vivemos, e por isso contaremos as obras do Senhor!

segunda-feira, 21 de abril de 2025

A Oitava da Páscoa – Oito dias de alegria na Ressurreição


Você sabia que a festa da Páscoa não se limita apenas ao Domingo da Ressurreição? Pois é! Ela continua durante toda esta semana, enquanto celebramos a Oitava da Páscoa, oito dias vividos como um único e grande Domingo, em honra à vitória do nosso Senhor sobre o pecado, a morte e o inferno. Cada dia da Oitava é celebrado com a mesma alegria e reverência do Domingo de Páscoa, pois a ressurreição de Jesus é o evento extraordinário que transformou a história humana para sempre.

A Igreja antiga compreendia isso tão profundamente que os recém-batizados, os neófitos, vestiam-se de branco durante toda a Oitava, participando das celebrações diárias e ouvindo as chamadas homilias mistagógicas, sermões especiais em que os bispos explicavam os significados espirituais e sacramentais do Batismo, da Eucaristia e da nova vida em Cristo. “Durante a Octava da Páscoa, os recém-batizados iam à igreja todos os dias, vestindo suas novas vestes brancas e ficando juntos num lugar especial” (Frank C. Senn, Christian Liturgy). Era um tempo de profunda instrução e comunhão, e até mesmo perguntas podiam ser feitas aos bispos durante as homilias, algo raro e precioso no contexto litúrgico da época.

O Segundo Domingo de Páscoa, também chamado de Domingo in Albis, marca o encerramento solene da Oitava. Era neste dia que os neófitos retiravam suas vestes brancas e se misturavam à comunidade dos fiéis. Santo Agostinho, numa de suas homilias, advertia-os com seriedade: agora que entraram na Igreja visível, é preciso escolher entre “estar entre as ovelhas ou entre os bodes”, pois no rebanho visível há de tudo: “ovelhas, bodes e lobos”. Este dia também é conhecido por alguns como Pascoela, isto é, pequena Páscoa, para enfatizar que toda a Oitava continua sendo um eco glorioso do Domingo da Ressurreição.

Infelizmente, o mundo já esqueceu a sua “páscoa”. O mercado, e todos os que o idolatram, já trocaram os ovos e coelhos por liquidações e novas campanhas de consumo. Mas a Páscoa de Jesus continua viva na cristandade! A Igreja permanece firme na celebração do Cristo ressuscitado, pois sabe que a ressurreição não é uma data no calendário, mas uma nova realidade inaugurada pelo próprio Filho de Deus. “Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem” (1Co 15.20).

Nos países outrora majoritariamente luteranos, como a Alemanha e os países nórdicos, segunda e terça-feira de Páscoa eram feriados, permitindo que o povo vivesse a Oitava com a devida dignidade, sem pressa e com profundo senso de santidade.

A celebração pascal, no entanto, não se limita à Oitava. Temos ainda cinquenta dias no calendário da Igreja que conduzem até o Pentecostes, todos marcados pela alegria pascal. Nesse tempo, os paramentos brancos permanecem nos altares, o Aleluia é entoado com entusiasmo, e a proclamação do Evangelho ressoa com força e esperança. Toda a liturgia grita: Cristo ressuscitou! Aleluia!

Essa prática encontra raízes antigas. Antes mesmo de a Páscoa ser celebrada anualmente, como foi regulamentado no Concílio de Niceia, em 325, ao definir que a Páscoa deveria ser no primeiro domingo após a primeira lua cheia da primavera, os cristãos já celebravam a ressurreição de Cristo todos os domingos. O domingo cristão nasceu da vitória de Cristo sobre a morte. Cada celebração dominical é uma pequena Páscoa.

Mas a mensagem vai além da liturgia. A Páscoa se estende para o nosso cotidiano. A ressurreição de Jesus é um evento contínuo em nossa vida de fé. Como diz o evangelista João: “Estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenham vida em seu nome” (Jo 20.31). Ou seja, a vitória de Cristo sobre a morte é também a nossa vitória, e não apenas um fato do passado, é nossa herança viva e presente.

Leituras para a Segunda-feira de Páscoa (Conforme Lecionário da IELB)
INTRÓITO: Salmo 78.13-15,24-25; antífona Salmo 78.4
PRIMEIRA LEITURA: Êxodo 15.1-18 ou Daniel 12.1c-3
SALMODIA: Salmo 100 (antífona vers. 5)
GRADUAL: Adapt. de Mateus 28.7; Hebreus 2.7; Salmo 8.6
SEGUNDA LEITURA: Atos 10.34-43 ou 1Coríntios 5.6b-8
VERSO: 2Timóteo 1.10b
SANTO EVANGELHO: Lucas 24.13-35 (36-49)
ORAÇÃO DO DIA: Ó Deus, que na festa da Páscoa restauraste toda a criação, continua a enviar teus dons celestiais sobre o teu povo para que possamos caminhar em perfeita liberdade e receber vida eterna; através de Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

domingo, 20 de abril de 2025

Devoção para o Domingo da Ressurreição - 20/04/2025


DOMINGO DE PÁSCOA
“Ele não está aqui — a vitória é sua!”

“Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que vive? 
Ele não está aqui, mas ressuscitou.” (Lucas 24.5-6)

Cristo ressuscitou!
Ele realmente ressuscitou! Aleluia!

Hoje é o dia mais alegre da fé cristã. O túmulo está vazio. A pedra foi removida. Cristo vive. E, com ele, também a nossa esperança. O anúncio dos anjos às mulheres naquela manhã ainda ecoa em nossos ouvidos: “Ele não está aqui. Ressuscitou!”

A Páscoa não é apenas a lembrança de um milagre passado — é o anúncio presente de uma nova realidade. A ressurreição de Jesus mudou tudo. Ela não apenas deu fim ao sábado de silêncio, mas inaugurou o primeiro dia de um novo tempo. Um novo céu. Uma nova terra. Uma nova criação. A ressurreição de Jesus é o começo de tudo o que é verdadeiramente novo (Isaías 65.17).

As mulheres foram ao túmulo com tristeza, embora já soubessem o que Jesus havia dito. Ele falou abertamente sobre sua morte e sua ressurreição. Mas ainda assim, elas carregaram perfumes. Esperavam um corpo. Não creram na promessa. E ali, no jardim do túmulo, ouviram dos anjos uma pergunta que ecoa até hoje: “Por que vocês procuram entre os mortos aquele que vive?”

Essa pergunta também é para mim. E para você. Por que tantas vezes vivemos como se Jesus ainda estivesse no túmulo? Por que tememos como se a morte ainda tivesse a última palavra? Por que nos entristecemos como se o pecado ainda nos condenasse?

A verdade é essa: Ele vive. Ele está conosco. Ele reina. O túmulo está vazio, e nós estamos cheios de vida, cheios de esperança. Porque a ressurreição de Jesus é nossa ressurreição. Como São Paulo escreveu: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé.” (1Co 15.17). Mas ele ressuscitou! E por isso nossa fé é viva.

E por isso também nos reunimos hoje à sua mesa. A Ceia do Senhor, que foi instituída na noite da traição, agora é celebrada com a alegria da vitória. Hoje, o Cordeiro que foi morto se levanta para nos servir. O mesmo Corpo que foi cravado na cruz, agora nos é dado ressuscitado. O mesmo Sangue que foi derramado para nos perdoar, agora nos é oferecido como vinho de vida.

Na Ceia, Cristo nos toca com a sua ressurreição. Na Ceia, ele nos convida a viver da vitória. E é por isso que, mesmo vivendo em um mundo ainda marcado pela dor, nós celebramos. Porque a ressurreição já começou. A nova criação já chegou. E um dia, essa vitória será visível aos olhos de todos.

Hoje é Páscoa. O Cristo ressuscitou. Ele não está mais no túmulo. Ele está com você. Ele vai adiante de você. Ele te chama pelo nome. E te dá, hoje e sempre, o dom da vida eterna.

Oremos: Senhor Jesus, hoje é o dia da tua vitória. A pedra foi removida. A morte perdeu. O túmulo está vazio. Tu ressuscitaste — e por isso eu tenho vida. Louvado sejas por tua fidelidade, por tua promessa cumprida, por teu amor sem fim.
    Perdoa-me por tantas vezes viver como se tu ainda estivesses morto. Renova hoje em mim a fé na tua ressurreição. Abre os meus olhos para reconhecer que tu estás comigo — não só no céu, mas também na tua Palavra, no Batismo, e na Santa Ceia.
    Alimenta-me com tua presença viva. Enche-me da alegria pascal. Dá-me força para viver como alguém que já pertence à nova criação, e coragem para testemunhar que tu vives — e porque tu vives, eu também viverei. Amém.

Leituras designadas para a Festa da Ressurreição de Nosso Senhor:
📖Primeira Leitura: Isaías 65.17-25
🎶Salmodia: Salmo 16
📖Segunda Leitura: 1Coríntios 15.19-26
✝️ Santo Evngelho: São Lucas 24.1–12

sábado, 19 de abril de 2025

Devoção para o Sábado Santo - 19/04/2025


SÁBADO SANTO
“Quando Deus está em silêncio, ele ainda está agindo”

“E, no sábado, descansaram, segundo o mandamento.” (Lucas 23.56)

O Sábado Santo é, por excelência, o dia do silêncio. Jesus está morto. Seu corpo repousa no túmulo. As vozes que antes proclamavam Hosana agora se calaram. A terra, que tremeu na sexta-feira, parece agora quieta. Mas o que esse silêncio significa?

Muitos de nós temos dificuldades com os momentos silenciosos de Deus. Quando ele não responde como esperamos, quando as orações parecem não passar do teto, quando o mundo continua sofrendo... parece que ele está ausente. Mas o Sábado Santo nos ensina algo profundo: Deus pode estar em silêncio, mas nunca está inativo.

Na verdade, é justamente no silêncio do túmulo que a promessa da ressurreição se prepara. É na escuridão da terra que a semente morre para, no tempo certo, brotar em vida. Como Daniel na cova dos leões, Jesus também desce ao mais profundo — não como um condenado culpado, mas como o justo que entrega a vida e a tomará de volta.

Enquanto o corpo de Jesus repousa, o céu não está em pausa. A redenção está em andamento. Os inimigos tentam impedir a ressurreição com pedras, selos e soldados — mas nenhum esforço humano pode conter o plano divino. Jesus havia dito que voltaria, e voltará. Os discípulos, ainda sem entender, “no sábado, descansaram, segundo o mandamento.” (Lc 23.56). Descansaram, confiando na Palavra, mesmo sem ver.

Também nós, em nossos próprios “sábados santos”, somos chamados a confiar. Nos dias escuros, quando tudo parece perdido, quando Deus se cala — ali, mesmo ali, Ele está operando. O silêncio de Deus nunca é o fim. É apenas o intervalo antes da glória.

Oremos: Senhor, ensina-me a confiar em ti mesmo quando tudo parece quieto e parado. Ajuda-me a lembrar que teu silêncio não é abandono, mas preparação. Dá-me paz no tempo de espera e esperança na promessa da ressurreição. Em nome de Jesus. Amém.

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes
Devoção elaborada para o Departamento de Comunicação da IELB,
com vistas à produção de cards para redes sociais (Instagram).

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Devoção para a Sexta-feira Santa - 18/04/2025


SEXTA-FEIRA DA SEMANA SANTA
“Abandono!”

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (São Mateus 27.46)

Na Sexta-feira Santa, contemplamos o mais profundo abismo de dor e amor que a humanidade já conheceu. Jesus, o Filho eterno de Deus, está suspenso entre o céu e a terra. Aquele que é o Verbo da vida se cala diante de seus acusadores. Aquele que tem todo poder se entrega, voluntariamente, ao sofrimento. Aquele que é o Santo e Justo é contado entre os transgressores (Is 53.12).

Na cruz, o Filho clama: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Sl 22.1). Não é apenas dor física. É o peso do pecado do mundo sobre seus ombros. É a separação, o juízo, a ira que nossos pecados mereciam. Ele bebeu o cálice da justiça divina até a última gota. E fez isso por mim e por você.

O profeta Isaías descreve esse Servo Sofredor com precisão comovente: “Ele foi traspassado por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniquidades” (Is 53.5). Aquilo que nós nunca poderíamos pagar, ele pagou. Aquilo que nos traria condenação, Ele levou. E por suas pisaduras fomos sarados.

O sofrimento de Jesus não foi acidente da história, mas cumprimento do plano eterno de salvação. Ele foi obediente até a morte, e morte de cruz (Fp 2.8). No momento mais escuro, ele permaneceu fiel. Ele não desceu da cruz porque Seu amor por nós O manteve lá.

E então, com um último suspiro, ele declara: “Está consumado!” (Jo 19.30). Não há mais dívida. Não há mais separação. O véu do templo se rasgou. O acesso ao Pai está aberto. O abandono que ele sofreu nos garante que jamais seremos abandonados.

Na cruz, Jesus levou o nosso abandono para nos dar reconciliação. Ele sofreu para que fôssemos sarados. Ele morreu... para que vivêssemos.

Oremos: Senhor Jesus, Salvador amado, obrigado por não teres desistido, mesmo quando foste abandonado. Tu levaste nossas dores, carregaste nossas culpas e morreste em nosso lugar. Ensina-nos a viver com gratidão diante de tão grande amor. Que a tua cruz nos lembre sempre do teu perdão, e que tua ressurreição nos encha de esperança. Amém.

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes
Devoção elaborada para o Departamento de Comunicação da IELB,
com vistas à produção de cards para redes sociais (Instagram).

quinta-feira, 17 de abril de 2025

A Quinta-feira Santa


A QUINTA-FEIRA SANTA

A Quinta-feira Santa marca um momento de profunda reverência e significado dentro do ciclo litúrgico da Igreja. Celebrada na véspera da morte de nosso Senhor Jesus Cristo, ela é a porta de entrada para o Tríduo Pascal — os “três dias santos” — que culminam na glória da ressurreição na manhã de Páscoa. Esta celebração não é apenas uma recordação histórica dos últimos eventos antes da crucificação de Jesus; ela é uma vivência litúrgica e sacramental da Paixão, onde o Corpo de Cristo — a Igreja — caminha junto com o Senhor desde a Ceia até a cruz e o túmulo.

Este dia sempre teve grande importância na história da Igreja, principalmente porque comemora a Instituição da Ceia do Senhor. Esse fato lhe conferiu diversos nomes ao longo dos séculos, como Coena Domini (“Dia da Ceia”), Dies Natalis Calicis (“Nascimento do Cálice”) e Dies Mysteriorum (“Dia dos Mistérios”).

O nome pelo qual é mais conhecido — “Quinta-feira Santa”, ou em latim Dies Mandati (“Dia do Mandamento”) — tem referência especial às exortações de Cristo à humildade e ao amor, conforme relatado na narrativa do lava-pés no Evangelho de João (cf. Jo 13.1–17, 34). Contudo, não se deve esquecer também do mandamento da própria Instituição do Sacramento, quando o Senhor diz: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22.19; 1Co 11.24). A Quinta-feira Santa, portanto, é ao mesmo tempo a celebração da comunhão no amor e da comunhão no Corpo e Sangue de Cristo.

Na tradição alemã, o dia também é chamado de Gründonnerstag (“Quinta-feira Verde”). Esse nome remonta à prática da reconciliação dos penitentes na Igreja antiga, que ocorria especialmente nesse dia. Lembrando Lucas 23.31, os pecadores — representados como galhos secos — eram trazidos de volta à comunhão da Igreja, tornando-se ramos verdes, vivos e restaurados. Era o dia do retorno à mesa do Senhor, da renovação da fé, da restauração da graça.

Neste dia, a Igreja se reúne em espírito de solenidade, e a liturgia é revestida com paramentos brancos, a cor da luz, da glória e da presença divina, em contraste com o luto que se aproxima. A cor branca remete ao dom sagrado que o Senhor confiou à sua Igreja neste dia: a instituição da Santa Ceia, na qual o próprio Cristo se entrega a nós com seu verdadeiro Corpo e Sangue, para o perdão dos pecados.

O Sacramento do Altar deve ser o ponto central do culto luterano na Quinta-feira Santa. Não é apenas uma memória simbólica, mas uma comunhão viva e real com o Senhor crucificado e ressuscitado. Como ensina a Confissão de Augsburgo, “o verdadeiro corpo e sangue de Cristo estão verdadeiramente presentes sob a forma do pão e do vinho, e são distribuídos e recebidos” (Confissão de Augsburgo, Art. X​).

A pregação deve destacar não apenas a importância do evento da Instituição da Ceia, mas também as bênçãos contínuas que recebemos ao participar do corpo e sangue de nosso Senhor, no, com e sob o pão e o vinho. O culto deve deixar claro que a Ceia não é apenas uma refeição memorial — ideia bastante comum em outras denominações protestantes —, mas sim algo muito mais profundo: nosso Senhor realmente vem até nós e nos concede o perdão dos pecados. Esse é o coração do culto luterano: a certeza de que Cristo se entrega por nós ali, presente na sua Palavra e Sacramento.

Pode-se enfatizar também que a Ceia é o testamento final de Cristo, e não um contrato entre partes iguais — essa verdade pode e deve ser expressa na liturgia, seja na homilia (mensagem), seja nas orações. Algumas congregações luteranas têm, inclusive, apresentado aos membros as semelhanças entre a Ceia Judaica e a Última Ceia de Jesus. Embora essas conexões possam enriquecer o entendimento histórico, a Quinta-feira Santa não é o momento mais apropriado para esse tipo de ensino catequético. Essa instrução é melhor reservada para um domingo à noite durante a Quaresma ou outro dia da Semana Santa.

Além do Sacramento, o gesto de Jesus ao lavar os pés dos discípulos também é lembrado nesse dia. Por isso, além da Ceia do Senhor, o serviço humilde também pode ser um tema do culto da Quinta-feira Santa — especialmente aquele exercido no ministério cristão dentro da comunidade. Em muitas igrejas, o pastor lava simbolicamente os pés de alguém como parte da liturgia. Contudo, o culto também pode enfatizar que o ministério pastoral é um serviço dirigido a todos e em favor de todos. Uma sugestão pastoral edificante seria convidar um representante do sínodo ou do distrito para pregar neste culto, reforçando a importância do ofício pastoral na vida da congregação.

Algumas liturgias luteranas recomendam a omissão da Bênção final neste culto, uma vez que ele é compreendido como a primeira parte de um único serviço/culto contínuo que se estende até a Sexta-feira Santa e a Vigília Pascal. Caso essa prática seja adotada, é fundamental que seja bem explicada à congregação, para que todos compreendam que os “três dias” do Tríduo formam um único culto contínuo, e que sua meditação, mesmo em casa, acompanhe esse espírito de unidade litúrgica e teológica.

O DESGUARNECIMENTO DO ALTAR: ORIGEM, SIGNIFICADO E ORDEM
Um dos momentos mais comoventes da Quinta-feira Santa é o desguarnecimento do altar, também chamado de despojamento. Este rito não apenas encerra a liturgia da Ceia do Senhor, mas introduz a
Igreja no mistério da humilhação de Cristo. O altar — centro da presença sacramental e da comunhão — é despido e deixado nu, como Cristo foi despojado e entregue aos seus algozes.

A origem deste rito remonta à Igreja antiga. Conforme registra Frank Senn, em sua análise da tradição litúrgica ocidental, já no século VII encontramos instruções específicas para o despojar e lavar do altar na obra de Isidoro de Sevilha, De ecclesiasticis officiis 1.29. Essa prática foi institucionalizada pelo XVII Concílio de Toledo (ano 694), que além de ordenar o rito do lava-pés (Mandatum), também menciona a purificação e desnudamento do altar como parte do culto da Quinta-feira da Paixão. A partir da Idade Média, esse gesto se expandiu por diversos missais e tradições locais, até se consolidar na prática litúrgica da Igreja.

Mas o rito não é apenas tradicional. Ele é profundamente simbólico. Como ensina Lang:
“Tradicionalmente o altar é desguarnecido e lavado depois do culto de santa ceia na quinta-feira de paixão. O serviço é feito nessa ocasião, não só pela razão prática de que o altar necessita uma limpeza em regra pelo menos uma vez ao ano, mas também por um motivo simbólico. Depois da sua profunda humilhação por nós, [Cristo] nos deve induzir à humildade, como está escrito: ‘Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus. Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens. [...] a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai’ (Fp 2.5-11). O altar pode então permanecer sem cobertas até a véspera de Páscoa (das 18 horas de quinta-feira até as 18 horas de sábado). Mas se for um altar decorado com entalhes e cores, deve ser recoberto com paramentos pretos.”
Esse gesto visível de despojar o altar comunica poderosamente à congregação a solidão de Cristo, seu abandono, sua entrega total. Timothy Maschke complementa que “o despojamento do altar é simbólico da humilhação de Jesus nas mãos daqueles que o crucificaram”.

A ordem do desguarnecimento do altar pode seguir a seguinte sequência reverente e simbólica, conforme a tradição luterana e a prática pastoral recomendada:
  • As velas são apagadas, marcando o início do silêncio sagrado. Este gesto simboliza a retirada progressiva da luz de Cristo do mundo, à medida que Ele se entrega à escuridão da traição, do abandono e da cruz. Cristo é a “Luz do mundo” (João 8.12), e o apagar das velas sinaliza o avanço das trevas da Sexta-feira da Paixão. O altar, iluminado durante a Ceia, agora mergulha na penumbra do Getsêmani.
  • Retiram-se os pratos de oferta, representando a finalização da participação comunitária no ofertório e o esvaziamento das mãos e do coração diante de Deus.
  • Removem-se os materiais da Ceia, isto é, os vasos sagrados utilizados na distribuição do corpo e sangue de Cristo.
  • A Bíblia e seu suporte (missal ou lecionário) são levados em silêncio, indicando a suspensão da proclamação pública da Palavra e remetendo à noite em que “nada respondeu” (Mc 15.5).
  • A cruz do altar ou crucifixo: se for uma cruz vazia, ela pode ser retirada com os demais elementos, simbolizando o abandono e o silêncio da Sexta-feira. Se for um crucifixo (com a figura de Cristo), pode permanecer, como representação visual do Cristo crucificado, aquele que permanece conosco mesmo na morte, e que não será removido da cruz antes do tempo determinado pelo Pai.
  • As toalhas e os paramentos do altar são cuidadosamente dobrados e levados, desnudando o altar como símbolo da humilhação e do despojamento de Cristo por nós.
  • Por fim, coloca-se sobre o altar um paramento (toalha) preto, sinal de luto, solidão e expectativa silenciosa pela ressurreição.
Durante esse momento, há duas opções devocionais recomendadas. Tradicionalmente, o Salmo 22 (“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”) é lido ou cantado em voz baixa, acompanhando cada retirada com silêncio reflexivo. Porém, recomenda-se também que se cante o Hino 93 do Hinário Luterano, que guia a assembleia em oração profunda e confissão de fé no Cordeiro de Deus.

Os auxiliares para esse momento devem ser escolhidos e informados dias antes pelo pastor, para que se preparem espiritual e liturgicamente. Durante o rito, todos os que auxiliam devem permanecer aos pés do altar, onde o pastor entregará, um a um, os elementos e objetos litúrgicos, conforme a ordem acima. No momento de colocar os paramentos pretos, o pastor pode convidar um auxiliar para acompanhá-lo, como expressão de luto partilhado pela comunidade.

Somente após a colocação final da toalha preta, o pastor e os auxiliares saem juntos do altar, seguidos pela assembleia, em completo silêncio, sem bênção final. A congregação, então, é conduzida ao recolhimento, ciente de que o culto não foi encerrado, mas que segue na Sexta-feira da Paixão e Sábado de Aleluia, até culminar na Vigília Pascal. Este silêncio final não é vazio, mas cheio de expectativa — é o espaço onde a fé contempla o mistério do abandono, da morte e da vitória prometida.

CONCLUSÃO
A Quinta-feira Santa nos conduz, com reverência e sobriedade, ao coração da fé cristã: o mistério do Corpo entregue e do Sangue derramado por nós. O altar despido é símbolo do Cristo esvaziado, humilhado, crucificado. A Igreja, em silêncio, contempla esse mistério, enquanto aguarda com esperança a madrugada da ressurreição.

Como nos exorta o apóstolo: “vocês anunciam a morte do Senhor, até que ele venha.” (1Co 11.26). E essa proclamação começa aqui — na mesa, no serviço, no altar despido, e no silêncio que prepara o aleluia.

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIVRO DE CONCÓRDIA: Confissões da Igreja Evangélica Luterana. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2021.
JUST JR., Arthur A. Heaven on Earth: The Gifts of Christ in the Divine Service. St. Louis: Concordia Publishing House, 2008.
LANGE, Paul H. D. Manual da Comissão de Altar. 1987.
LUTHERAN CHURCH—MISSOURI SYNOD. Lutheran Service Book: Altar Book. St. Louis: Concordia Publishing House, 2006.
MASCHKE, Timothy H. Gathered Guests: A Guide to Worship in the Lutheran Church. St. Louis: Concordia Publishing House, 2003.
REED, Luther D. The Lutheran Liturgy: A Study of the Common Service of the Lutheran Church in America. Philadelphia: Muhlenberg Press, 1947.
SENN, Frank C. Christian Liturgy: Catholic and Evangelical. Minneapolis: Fortress Press, 1997.
STRODACH, Paul Zeller. A Manual on Worship. Revised ed. Philadelphia: Muhlenberg Press, [s.d.].

Devoção para a Quinta-feira Santa - 17/04/2025


QUINTA-FEIRA DA SEMANA SANTA
“Você lavaria os pés de alguém?”

“Ora, se eu, sendo Senhor e Mestre, lavei os pés de vocês,
também vocês devem lavar os pés uns dos outros.” (João 13.14)

Na noite em que foi traído, o Senhor Jesus não apenas anunciou o que estava por vir, mas viveu plenamente aquilo que ensinava. Ele tomou uma bacia com água, um pano, e ajoelhou-se diante de seus discípulos para lavar-lhes os pés. O gesto, por si só, já era radical: o Senhor se fazendo servo. O Mestre, humilhando-se para servir seus próprios alunos. Mas o que torna esse ato ainda mais impactante é que entre aqueles cujos pés foram lavados estavam Judas, que o trairia, e Pedro, que o negaria. Jesus sabia. E mesmo assim, os serviu.

Lavar os pés de alguém era tarefa de escravos. Era um serviço de quem não tinha valor. E, no entanto, foi essa tarefa que Cristo assumiu com total entrega. Ele nos ensina que a verdadeira grandeza se encontra na humildade, e que o caminho da glória passa pela renúncia. Não basta apenas conhecer doutrina ou ter a postura certa; Jesus nos chama a viver de maneira prática, com amor concreto, que se expressa em servir, perdoar, suportar e entregar-se.

Além de lavar os pés, naquela mesma noite Jesus instituiu a Ceia. Ele tomou o pão, deu graças, partiu e disse: “Isto é o meu corpo, que é dado por vocês”. Depois tomou o cálice e disse: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado por vocês” (Lucas 22.19-20). Jesus não apenas falou de sacrifício, Ele entregou-se. E, nesse gesto, deu à sua Igreja um dom que carrega o seu próprio Evangelho: o perdão dos pecados, o consolo da alma, a comunhão com Deus.

A Ceia não é apenas um memorial vazio, mas um encontro real com o Cristo vivo que se entrega a nós sob pão e vinho. Por isso, como disse o apóstolo Paulo, “aquele que come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si” (1Coríntios 11.29). Devemos nos aproximar da mesa do Senhor com reverência, com fé, com exame sincero de nós mesmos. Pois ali recebemos o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.

Na Quinta-feira Santa somos chamados a olhar para o Cristo que se ajoelha, que serve, que reparte, que entrega. E também a seguir seus passos: lavar os pés, servir os irmãos, entregar nossa vida, viver em comunhão.

Oremos: Senhor Jesus, tu nos deste o exemplo supremo de humildade e amor. Ensina-nos a viver como servos, a perdoar como tu perdoaste, a amar como tu amaste. Alimenta-nos com teu corpo e sangue, fortalece nossa fé e renova em nós o compromisso de viver segundo tua vontade. Que tua Igreja seja sinal visível do teu amor no mundo. Por teu nome, oramos. Amém.

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes
Devoção elaborada para o Departamento de Comunicação da IELB,
com vistas à produção de cards para redes sociais (Instagram).

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Devoção para a Quarta-feira Santa - 16/04/2025


QUARTA-FEIRA DA SEMANA SANTA
“Você se venderia por 30 moedas?”

“Quanto me darão para que eu o entregue a vocês?” (S. Mateus 26.15)
Leia em sua bíblia: Mateus 26.14-19

Na Quarta-feira da Semana Santa, o tom da narrativa se aprofunda. O ambiente é tenso, os passos mais pesados. A sombra da cruz se aproxima, e o drama da salvação começa a revelar seus contornos mais sombrios. No centro desse cenário está uma das cenas mais chocantes do Evangelho: um dos doze decide vender o Mestre.

Judas Iscariotes se aproxima dos líderes religiosos e pergunta: “Quanto me darão para que eu o entregue a vocês?” (Mateus 26.15) E eles oferecem trinta moedas de prata — valor comum de um escravo. Assim, o Filho de Deus é vendido, trocado, negociado por um punhado de metal.

E antes que apontemos o dedo para Judas, precisamos encarar a pergunta que essa traição levanta para cada um de nós: quanto vale Jesus para mim? Com que facilidade também trocamos o Senhor por conforto, conveniência, aceitação ou poder? Quantas vezes nos calamos sobre nossa fé para “não incomodar”, ou negligenciamos a Palavra por causa de uma rotina agitada, ou preferimos o pecado que nos distrai à cruz que nos chama?

O Salmo 56, intróito para este dia, é a oração de um coração que sofre traição e opressão, mas confia: “Neste Deus ponho a minha confiança e nada temerei. Que me pode fazer um simples ser humano?” (v. 4). Jesus também confiou. Mesmo traído, ele seguiu firme. Ele sabia o que o aguardava — e foi. Foi ao Getsêmani, foi à prisão, foi à cruz. Por você.

Mas há algo ainda mais profundo nesta quarta-feira: apesar da traição, o plano de salvação continua em curso. O cordeiro da Páscoa seria imolado, o cálice da nova aliança seria compartilhado, e a cruz — aquela cruz cruel — seria o trono onde o Rei da graça nos redimiria.

Eis a beleza do Evangelho: Judas vendeu. Pedro negou. Os discípulos fugiram. Mas Cristo permaneceu. Permaneceu amando. Permaneceu entregando-se. E, mesmo cercado de infidelidade, Ele foi fiel até o fim.

Hoje é dia de reflexão profunda. Dia de olhar para dentro, sim e com arrependimento.

Mas acima de tudo, dia de olhar para Cristo, com fé. Porque se há um traidor no texto, há também um Redentor. E Ele não nos vende. Ele nos compra. Com sangue. Com amor. Com graça eterna.

Oremos: Senhor Jesus, foste traído por um amigo, vendido por moedas e levado à cruz. Quantas vezes eu também te troco por coisas passageiras... Perdoa-me, Senhor. Guarda meu coração da falsidade, da fraqueza e do medo. Ensina-me a confiar em ti, mesmo nas trevas. Tu me compraste com teu sangue. Faz-me viver para ti, com fé e gratidão. Em teu nome eu oro. Amém.

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes
Devoção elaborada para o Departamento de Comunicação da IELB,
com vistas à produção de cards para redes sociais (Instagram).

terça-feira, 15 de abril de 2025

Devoção para a Terça-feira Santa - 15/04/2025


TERÇA-FEIRA DA SEMANA SANTA
“Jesus não era ‘Good Vibes’”

“Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas!” (S. Mateus 23.27)
Leia em sua bíblia: Mateus 23

Em nome de + Jesus. Amém.

A figura de Jesus costuma ser suavizada na imaginação popular. Muitos o reduzem a um guru da paz, um mestre de boas energias, um pregador de frases bonitas para serem postadas em redes sociais. Mas esse Jesus não é o Cristo dos Evangelhos.

Durante a Semana Santa, acompanhamos o verdadeiro Jesus caminhando com firmeza para a cruz. E, no trajeto, ele não distribui “vibes” — ele proclama a verdade. Ele não faz média com os poderosos — ele os denuncia. Ele não se esconde atrás de discursos suaves — Ele enfrenta a mentira com autoridade divina.

Foi justamente por isso que Jesus foi rejeitado: ele não se curvou à religião aparente, à hipocrisia institucionalizada, à fachada dos que se achavam justos. Pelo contrário, Ele declarou abertamente: “Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas!” (Mt 23.27). Jesus via o coração por trás das aparências. Por fora, pureza. Por dentro, sepulcros.

E ele continua assim. Cristo não é moldado pelas preferências do nosso tempo. Ele é Senhor. Ele é a Verdade. E isso incomoda — especialmente os que tentam usar a fé como palco ou esconderijo. O Filho de Deus não veio para confirmar o que somos, mas para nos transformar. Não veio para ser mascote da nossa causa, mas Rei sobre nós. Ele expõe o pecado, para oferecer o perdão. Ele confronta, para redimir. Ele desmascara, para salvar.

Nesta Terça-feira da Semana Santa, vemos o contraste entre a mulher que unge Jesus com perfume precioso (Marcos 14.3-9) e os que se escandalizam com seu gesto. Ela reconhece a grandeza do Salvador e lhe dá o melhor. Os outros... só sabem criticar, disfarçando ganância com discursos piedosos. A atitude dela é fé viva. A deles, religiosidade morta.

Esse contraste continua atual. Muitos se incomodam com um Jesus que exige arrependimento. Querem um Salvador que os deixe como estão. Mas o Cristo da cruz não veio para nos agradar — veio para nos resgatar.

E, por isso, a mensagem da cruz continua sendo escândalo e loucura para o mundo (1Co 1.18). Mas para os que creem, é poder de Deus. Porque a fraqueza de Deus é mais forte que a força humana. E a sabedoria de Deus, revelada em um crucificado, é mais gloriosa do que qualquer teoria humana.

Oremos: Senhor Jesus, liberta-me da religiosidade vazia e da aparência de piedade. Dá-me um coração sincero, que reconhece seus pecados e se apega à tua graça. Que eu não te busque por conveniência, mas por amor. Corrige o que está errado em mim, e reina com tua verdade em minha vida. Amém.

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes
Devoção elaborada para o Departamento de Comunicação da IELB,
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segunda-feira, 14 de abril de 2025

Devoção para a Segunda-feira Santa - 14/04/2025


SEGUNDA-FEIRA DA SEMANA SANTA
“Jesus quebraria seu negócio?”

“A minha casa será chamada ‘Casa de Oração’.”
Mas vocês estão fazendo dela um covil de salteadores". (São Mateus 21.13)

Em nome de + Jesus. Amém.

Jesus entra no templo de Jerusalém e encontra um cenário que, para muitos, era normal: cambistas, vendedores, sacrifícios sendo negociados, dinheiro circulando... tudo aparentemente “religioso”, mas totalmente desconectado do propósito do lugar. A casa do Senhor, construída para oração, havia se transformado em palco para ganância e interesses pessoais.

A atitude de Cristo foi clara: ele não tolerou a distorção da fé. Derrubou as mesas, interrompeu o comércio e denunciou com autoridade: “vocês estão fazendo dela um covil de salteadores”. Ali, Jesus não estava apenas corrigindo um comportamento, mas restaurando o propósito sagrado daquele espaço.

Esse episódio nos leva a uma pergunta desconfortável: se Jesus entrasse hoje no templo do nosso coração, o que ele encontraria? Será que veria sinceridade, adoração, arrependimento? Ou encontraria prioridades trocadas, fé por interesse, devoção transformada em aparência?

Às vezes, mesmo sem perceber, acabamos tratando nossa vida espiritual como um “negócio”: servimos a Deus esperando retorno imediato; oramos mais quando precisamos de algo; nos envolvemos com a igreja quando nos é conveniente. Mas a fé cristã não é comércio — é relação de confiança com o Deus vivo.

Na mesma semana em que purificou o templo, Jesus foi ungido por Maria com um perfume caríssimo — um gesto que incomodou alguns por parecer “desperdício”. Mas Cristo valorizou o gesto como algo belo e significativo, pois apontava para sua morte. Maria não buscava lucro, buscava expressar amor e honra. Que contraste com Judas, que preferiu moedas de prata a permanecer com o Salvador!

A beleza da Semana Santa está em lembrar que Jesus não veio em busca de vantagem, mas para entregar tudo por nós. Ele não busca lucros, busca corações sinceros. Ele não negocia salvação, ele a oferece gratuitamente. Ele não procura templos perfeitos, mas entra em lugares marcados pelo egoísmo e os transforma com graça.

Cristo purifica, perdoa e renova. Não para nos humilhar, mas para nos reconciliar com Deus. Sua morte não foi um preço pago a nós, mas por nós — e isso muda tudo.

Oremos: Senhor Jesus, entra em minha vida com a tua verdade e graça. Se houver em mim o que não pertence ao teu Reino, remove com tua Palavra. Faz da minha vida um lugar de oração, fé e arrependimento. Ensina-me a confiar em ti, não por interesse, mas por amor. Amém.

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes
Devoção elaborada para o Departamento de Comunicação da IELB,
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“Um Rei diferente” – João 12.20-43 | Homilia para o Domingo de Ramos


Em nome de + Jesus, o Bendito que vem em nome do Senhor. Amém.

Jerusalém estava em clima de festa. Era época da Páscoa, e a cidade estava cheia de gente. Pessoas de todas as partes tinham subido para adorar a Deus no templo. E, entre tantos assuntos, um nome se destacava nas conversas: Jesus. O mesmo que havia ressuscitado Lázaro, curado doentes, multiplicado pães e peixes. Agora, ele se aproximava da cidade.

O povo foi ao seu encontro, animado, com ramos de palmeiras nas mãos, gritando com alegria: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor, o Rei de Israel!” (Jo 12.13). Era uma cena bonita de se ver. Só que, por trás dessa alegria, havia também muita confusão sobre quem Jesus realmente era.
Afinal, que tipo de rei aquele povo esperava?

Eles queriam um líder forte, que tirasse os romanos do poder. Esperavam alguém que trouxesse liberdade política, segurança, prosperidade para Israel. Sonhavam com um rei vitorioso, com exércitos, um trono e uma coroa. Queriam alguém que resolvesse os problemas do dia a dia — os problemas imediatos da vida: segurança, pão, estabilidade, prosperidade. Alguém que tornasse a nação de Israel grande de novo.

Só que, naquele dia, quem foi o Rei que realmente entrou em Jerusalém?

Jesus veio montado em um jumentinho. Um animal simples, usado por pessoas humildes. Um sinal claro de que Ele não era um rei como os outros. Ele não entra com espadas, mas com mansidão. Não com tropas, mas com humildade. O jumentinho era o animal dos pobres, dos pacíficos. Assim, podemos ver que Jesus não vem para conquistar pela força... não... mas para atrair pela cruz. Ele não entra para ocupar um trono de pedra, mas para se entregar em um madeiro. E, mesmo ouvindo os gritos de alegria, Jesus sabia o que estava por vir. Tanto que ele disse:
“Agora a minha alma está angustiada, e o que direi? ‘Pai, salva-me desta hora’? Não, pois foi precisamente com este propósito que Eu vim para esta hora. Pai, glorifica o Teu nome.” (Jo 12.27-28)
O povo via glória. Jesus via cruz. O povo esperava vitória. Jesus anunciava entrega. O povo gritava “Hosana!” — que quer dizer, como ouvimos no Salmo 118: “Oh! Salva-nos, Senhor, nós te pedimos!” (Sl 118.25). Mas eles não compreendiam que a resposta àquela oração viria de forma dolorosa. Jesus sabia que o caminho diante dEle era difícil. Ele sentia medo, dor, angústia. Ele não escondia isso. Mas, mesmo assim, Ele não fugiu. Ele permaneceu firme, porque veio justamente para essa hora. Para essa missão. Ele veio para nos salvar.

E tudo isso, Jesus fez por nós!

Ele entrou em Jerusalém por mim e por você. Cada passo daquele jumentinho o levava mais perto do Gólgota. Cada “Hosana” gritado pelo povo soava, para Jesus, como um eco do “Crucifica-o” que viria em poucos dias. Mas Ele não recuou. Mesmo angustiado, não fugiu. Mesmo sendo o justo, não se justificou. Mesmo sendo Senhor, Ele se fez servo.

Amados, Jesus está entrando em Jerusalém. O Rei está chegando à cidade santa. Os ramos se agitam. As pessoas cantam. Tudo parece triunfal.

E é fácil seguir um Rei que entra assim. Um Rei recebido com festa, com honra, com alegria. Um Rei que parece forte, vitorioso, invencível.

Mas... e quando o Rei chora?
E quando o Rei está angustiado?
E quando Ele se cala diante da injustiça, quando Ele permite ser traído, julgado e condenado?
Quando Ele não se defende? Quando Ele se entrega?
Você seguiria um Rei assim?

É difícil crer num Rei que vai morrer.
É difícil confiar quando o caminho dEle vai na direção da cruz.

E, ainda assim, esse mesmo Rei nos convida:
“Se alguém me serve, siga-me.” (Jo 12.26)
Seguir Jesus é aceitar caminhar com ele mesmo quando o caminho leva à cruz. É continuar ao lado dEle quando a multidão se dispersa. É confiar, mesmo quando tudo parece escuro. E é preciso coragem para isso. Seguir Jesus é dizer: “Senhor, eu não entendo tudo, mas eu confio em ti. Eu vou contigo.”

Mas vale a pena. Porque esse Rei que vai à cruz é o mesmo que nos atrai com amor. Ele mesmo disse:
“E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim.” (Jo 12.32)
Esse “ser levantado” é a cruz. É o momento mais vergonhoso aos olhos do mundo, mas o mais glorioso aos olhos do céu. É ali - no levantar da terra - que Cristo atrai você. É ali que ele responde ao seu “Hosana!”. É ali que ele te salva. A pedra que os construtores rejeitaram — como vimos na semana passada — tornou-se a pedra angular (Sl 118.22). É sobre ele que tudo se sustenta. E isso “é maravilhoso aos nossos olhos” (v.23).

Por isso, nesta Semana Santa, somos convidados a parar. A silenciar o coração. A olhar com mais atenção para esse Rei. A deixar as vozes do mundo e as falsas expectativas de lado e ouvir de novo o chamado dEle. Esta é a semana em que Jesus caminha rumo à cruz. E Ele não vai sozinho — Ele convida os seus a segui-lo. Ele nos convida a caminhar com ele, passo a passo, até o Calvário. Porque é lá que acontece o que pedimos quando oramos “Hosana”. É lá que somos salvos.

E, em breve, na liturgia da Santa Ceia, cantaremos de novo: “Hosana nas alturas!”. E, ao cantarmos, não estaremos apenas repetindo uma tradição litúrgica. Estaremos fazendo uma petição – um pedido. Estaremos clamando: “Oh! Salva-nos, Senhor, nós te pedimos!”. E este Rei, o mesmo que entrou em Jerusalém por nós, é o mesmo que vem ao nosso encontro aqui e agora, na Palavra, no Santo Sacramento de sua Ceia, na comunhão da Igreja. Ele responde ao nosso clamor, não com promessas vazias, mas com a entrega do seu próprio Corpo e Sangue.

Este é o dia que o Senhor fez. Alegremo-nos e exultemos nele (Sl 118.24), pois o Rei chegou. E ele veio para salvar. Não como esperávamos, mas como precisávamos. E porque ele foi até a cruz, agora podemos ter certeza: nosso “Hosana” foi ouvido.

Que, nesta semana, você tenha coragem. Coragem para seguir o Rei que vai à cruz. Coragem para reconhecer que é ali — e só ali — que encontramos a vida verdadeira. E que, ao chegarmos à Sexta-feira Santa, possamos lembrar: tudo isso foi por nós. Tudo isso foi por amor.

Que o Senhor nos abençoe com fé, arrependimento e coragem. Que assim seja. Amém.

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes
13/04/2025

sexta-feira, 11 de abril de 2025

A Semana Santa


Ao nos aproximarmos do final do período quaresmal, entramos na Semana Santa, que se inicia no Domingo de Ramos[1] e culmina no Sábado de Aleluia. Durante esses dias, concentramo-nos nos eventos da vida de Jesus, desde sua entrada triunfal em Jerusalém até sua gloriosa ressurreição.

O Domingo de Ramos recebe seu nome das práticas do século IV em Jerusalém, onde os fiéis se reuniam no Monte das Oliveiras, saíam em procissão para a cidade com ramos de palmeira e oliveira, enquanto o bispo ia montado em um jumento. Na igreja primitiva, os candidatos ao batismo e à confirmação passavam por um processo de “reensinamento” do Credo. Este fato, em parte, justifica a realização do rito da confirmação nesse dia.

Já na Quinta-feira Santa, a Igreja expressa sua gratidão a Jesus pela instituição da Ceia do Senhor, um dia de grande importância. Esse evento recebeu diversos nomes, como Dies Coenae Domini (“Dia da Ceia do Senhor”), Dies Natalis Calicis (“Aniversário do Cálice”) e Dies Mysteriorum (“Dia dos Mistérios”). O dia também rememora a reconciliação dos penitentes, observada pela igreja antiga, destacada pelo termo alemão “Gründonnerstag”. Inspirada por Lucas 23.31, a cerimônia de reconciliação reintegrava os “ramos ressequidos” (pecadores) à comunhão da igreja. O culto de Quinta-feira Santa encerra-se com o desnudamento do altar enquanto o Salmo 22 — uma profecia da crucificação — é lido ou cantado, recordando como nosso Senhor ficou com o torso nu ao lavar os pés de seus discípulos e como foi despojado e espancado antes da crucificação.

Já a Sexta-feira Santa é o dia mais solene na Igreja Cristã, ao lembrarmos que, por causa de nossos pecados, o Senhor foi crucificado e morreu, oferecemos alegres agradecimentos a Deus. Reconhecemos que todo pecado e a ira de Deus sobre o pecado recaem sobre Jesus, não sobre nós, e, pela sua graça, recebemos os benefícios desse ato sacrificial.

Em relação ao Sábado na Semana Santa, também conhecido como Sábado de Aleluia, a igreja primitiva não realizava cultos neste dia. Posteriormente, a Igreja Romana desenvolveu uma série de cerimônias, incluindo a bênção fogo e da vela Pascal, a bênção da pia batismal e a Ladainha dos Santos.

Em suma, esta semana representa o ápice de todo o ano cristão. Estes três dias de jornada através da morte à vida, representam a jornada do recém-batizado, que sofre, morre e ressuscita com Cristo nas águas do Santo Batismo (cf. Romanos 6). A restauração da vigília pascal como o ponto culminante do ano eclesiástico, com a celebração do Batismo, tem sido em muitas igrejas um lembrete da centralidade do Batismo em nossa vida diária de morte e ressurreição, e como toda a nossa vida na igreja é moldada e organizada em torno do processo do ensino, do Batismo e da nutrição do povo de Deus com Cristo em sua Palavra e sacramentos.

A cor para a Semana Santa começa com o escarlate, a cor da realeza e paixão. Uma cor alternativa para o Domingo de Ramos e os dias seguintes é o roxo, cor da Quaresma, também associada à realeza e simbolizando arrependimento e tristeza.

Durante a celebração da Santa Ceia na Quinta-feira Santa, a cor preferida é o branco. Se o Sacramento não for celebrado, contrariando o costume luterano, então o roxo é utilizado. Se o altar não for despojado no fim do Culto da Quinta-feira Santa, os paramentos são trocados para preto na Sexta-feira Santa.

A Semana Santa não é só uma pausa no calendário — é o coração da nossa fé. É o tempo de contemplar os santos mistérios que nos salvam: a Ceia, a Cruz, o Silêncio, a Ressurreição.

Não troque a presença do Senhor por um simples descanso longe dEle. Não permita que o “feriadão” assuma o lugar de Jesus na sua vida. Ele assumiu o nosso lugar na cruz. O mínimo que podemos fazer é estar na casa do Senhor, em reverência, gratidão e fé.

Viajar não é pecado. Mas abandonar a comunhão e o culto por lazer é um alerta. Ore, pense com carinho e, se for viajar, procure um culto onde estiver. Jesus merece esse tempo. E você precisa dEle mais do que de qualquer descanso.

[1] O Domingo de Ramos, também chamado de Domingo da Paixão, celebra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém (Mateus 21.9), muitas vezes acompanhado da leitura completa da Paixão do Senhor de Mateus, Marcos ou Lucas.

terça-feira, 1 de abril de 2025

As diferenças entre a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB)


Introdução
Este texto tem como objetivo apresentar algumas diferenças doutrinárias entre duas tradições cristãs históricas: a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), de origem reformada/calvinista, e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), de confissão luterana. Ambas reconhecem a autoridade da Bíblia e a centralidade de Cristo para a fé e a vida cristã. Ambas nasceram do movimento da Reforma do século XVI, mas tomaram caminhos distintos na forma de entender e aplicar as verdades da Escritura.

O meu desejo, ao escrever estas linhas, não é polemizar ou produzir uma apologia aprofundada, mas apenas esclarecer com caridade e honestidade algumas das principais diferenças doutrinárias, com base nas confissões oficiais de cada tradição — a Confissão de Fé de Westminster, no caso da IPB, e o Livro de Concórdia, no caso da IELB.

Alguns tópicos serão tratados de forma mais breve ou resumida, justamente porque o propósito não é esgotar cada assunto. Caso surjam dúvidas, objeções ou interesse por parte do leitor, estou inteiramente à disposição para conversar, dialogar, responder com base nas Escrituras e, acima de tudo, manter um espírito fraterno e cristão, como irmãos que amam o mesmo Senhor Jesus Cristo.

A centralidade do Evangelho
A primeira diferença fundamental está na maneira como cada igreja compreende o centro da revelação bíblica. A IPB, conforme o Breve e o Maior Catecismo de Westminster, ensina que o fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre. A glória de Deus é, portanto, o grande tema da Escritura, e tudo se organiza ao redor desse princípio.

A IELB, em contraste, confessa que o centro das Escrituras é o Evangelho de Jesus Cristo: a justificação do pecador por graça, mediante a fé. O foco da Bíblia, para os luteranos, não é simplesmente a glória de Deus em termos abstratos ou soberanos, mas a manifestação dessa glória na cruz de Cristo — na salvação dada ao pecador. Como afirma o Catecismo Maior de Lutero: “O Espírito Santo nos chama pelo Evangelho”. O apóstolo Paulo ensina que "Cristo é o fim da Lei" (Rm 10.4), e que a cruz é o lugar onde Deus revelou sua glória e sabedoria (1Co 1.18–25). Quando se centraliza apenas na soberania divina, corre-se o risco de obscurecer a ternura do Evangelho e torná-lo apenas um instrumento para enaltecer a majestade divina, e não o consolo supremo para o pecador (PIEPER, 1950, p. 7-8).

A obra de Cristo e a expiação
A IPB, em consonância com a tradição reformada, ensina que Jesus morreu apenas pelos eleitos, numa doutrina conhecida como expiação limitada. A Confissão de Westminster afirma que Cristo "comprou eterna redenção para todos aqueles que Deus lhe deu" (cap. 8.5). Isso significa que sua morte não teve efeito algum pelos que não serão salvos.

A IELB rejeita essa interpretação. As Escrituras são claras: “Deus amou o mundo” (Jo 3.16); Cristo “é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro” (1Jo 2.2). A doutrina da expiação limitada coloca limites no amor de Deus que a própria Escritura não impõe. A Confissão de Augsburgo declara com clareza que Cristo “morreu para reconciliar o Pai conosco” (Confissão de Augsburgo, Art. III). Ao restringir o alcance da cruz aos eleitos, a teologia reformada enfraquece o consolo universal do Evangelho e desvia da confissão bíblica de que “Deus quer que todos se salvem” (1Tm 2.4; cf. PIEPER, 1950, v. II, p. 346).

A predestinação
Outra diferença marcante está na doutrina da eleição. A IPB ensina a chamada dupla predestinação: Deus predestinou alguns para a salvação e outros para a condenação, conforme a lógica calvinista. Essa doutrina tenta explicar a soberania de Deus com base em uma lógica implacável: se ele escolheu uns, logo também rejeitou os demais.

A tradição luterana reconhece aqui um mistério santo. Confessamos, com humildade, que Deus de fato predestina para a salvação, mas não predestina ninguém para a perdição. A Fórmula de Concórdia ensina que "os não eleitos são rejeitados por sua própria culpa" (Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida XI.42). Deus não deseja a morte de ninguém (Ez 18.23), e quando um homem é condenado, é por ter resistido voluntariamente à graça. A tentativa reformada de sistematizar esse tema, embora intelectualmente coerente, não encontra apoio claro nas Escrituras, e acaba fazendo de Deus o autor do mal, o que é absolutamente inaceitável (Tg 1.13; WALTHER, 1998, p. 83).

A relação entre razão e Escritura
Luteranos e presbiterianos confessam a autoridade suprema da Escritura. No entanto, a IPB, por meio da Confissão de Westminster, frequentemente aplica uma abordagem que tenta harmonizar todas as doutrinas com base na lógica humana, mesmo que isso signifique reinterpretar textos que parecem contradizer sua estrutura sistemática (cap. 1.6).

A teologia luterana, em fidelidade à Escritura, reconhece que nem todos os mistérios da fé são compreensíveis pela razão. Por exemplo, a união do corpo e sangue de Cristo com o pão e o vinho da Ceia, a eleição sem predestinação para o mal, ou a união das naturezas divina e humana em Cristo — são mistérios recebidos pela fé. Como Lutero afirmava: “A razão é a maior inimiga da fé” (apud WALTHER, 1998, p. 43). A razão deve ser posta em seu devido lugar, sob o jugo da Palavra (2Co 10.5). Quando a razão se torna juíza da revelação, ela deforma o Evangelho.

Os Sacramentos
Um dos pontos de maior diferença prática está na compreensão dos Sacramentos. A IPB considera o Batismo e a Ceia do Senhor como ordenanças simbólicas, sem eficácia intrínseca. Eles são “sinais e selos” de uma graça que já foi conferida internamente, e sua utilidade depende da fé pré-existente do participante (cap. 27.3).

A IELB confessa, com base clara nas Escrituras, que os Sacramentos são meios de graça, pelos quais Deus realmente comunica o perdão dos pecados. No Batismo, “somos sepultados com Cristo” (Rm 6.4) e “nos revistimos de Cristo” (Gl 3.27). Na Ceia, Cristo afirma: “Isto é o meu corpo [...] isto é o meu sangue” (Mt 26.26–28). Essas palavras não podem ser reduzidas a metáforas sem violência ao texto (Catecismo Maior, II). Ao rejeitar a presença real de Cristo na Ceia, a IPB distancia-se do ensino claro das palavras de instituição e do testemunho da igreja desde os primeiros séculos (PIEPER, 1950, v. III, p. 379-384).

A Liturgia e o Culto
Há uma diferença importante na forma como se entende o culto cristão. A IPB tende a adotar uma liturgia mais simples, centrada na pregação e na racionalidade. A ênfase está na edificação do crente pela exposição bíblica, com menos atenção à tradição litúrgica histórica.

A IELB, por outro lado, compreende o culto como um lugar onde Cristo serve o seu povo com seus dons. A liturgia luterana, com seus elementos históricos, estrutura e beleza, não é apenas tradição, mas meio de proclamação do Evangelho. Como ensina Arthur Just Jr.: “No culto, Cristo nos serve com seus dons” (JUST JR., 2008, p. 29). O uso de hinos, orações, leituras e sacramentos forma um todo coeso, centrado em Cristo e não no entretenimento ou na performance humana. A liturgia é uma pregação encarnada, visível e audível da graça de Deus (COOPER, 2018, p. 11; MASCHKE, 2003, p. 14-16).

Conclusão
A Igreja Presbiteriana do Brasil tem sido proclamadora das Escrituras em muitos aspectos. Porém, segundo a compreensão luterana confessional, algumas de suas doutrinas — especialmente sobre expiação, predestinação, sacramentos e culto — afastam-se do centro do Evangelho e da correta interpretação bíblica. Com toda humildade e respeito, a IELB afirma que o Evangelho deve ser preservado em sua pureza, não reduzido à lógica humana nem obscurecido por doutrinas que negam o alcance universal da graça de Deus. Por isso, permanecemos firmes nas Confissões Luteranas, que não apenas interpretam corretamente a Escritura, mas fazem-no com o coração pastoral de Cristo, que deseja salvar a todos (1Tm 2.4).