segunda-feira, 23 de junho de 2025

A fundação da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) - O Pano de Fundo


Em alusão ao aniversário de 121 anos da IELB, celebrado neste dia 24 de junho
, queremos compartilhar com vocês um trecho especial do livro "Um grão de mostarda: a história da Igreja Evangélica Luterana do Brasil", Volume 1, escrito por Mário L. Rehfeldt.

Neste primeiro post, nosso objetivo é apresentar o pano de fundo histórico e religioso que preparou o caminho para o surgimento da IELB. Ao compreendermos o contexto em que nossos antepassados viviam e os desafios enfrentados, conseguimos valorizar ainda mais a graça de Deus que sustentou essa semente de fé que cresceu e floresceu até os nossos dias


NO BRASIL
A legislação religiosa do Império

O Brasil se tornou independente de Portugal em 1822. A independência também trouxe mudanças na legislação religiosa. Enquanto o Brasil estava sob a dominação portuguesa, os cidadãos portugueses foram forçados a professar a religião do Estado, o Catolicismo Romano.[1] De acordo com o Artigo 5 da Constituição Imperial Brasileira de 1824, que governou o Brasil até 1889, a religião Católica Romana era a religião do Império. A existência de outras religiões era permitida de forma privada, em locais destinados para tal fim, sem formas exteriores que as caracterizasse como sendo igrejas.[2] Essa limitada tolerância religiosa não significava real liberdade religiosa para os protestantes. Na verdade, eles não podiam ser eleitos para diversos cargos políticos, como de deputado.[3] Mesmo assim, a tolerância religiosa imperial fez com que a imigração fosse mais atrativa para não-católicos do que em épocas anteriores.

A imigração alemã no Rio Grande do Sul no século 19
O novo imperador, D. Pedro I, estava interessado em promover a imigração alemã. Os primeiros imigrantes alemães chegaram ao Estado do Rio Grande do Sul em 25 de julho de 1824. Cerca de 4 mil alemães chegaram à mesma região nos cinco anos seguintes.[4] Grandes grupos continuaram a vir até que, na década de 1860, o governo da Prússia proibiu temporariamente a imigração para o Brasil. A maioria desses imigrantes eram protestantes.

Quando a ocupação da região de São Leopoldo estava completa, as colônias alemãs partiram em direção a Taquara, ao Norte; em direção ao centro do Estado, à região de Santa Cruz do Sul. Também nos anos 50, várias colônias alemãs foram estabelecidas no Sul do Estado, nas regiões de Pelotas e São Lourenço. Novos grupos de imigrantes e pessoas de outras colônias começaram a ocupar espaços nas regiões Norte e Nordeste por volta do final do século 19.[5]

Os maiores grupos de imigrantes alemães eram pomeranos, renanos da região da Renânia e teuto-russos.[6]

Condições econômicas
A abertura de novas áreas de colonização seguiu padrões similares durante o século 19. Quase todos os assentamentos foram em regiões de florestas montanhosas. Eles foram abertos à colonização pelos governos federal ou estadual, ou por companhias privadas.[7] Em todas as situações, estradas simples, conectadas por cruzamentos, precisavam primeiro ser abertas nas matas. Ao longo dessas estradas, as colônias[8] eram estabelecidas. Depois disso, os colonos chegavam com os seus poucos pertences, transportados nas costas ou no lombo de algum animal de carga: alguns machados, foices, facões, enxadas, utensílios de cozinha e um pouco de alimento. A etapa seguinte era a escolha de uma colônia, formada por uma área de cerca de 50 hectares. Feito isso, iniciava-se o duro trabalho de preparar o lugar para uma moradia simples e a formação de uma lavoura no meio da floresta semitropical. A vegetação era cortada, e as árvores derrubadas. O fogo limpava o solo. A terra estava pronta para o plantio.

Colonos alemães luteranos no Rio Grande do Sul

Se a seca chegasse ou se os gafanhotos comessem a plantação, montava-se o cenário para a tragédia. A morte por desnutrição ou fome não era muito incomum. Mas boa parte da terra era produtiva, e a maioria da plantação vingava. Os membros da família trabalhavam o ano todo, do amanhecer ao anoitecer.

Depois de alguns anos, já podiam ser vistos árvores frutíferas, algum gado, porcos, galinhas. Na maioria dos lugares, a fome não era mais uma ameaça.

Alguns colonos prosperaram e até ficaram ricos, mas a maioria não.[9] O dinheiro era escasso, quase que inexistente nas colônias. Ainda no final do século 19, um jornal preveniu: pessoas interessadas em deixar sua terra natal deveriam pensar duas vezes antes de fazê-lo. Nenhuma pessoa que trabalhasse duro sofreria de frio ou fome no Rio Grande do Sul, mas não encontraria lá muito mais do que sol e pão. Qualquer pessoa que pudesse permanecer na Alemanha deveria fazê-lo.¹[10]

Os principais produtos plantados nas colônias eram milho, feijão preto, cana-de-açúcar, mandioca, arroz e batata. A alimentação básica consistia em arroz e feijão preto.[11]

Típica propriedade de imigrantes em Erechim, RS.

Distúrbios políticos
Dificuldades econômicas não foram as únicas que os imigrantes e seus filhos tiveram de enfrentar. No século 19, o Brasil esteve envolvido em quatro guerras maiores, nas quais o Rio Grande do Sul — e, consequentemente, os imigrantes e seus descendentes — estavam diretamente envolvidos.

A primeira guerra foi a que envolveu a região da Cisplatina, de 1810 a 1828, quando o Brasil e a Argentina tentaram conquistar o que hoje é o Uruguai. A segunda guerra foi contra Rosas, de 1850 a 1852, envolvendo Brasil e Argentina. A terceira foi contra Aguirre, de 1864 a 1865, envolvendo o Brasil e o Uruguai. A última e a mais destrutiva foi a Guerra do Paraguai, de 1865 a 1870, na qual o Oeste do Rio Grande do Sul foi invadido, por um curto período de tempo, e na qual Brasil, Uruguai e Argentina derrotaram o ditador paraguaio Solano Lopez. Em todas essas guerras podiam ser encontrados, como soldados brasileiros, imigrantes ou seus filhos.[12]

Uma guerra interna e revoluções internas, contudo, causaram muito mais estragos nos setores econômicos, políticos, sociais, culturais e religiosos do Rio Grande do Sul do que guerras externas. A guerra civil, também chamada de Guerra dos Farrapos, durou dez anos, de 1835 a 1845. A então província de Rio Grande do Sul lutou, em condições precárias, contra o resto do Império Brasileiro durante dez anos, até que foi derrotada. Nessa guerra desastrosa, foi morto o homem que era, provavelmente, o único pastor evangélico ordenado no Estado naquela época. O pastor Friedrich C. Klingelhoeffer foi morto em 6 de novembro de 1838, perto de Triunfo, quando tropas imperiais se defrontaram com revolucionários.[13]

Mais tarde, um grupo de origem germânica formou uma seita religiosa. Nos anos de 1873 e 1874, o ataque contra essa seita, com ferro e fogo, ficou conhecido como a Revolta dos Muckers. Foi apenas um incidente local.[14]

Em 1889, um golpe de estado pacífico derrubou o império, e o Brasil se tornou uma república. Logo em seguida, uma revolução sangrenta aconteceu no Estado do Rio Grande do Sul. De 1893 a 1895, tropas sanguinárias e saqueadoras atravessaram o Estado em várias direções. A partir de então, até a virada do século, houve relativa paz e progresso.[15]


Situação moral e religiosa
O primeiro grupo de imigrantes, que chegou em 1824, trouxe junto um pastor, J. G. Ehlers, de Hamburgo [Alemanha]. Um ano mais tarde, chegou outro grupo, no qual veio junto Carlos L. Voges. Primeiro, ele se apresentou como sacristão; mais tarde, como pastor. Por essa época também chegou o pastor Friedrich C. Klingelhoeffer, que, provavelmente, era o único pastor ordenado entre os imigrantes.[16]

Esses pastores tinham vindo ao Brasil por conta própria. Nenhum foi enviado da Alemanha pela Igreja do Estado ou por uma sociedade missionária. A Igreja alemã não se importava com o destino da vida religiosa dos alemães na América do Sul.[17]

Os próprios imigrantes, em meio às suas dificuldades, fundaram igrejas e escolas paroquiais. Na maioria dos lugares, não havia pastores nem professores. Por isso, os imigrantes elegiam alguém deles como responsável pela vida espiritual do grupo. Alguns desses pastores “improvisados” trabalharam fielmente. A maioria deles não era qualificada para a responsabilidade do ministério pastoral e causou mais mal do que bem. Com o tempo, a indiferença religiosa cresceu, e quem cobrava menos por um casamento ou sepultamento era eleito pastor.[18] O primeiro pastor oficialmente enviado da Alemanha, Dr. Hermann Borchard, descreveu alguns desses pseudopastores em 1865:

Um deles é um mestre-escola da Alemanha, que é mal-afamado como alcoólatra e jogador; o outro um evadido sargento da Prússia, ao qual ninguém pode-se igualar no beber; o terceiro um dono de bar (cervejaria) de Porto Alegre, o qual reiteradas vezes foi à bancarrota, como não conseguia outro ramo de subsistência, tornou-se pastor; o quarto, um sujeito reconhecidamente mal-afamado, o qual não sabe ler e escrever; um outro, o qual não era tido como dos piores, era criado (servente) de um conde; um outro, ajudante de um agrimensor, e ainda um outro, segundo sua profissão, era alfaiate.[19]

Sob tal liderança espiritual, ou falta dela, a indiferença religiosa e uma visão de mundo materialista prevaleceram. O fato de que casamentos realizados diante de sacerdotes católico-romanos eram válidos, de acordo com a legislação imperial, favoreceu o rebaixamento dos padrões morais. Como casamentos realizados por um pastor protestante não eram reconhecidos pelos sacerdotes católicos, um homem podia ser casado por um pastor e, depois de algum tempo, deixar sua esposa e casar com uma outra mulher diante de um padre, sem dificuldade alguma.[20]

Na segunda metade do século, alguns pastores ordenados vieram da Alemanha e dos Estados Unidos para trabalhar em algumas paróquias isoladas. O primeiro deles foi o pastor J. P. C. Haesbaert.

O pastor Johann P. C. Haesbaert
Johann. P. C. Haesbaert foi pastor em Hamburgo Velho, Novo Hamburgo, RS, por 41 anos, a partir de 1845.

Johann. P. C. Haesbaert nasceu em Cleve, na região do Reno [Alemanha]. Aos 21 anos, emigrou para os Estados Unidos, onde estudou para se tornar pastor. Concluiu seus estudos teológicos em 1832, quando recebeu e aceitou chamado pastoral para trabalhar na congregação Saint Paul, de Baltimore,[21] onde ficou por 12 anos.

Quando o pastor Friedrich C. D. Wyneken, mais tarde um dos fundadores do Sínodo de Missouri, chegou aos Estados Unidos, em 1838, foi recebido na casa de Haesbaert. Eles se tornaram amigos íntimos.[22] 
Pastor Friedrich C. D. Wyneken, um dos fundadores do Sínodo de Missouri

Em 1843, Haesbaert se encontrou com o Dr. Wilhelm Sihler, que, tempos depois, escreveu em suas memórias: “Haesbaert me impressionou com sua seriedade e sinceridade.”[23]

Em 1844, Haesbaert declinou de seu trabalho em Baltimore e foi para Nova Orleans. Ainda procurando um clima mais ameno por causa de uma doença na garganta, ele veio ao Brasil em 1845 e assumiu o trabalho pastoral da congregação de Hamburghergberg, mais tarde chamada de Hamburgo Velho, à qual ele serviu fielmente durante 41 anos.[24]

Quando ele chegou, era o único pastor ordenado no Rio Grande do Sul, pois o pastor Klingelhoeffer já havia falecido.

Haesbaert também atendia a congregações vizinhas e visitou outras paróquias para ajudá-las a se organizar.

Ele faleceu em 1890, com 83 anos de idade.[25]

A formação de um sínodo unido
O embaixador da Prússia, von Eichmann, visitou as colônias alemãs em 1863.[26] As congregações de São Leopoldo lhe pediram que providenciasse um pastor ordenado, pois na época não tinham. Von Eichmann contatou o Evangelischer Oberkirchenrat em Berlim, que pediu ao pastor Dr. Hermann Borchard que aceitasse o chamado pastoral. Ele chegou a São Leopoldo depois de ter recebido uma promessa de apoio do Dr. Eabri de Barmen, o supervisor de missão, que fundou o Comitê para Protestantes Alemães no Brasil e estabeleceu contato com sociedades missionárias de Basiléia, Berlim e Crischona no sentido de fornecer missionários para o Brasil. Elas atenderam ao pedido e, nos anos seguintes, enviaram alguns jovens [pastores] para o Brasil.[27]

O Dr. Hermann Borchard tentou fundar um sínodo. Ele teve encontros com outros pastores em fevereiro de 1868 e, novamente, em junho de 1870. Em 1870, retornou à Alemanha e o sínodo deixou de existir.[28]

Em 1874, quando já havia 16 pastores ordenados no Rio Grande do Sul, o Dr. Wilhelm Rotermund assumiu o trabalho da congregação em São Leopoldo. Ele era um escritor prolixo e um líder capaz. Assumiu o Boten von São Leopoldo [Jornal de São Leopoldo], que, em 1880, se tornou o jornal Deutsche Post [Correio Alemão].

Rotermund convidou os pastores para um encontro nos dias 19 e 20 de maio de 1886. Nesse encontro, foi fundado o Sínodo Rio-Grandense.[29] Um dos fundadores, o pastor J. Brutschin, fez a proposta de que o Sínodo se confessasse como sendo um Sínodo Evangélico Luterano. Sua proposta não foi aceita, e o Sínodo passou a ter um caráter mais reformado do que luterano.[30]

Fundação, em 20.05.1886, do Sinodo Riograndense (hoje Igreja Evangélica Luterana de Confissão Luterana no Brasil IECLB) em São Leopoldo, RS. Sentado, ao centro, seu primeiro presidente (também fundador da Editora Sinodal), Dr. Wilhelm Rotermund.

O pastor Johann F. Brutschin
J. F. Brutschin, o pastor que havia erguido sua voz em defesa das Confissões Luteranas na fundação do Sínodo Rio-Grandense, nasceu em 20 de janeiro de 1842 em Dossenbach, perto de Loerrach in Baden, na Alemanha. Ele estudou Teologia no instituto missionário de Crischona, em Basiléia, Suíça, onde se formou em 1867. No mesmo ano, foi enviado ao Brasil pela Sociedade Evangélica de Barmen. O navio no qual estava vindo naufragou perto da costa do Rio Grande do Sul. Os passageiros que estavam no porão morreram.
Pastor Johann L. Brustschin, defensor do Luteranismo confessional nas congregações do Vale do Rio dos Sinos. 

A primeira atividade de Brutschin foi a de assistente ao Dr. Borchard, em São Leopoldo. Em 1868, ele se tornou pastor em Dois Irmãos, na época município de São Leopoldo, onde atuou como pastor até 1890. As congregações filiadas que atendia eram Picada dos Sueves, Picada Verão, do Herval e do Padre Eterno.[31]

Brutschin foi um dos fundadores do sínodo de existência breve, fundado por Dr. Borchard em 1868. Ele novamente teve participação ativa na fundação do Sínodo Rio-Grandense, em 1886.

Falando sobre a atuação dele em Dois Irmãos, o Dr. Borchard testificou que trabalhou com boa vontade e sucesso, sob a bênção de Deus.[32]

Em 1890, ele pediu demissão [da congregação de] Dois Irmãos e se mudou para Novo Hamburgo, onde construiu uma casa e iniciou uma escola particular. Foi nessa época, provavelmente, que ele deixou o Sínodo Rio-Grandense. Os reais motivos para essa atitude não são conhecidos. Provavelmente, ele não quis permanecer em um sínodo que não era de caráter luterano.[33]

Em 1891, a congregação de Estância Velha o chamou [para ser seu pastor]. Ele serviu à congregação, residindo em Novo Hamburgo. Em 1894, ele também começou a atender à congregação que se havia separado da congregação do Dr. Rotermund, em São Leopoldo.

Nos últimos anos de seu trabalho em Dois Irmãos, o pastor J. Brutschin ficou sabendo a respeito do trabalho do Sínodo de Missouri nos Estados Unidos. Um colega e amigo seu, de Crischona, o pastor Linsenmann, tinha ido aos Estados Unidos quando ele, Brutschin, tinha vindo para o Brasil. Nos Estados Unidos, Linsenmann se tornou membro do Sínodo de Missouri. Brutschin se correspondia com ele e, também, com o pastor Emil Buert, de Wayside, Wisconsin, EUA. Através desses pastores, Brutschin recebia o Der Lutheraner (O Luterano) e outras publicações do Sínodo de Missouri.[34] Em 1894, uma das cartas de Brutschin descrevendo a situação religiosa no Rio Grande do Sul foi publicada no Der Lutheraner.[35]

Desta casa, com a porta aberta (na - hoje av. Maurício Cardoso em Novo Hamburgo, RS), 'o pastor Brutschin se correspondia com o pastor Linsenmann.

Quando Brutschin decidiu voltar para a Alemanha por causa de sua saúde, resolveu deixar o cuidado de suas congregações para um pastor que fosse fiel às Confissões Luteranas. Por este motivo, enviou, em 1899, um pedido para o Departamento de Missão Interna do Sínodo de Missouri.[36] Nessa época, a legislação religiosa brasileira havia se modificado completamente.

A legislação religiosa na República
Nos anos de 1880, o movimento republicano se tornou mais forte no Brasil, especialmente entre oficiais das Forças Armadas. Alguns dos membros mais destacados desse movimento, como Benjamin Constant, eram positivistas, seguidores do Systema de Philosophia Positiva. Completa separação entre Igreja e Estado, completa liberdade de pensamento e liberdade religiosa eram partes integrantes do seu programa político.[37]

Em 15 de novembro de 1889, o Império foi derrubado, e a República foi proclamada. Uma das primeiras ações do governo provisório, que governou o Brasil de 15 de novembro de 1889 a 25 de fevereiro de 1891, foi o decreto número 119A, concernente à religião, de 7 de janeiro de 1890, o qual determinou completa liberdade religiosa. O decreto proibia autoridades federais ou estaduais de criar leis, regulamentos ou medidas administrativas para estabelecer ou proibir qualquer denominação religiosa. As autoridades também eram proibidas de estabelecer quaisquer distinções entre a população ou de empreender ações bancadas por fundos públicos com base em opiniões ou crenças filosóficas ou religiosas. Os administradores públicos também eram proibidos de interferir, de qualquer forma, na formação de sociedades religiosas. Foi declarado ilegal incitar dissensão religiosa entre o povo. As sociedades religiosas tiveram garantidos a personalidade jurídica e o direito de adquirir propriedade.[38]

A Constituição Republicana, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, manteve os princípios de liberdade religiosa do decreto de 7 de janeiro de 1890.[39] O Artigo 22, seção 3 da Constituição diz que:

Todas as pessoas e confissões religiosas podem exercer seu modo de culto pública e livremente, formando, para este fim, associações e adquirindo propriedade, sempre de acordo com a observação da lei comum.[40]

Esses princípios de liberdade religiosa foram repetidos nas constituições republicanas subsequentes. H. G. James está correto em sua avaliação:

É seguro dizer que não existe nenhum outro país no mundo onde a fé católico-romana é a que prevalece, e existe uma separação mais completa entre Igreja e Estado ou onde existe uma maior liberdade de consciência ou de culto.[41]

Esse foi o tipo de liberdade religiosa que o pastor Christian F. Broders, o primeiro missionário do Sínodo de Missouri no Brasil, encontrou no país quando chegou em 1900. A liberdade religiosa foi mantida durante os primeiros cinquenta anos do trabalho do Sínodo no Brasil.

NOS ESTADOS UNIDOS
O espírito missionário do Sínodo de Missouri

Durante o primeiro meio século de sua existência, o Sínodo de Missouri tinha tanto trabalho nos Estados Unidos, especialmente entre as crescentes ondas de imigrantes luteranos alemães, que não era capaz de realizar muitas atividades missionárias em outros países. Enquanto o Dr. Heinrich Christian Schwan era o presidente do Sínodo de Missouri, as missões que mereceram maior atenção foram entre os imigrantes alemães ao Oeste do rio Mississippi, entre marinheiros, entre os judeus, entre os negros da Conferência Sinodal e entre as pessoas de outras línguas dentro dos Estados Unidos.[42] Apesar disso, o Sínodo de Missouri deu apoio financeiro para sociedades missionárias luteranas europeias, especialmente as sociedades de Leipzig e Hermansburg.[43]

No final do século 19, o espírito missionário do Sínodo de Missouri começou a se tornar mais forte, e o desejo de abrir uma frente missionária no exterior foi manifestado. Na Convenção Sinodal de 1893, realizada em Saint Louis, uma resolução foi aprovada no sentido de se iniciar o trabalho missionário no Japão. Certas circunstâncias levaram os dirigentes sinodais a mudar o campo missionário do Japão para a Índia, onde os primeiros missionários do Sínodo de Missouri iniciaram o trabalho em 1895.[44]

Preocupação com a situação na América do Sul
Também nessa época, a atenção de membros influentes do Sínodo de Missouri começou a ser dirigida para a América do Sul, onde, somente no Sul do Brasil, centenas de milhares de imigrantes alemães e seus descendentes, um grande número deles de orientação religiosa luterana, viviam sem cuidado espiritual adequado.[45] O fato de que apenas um Sínodo Unido e nenhum Sínodo Luterano atuava entre eles foi lamentado.[46] Grande satisfação foi demonstrada quando também os luteranos Gotteskasten [Caixa de Deus], da Alemanha, enviaram um missionário para Santa Catarina.[47]

O Dr. Ludwig Fuerbringer[48] foi quem mais se preocupou com a situação dos imigrantes luteranos alemães na América do Sul. Várias vezes, ele escreveu sobre as condições religiosas dos imigrantes no periódico Der Lutheraner.

No final da década de 1890, aconteceu uma mudança de atitude em relação às condições dos imigrantes luteranos alemães no Sul do Brasil. Em lugar de uma postura de gratidão, porque nos Estados Unidos as coisas não eram tão difíceis como no Brasil, começou a surgir um forte senso de preocupação e um sentimento de responsabilidade em relação aos luteranos brasileiros.

Também a revista The Lutheran Witness mostrou preocupação com as condições religiosas dos imigrantes alemães no Brasil.[49]

À medida que o século 19 chegava ao fim, aumentava esse senso de obrigação em relação aos irmãos de fé em condições espirituais precárias.[50]

Finalmente, a sugestão de que deveria ser iniciado, pelo Sínodo de Missouri, o trabalho missionário na América do Sul foi levada à Convenção Sinodal de 1899.

A Convenção Sinodal de 1899
Igreja da Santa Cruz, em Saint Louis, Missouri, EUA, onde em Convenção Nacional, em 1899 foi decido iniciar a Missão na América do Sul.

Em abril de 1899, a nona Convenção de Delegados do Sínodo de Missouri se reuniu na Congregação Holy Cross, em Saint Louis, Missouri. O presidente do Sínodo, cujo mandato estava terminando, era o Dr. Heinrich Christian Schwan, que, de 1844 a 1850, tinha estado no Brasil e trabalhado como professor de uma família alemã em Leopoldina, perto de Caravelas, na Bahia. É dito que uma das razões pelas quais o Sínodo de Missouri não enviou missionários ao Brasil antes de 1900 foi porque Schwan era contra, pois considerava o país um campo missionário sem perspectiva por causa do insucesso que teve.[51] Também é dito que, quando duas moções, uma do pastor R. Kretschmar, presidente do Distrito de Saint Louis [EUA], e outra de um pastor que anteriormente havia servido a uma congregação no Rio Grande do Sul, foram apresentadas, no sentido de que o Sínodo iniciasse um trabalho missionário no Brasil, o Dr. Schwan se manifestou contra na discussão que aconteceu e sua opinião foi derrotada.[52]

Depois da discussão sobre a situação religiosa dos imigrantes no Brasil, na qual fatos pertinentes à situação espiritual foram revelados,[53] a Convenção resolveu iniciar o trabalho na América do Sul, especialmente no Brasil e na Argentina. Foi decidido repassar as duas moções ao Conselho Geral para Missões Internas, o qual recebeu a delegação de atuar em conjunto com o novo presidente do Sínodo, Dr. Franz Pieper. A Convenção também deu ao Conselho a responsabilidade de levar suas decisões ao conhecimento das congregações e levantar os recursos necessários, junto a elas, para o novo empreendimento missionário.[54]
Dr. Franz Pieper, presidente da LCMS durante a convenção de 1899.

A Convenção Sinodal não resolveu iniciar o trabalho missionário na América do Sul como um resultado de algum pedido direto de alguém da América do Sul, como C. H. Warth sugere.[55] Não há evidência para manter a tese de que a decisão da Convenção foi um resultado do pedido de Brutschin.[56] Antes, a Convenção agiu como resultado de um senso de obrigação em relação aos irmãos luteranos alemães que estavam em situação de abandono [espiritual]. Não se deve esquecer que a maioria dos membros do Sínodo de Missouri, na época, era de origem germânica e que a língua falada nessa mesma Convenção era, ainda, a língua alemã.

O pedido do pastor Brutschin
A evidência disponível ao autor leva à conclusão de que, logo após a Convenção Sinodal de 1899, e não antes dela,[57] o Departamento de Missão Interna recebeu uma carta do pastor J. Brutschin, diretamente, ou através do pastor a quem ele havia escrito [solicitando a presença do Sínodo de Missouri].

Na época, Brutschin estava morando em Novo Hamburgo e atendia à congregação de Estância Velha. Já havia anos, ele tinha tido contato com dois pastores do Sínodo de Missouri, dos quais recebia publicações do Sínodo de Missouri e concordava com suas posições teológicas.[58] Já antes de 1899, ele tinha manifestado seu desejo de se tornar um membro deste Sínodo. Em 1899, ele resolveu voltar para a sua terra natal, a Alemanha, por causa da saúde debilitada. Ele não quis deixar sua congregação abandonada nem entregá-la para o Sínodo Unido, o Rio-Grandense. Por causa disso, resolveu solicitar um substituto ao Sínodo de Missouri.[59]

A carta na qual solicitava um substituto foi enviada ao Rev. Rademacher, que era pastor em Staplehurst, Estado de Nebraska.[60] A carta chegou às mãos do Departamento de Missão Interna. Essa solicitação direta levou o Conselho a se reunir com ex-membros e com o presidente do Sínodo, Dr. Franz Pieper, com o objetivo de estabelecer a decisão de que o momento de iniciar o trabalho missionário na América do Sul havia chegado. Duas importantes conferências pastorais consultadas sobre a questão tiveram o mesmo posicionamento.[61]

O pedido direto de Brutschin levou o Sínodo de Missouri a iniciar seu trabalho no Rio Grande do Sul e não em outro local na América do Sul. Assim, precisa ser afirmado que foi um pedido para um substituto que determinou a decisão, e não uma solicitação de dinheiro para um par de mulas (pois as do pastor Brutschin tinham sido roubadas).[62] O pastor Brutschin era uma pessoa qualificada para fazer tal pedido por causa da sua posição e do seu padrão moral.

Além da obrigação que sentiu em relação aos luteranos sem igreja na América do Sul, o Sínodo de Missouri tinha o pedido de Brutschin para legitimar o início do seu trabalho missionário.

Pastor Johann Friedrich Brutschin com sua família. Atuou em São Leopoldo, Dois Irmãos, Estância Velha e Novo Hamburgo.


O suporte financeiro para o início do trabalho
Em novembro de 1899, o Departamento de Missão Interna escreveu um artigo no Der Lutheraner, comunicando às congregações a decisão do Sínodo de iniciar o trabalho no Rio Grande do Sul e incentivando-as a contribuir para o empreendimento. O texto concluía com as seguintes palavras: “Avante! Rumo à missão no Brasil! Deus deu a sua bênção para ela.”[63]

A resposta à convocação foi imediata e acima das expectativas. Antes do final de 1899, o tesoureiro do Distrito Oeste enviou 2 mil dólares para o Conselho iniciar o trabalho missionário no Brasil. Os nomes dos ofertantes nunca foram conhecidos.[64]

O prospector[65]
Ao mesmo tempo, o Conselho para Missões Internas procurava uma pessoa com as qualificações necessárias para a difícil tarefa de fazer um levantamento das oportunidades missionárias no Brasil.[66] Este prospector foi encontrado na pessoa do pastor C. J. Broders.

Broders nasceu no dia 22 de novembro de 1867 em Nova Orleans [EUA]. Formou-se pastor pelo Concordia Seminary [Seminário Concórdia] de Saint Louis, Missouri, em 1891. No mesmo ano, aceitou o chamado para ser pastor em Scranton, no estado do Mississippi.[67] Em 1898, serviu em Cuba como capelão dos Estados Unidos na guerra hispano-americana. Em Havana, procurou iniciar uma missão luterana.[68] Retornou para Scranton e, em janeiro de 1900, aceitou o comissionamento do Departamento de Missão Interna para fazer um levantamento das oportunidades missionárias no Sul do Brasil.[69]

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[1] J. L. Mecham. Church and State in Latin America. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1934, pp. 308.
[2] Ibid., pp. 307, 308.
[3] Ibid., pp. 308.
[4] Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul, Herausgegeben vom Verband deutscher Vereine Porto Alegre. Porto Alegre: Typographia do Centro, 1924. Daqui em diante citada como Hundert Jahre.
[5] Ibid., pp. 95, 543, 545.
[6] Wilhelm Mahler. “Unsere Mission in Suedamerika”. In: Der Lutheraner, LXXI, 6 de julho de 1915, p. 264.
[7] Ibid., p. 264.
[8] Hundert Jahre, pp. 543–545.
[9] Wilhelm Mahler, “Unsere Mission in Suedamerika”, Der Lutheraner, LXXI (31 de agosto de 1915), pp. 340, 341; Hundert Jahre, p. 188.
[10] Ludwig [Fuerbringer]. “Wie steht es mit unserer Mission in Brasilien?”, Der Lutheraner, LXV (24 de julho de 1900), p. 230.
[11] Wilhelm Mahler, “Unsere Mission in Suedamerika”, Der Lutheraner, LXXI (8 de junho de 1915), p. 223.
[12] Hundert Jahre, p. 467.
[13] Ibid., p. 467.
[14] Ibid., p. 127 ss.
[15] Ibid., p. 127 ss.
[16] Ibid., p. 467.
[17] Ibid., p. 468.
[18] Ibid., p. 468.
[19] Ibid., p. 470.
[20] Ibid., p. 469.
[21] C. H. Warth. Novo Hamburgo e a Igreja Luterana. Porto Alegre: Casa Publicadora Concórdia, 1945., p. 12.
[22] Ibid., pp. 8-9.
[23] Ibid., p. 10. Citado de Wilhelm Sihler. Lebenslauf von W. Sihler. Nova Iorque: Lutherischen Verlags-Verein, 1880, II, p. 12 ss.
[24] Ibid., p. 12.
[25] Hundert Jahre, p. 471.
[26] Warth, op. cit., p. 15.
[27] Hundert Jahre, p. 473.
[28] Ibid., pp. 474, 475.
[29] Ibid., pp. 476, 477.
[30] W. Mahler. “Kirchliche Nachrichten”, Evangelisch-Lutherisches Kirchenblatt fuer Suedamerika, I (15 de abril de 1904), p. 94. A partir daqui citado como Kirchenblatt. A edição de 1929 de The Lutheran Churches of the World (editado por A. Th. Jorgensen, F. Fleisch e A. R. Wentz. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1929, p. 383) reconhece a citação e traduz (isto é, não-luterano) deste Sínodo: “Existem três sínodos no Brasil que representam a Igreja Unida (luterana e reformada) da Alemanha. Estes são o Sínodo Geral do Rio Grande do Sul… Luteranos são encontrados nestes grupos, mas o seu número não pode ser afirmado.”
[31] Warth, op. cit., pp. 27–30.
[32] Ibid., pp. 29, 30. Hundert Jahre, pp. 474, 475.
[33] Warth, op. cit., p. 30.
[34] Ibid., pp. 30, 31.
[35] G. St., “Aus Brasilien”, Der Lutheraner, L (30 de novembro de 1894), p. 197.
[36] Warth, op. cit., pp. 30, 31. W. Mahler. “Kirchliche Nachrichten”, Kirchenblatt, I (15 de abril de 1904), p. 94.
[37] J. L. Mecham. Op. cit., pp. 322, 323.
[38] Ibid., p. 323. H. G. James. The Constitutional System of Brazil. Washington: Carnegie Institution of Washington, 1923, pp. 139, 140.
[39] J. L. Mecham, op. cit., p. 326.
[40] H. G. James, op. cit., p. 141.
[41] Ibid., p. 141.
[42] W. G. Polack. The Building of Great Church. 2ª ed., revista e ampliada. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1941, p. 162.
[43] Walter A. Baepler. A Century of Grace. A History of the Missouri Synod – 1847–1947. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1947, p. 179.
[44] Ibid., pp. 179–185. W. G. Polack, op. cit., pp. 165–168.
[45] L. [Fuerbringer]. “Brasilien”, Der Lutheraner, LV (30 de maio de 1899), pp. 98, 99.
[46] L. Fuerbringer. “Geistliche Not in Brasilien”, ibid., I (2 de janeiro de 1894), p. 31.
[47] L. Fuerbringer. “Innere Mission in Suedamerika”, ibid., LV (7 de março de 1899), p. 47.
[48] L. Fuerbringer. “Geistliche Not in Brasilien”, ibid., I (2 de janeiro de 1894), p. 31. G. S[toeckhardt]. “Aus Brasilien”, ibid., L (30 de novembro de 1894), p. 197. L. Fuerbringer, “Ausland”, ibid., LIV (5 de abril de 1898), p. 62. L. Fuerbringer. “Innere Mission in Suedamerika”, ibid., LV (7 de março de 1899), p. 47.
[49] L. “Church news and comment”. The Lutheran Witness, XV (21 de janeiro de 1897), p. 127. “Missionary Department”, ibid., XVI (21 de janeiro de 1898), p. 123.
[50] L. [Fuerbringer], Der Lutheraner, LV (2 de maio de 1899), 83. Ibid., LV (30 de maio de 1899), pp. 98, 99.
[51] Luther-Kalender fuer Suedamerika auf das Jahr 1951, XXI, editado por A. Lehenbauer e P. Schelp. Porto Alegre: Casa Publicadora Concórdia, 1951, p. 40.
[52] Ibid., p. [Schelp], “Doktor H. C. Schwan”, Kirchenblatt, XXXVII (15 de julho e 1 de agosto de 1947), p. 103.
[53] Louis Lochner, Karl Schmidt e C. A. Eseman. “Sollen wir in Suedamerika, sonderlich in Brasilien, das Werk der Inneren Mission in Angriff nehmen?”, Der Lutheraner, LV (28 de novembro de 1899), p. 217.
[54] Vierundzwanzigster Synodalbericht der Allgemeinen deutschen evangelisch-lutherischen Synode von Missouri, Ohio und andern Staaten, versammelt als Neunte Delegatensynode zu Saint Louis, Missouri, im Jahre 1899. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1899, pp. 68, 99.
[55] C. H. Warth. “Igreja Evangélica Luterana”, Enciclopédia Rio-grandense, editada por Klaus Becker. Canoas: Editora Regional, 1957, IV, p. 239.
[56] L. Lochner e outros. Der Lutheraner, LV (28 de novembro de 1899), pp. 217, 218.
[57] Ibid. Cf. C. H. Warth, Enciclopédia Rio-grandense, IV, p. 239.
[58] L. Lochner e outros. Der Lutheraner, LV (28 de novembro de 1899), p. 218.
[59] Ibid., p. 218.
[60] Luther-Kalender fuer Suedamerika auf das Jahr 1951, XXI, p. 40.
[61] L. Lochner e outros. Der Lutheraner, LV (28 de novembro de 1899), p. 218.
[62] Ibid. A história das mulas roubadas, contada em Lutheran Churches of the World, é questionável. Não existe referência anterior a ela do que a relatada pelo Dr. F. C. Streufert. Hanns Lilje e outros. Lutheran Churches of the World. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1957, p. 299. F. C. Streufert. My trip to South America. Saint Louis: Concordia Publishing House, ca. 1948, p. 7.
[63] L. Lochner e outros. Der Lutheraner, LV (28 de novembro de 1899), pp. 217, 218.
[64] F. P. “Innere Mission in Suedamerika.” Ibid., LVI (9 de janeiro de 1900), p. 7. Karl Schmidt, que na época já era membro do Conselho para Missões Internas, escreveu nove anos mais tarde que “um leitor no leste – não conheço o seu nome, Deus o conhece – logo deu $2.000.00”. Karl Schmidt. “Gute Nachrichten fuer Brasilien und Argentinien”, Ibid., LXVII (7 de março de 1911), p. 74.
[65] Este nome é derivado de sua missão: fazer um levantamento para avaliar os prospectos para o trabalho missionário.
[66] L. Lochner e outros. Ibid., LV (28 de novembro de 1899), p. 218.
[67] Microfilme de registro de pastores falecidos do Sínodo de Missouri”, arquivado no Concordia Historical Institute, em Saint Louis, Missouri.
[68] Louis Lochner, K. Schmidt e C. Eseman. “Unsere Mission in Brasilien”. Der Lutheraner, LVIII (1 de outubro de 1901), p. 307.
[69] Louis Lochner. “Innere Mission in Suedamerika”. Ibid., LVI (23 de janeiro de 1900), p. 23.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

O Reformador e a Freira: 500 anos de uma união histórica

Há exatos 500 anos, em 13 de junho de 1525, Martinho Lutero, então com 42 anos, casou-se com Katharina von Bora, uma ex-freira de 26 anos (1499–1552). Na época, esse ato era considerado um “crime” segundo o direito canônico vigente, passível até de pena de morte, e foi visto por muitos como um escândalo. O casamento dos dois durou vinte e um anos e foi abençoado com seis filhos. Após a morte de Lutero, Katharina ainda viveria por mais seis anos.

A decisão de Lutero de se casar com Katharina teve mais motivações teológicas do que românticas. Ele disse ter feito isso para “agradar seu pai, provocar o papa, fazer os anjos rirem e os demônios chorarem.” Katharina foi a única das ex-freiras do convento de Nimbschen que, após fugirem para Wittenberg em abril de 1523, ainda não havia se casado nem encontrado emprego estável. As demais já haviam se estabelecido. Os motivos que levaram Katharina a aceitar o casamento com Lutero intrigam os historiadores até hoje. Ela recusou diversas propostas de casamento, mas confidenciou ao amigo de Lutero, Nicolaus von Amsdorf, que aceitaria se fosse dele — ou de Lutero! No fim, foi Lutero quem a conquistou, apesar das reservas de amigos como Philipp Melanchthon, que tinham dúvidas tanto sobre o casamento em si quanto sobre Katharina.

Naquele 13 de junho, a cerimônia foi simples e privada, com testemunhas como Justus Jonas, JohannesBugenhagen e o casal Lucas e Barbara Cranach. Mais tarde, em 27 de junho, houve uma recepção pública e festiva. O casal passou a viver no antigo mosteiro agostiniano de Wittenberg — conhecido como “Claustro Negro” — que se tornou não apenas o lar da família, mas também hospedaria, hospital e até cervejaria doméstica, tudo organizado com competência por Katharina, mulher de notável talento e energia.

Mas como seria a vida matrimonial dos Lutero? O contexto em que se casaram era bem distinto daquele dos casamentos dos dias de hoje. A vida familiar certamente foi desafiadora: um teólogo ativo e excomungado, considerado criminoso pelo império, casado com uma mulher que vivera a maior parte da vida enclausurada e que agora era lançada aos olhos do mundo.

O que podemos aprender com o casamento de Lutero e Katharina?
Em uma época como a nossa, onde tantos casamentos são desfeitos com facilidade, muitas vezes por razões superficiais ou pela simples busca de conforto individual, o casamento de Lutero e Katharina nos oferece uma lição valiosa.

Eles não entraram no matrimônio buscando perfeição ou facilidades. Enfrentaram pressões externas, limitações internas, dificuldades financeiras e pessoais. Ainda assim, permaneceram firmes, construindo uma vida juntos baseada em compromisso, respeito mútuo e responsabilidade diante de Deus.

Seu exemplo nos lembra que o casamento cristão não é sustentado por emoções passageiras, mas por uma aliança diante de Deus, em que ambos servem um ao outro em amor e paciência. É uma escola onde se aprende diariamente a perdoar, a recomeçar e a confiar que Deus atua até mesmo nas pequenas tarefas do cotidiano.

O lar de Lutero e Katharina não era um palco de perfeição, mas um local onde o evangelho era vivido de forma concreta: no cuidado com os filhos, na administração dos recursos, no acolhimento aos necessitados, e no encorajamento mútuo nas horas de aflição. Ali, fé e vida andavam de mãos dadas.

Nos tempos atuais, precisamos redescobrir a beleza do casamento como vocação. Em vez de vê-lo como uma prisão ou um contrato frágil, somos chamados a enxergá-lo como um presente de Deus, no qual crescemos, amadurecemos e testemunhamos Cristo em nosso viver diário.

Que o exemplo de Lutero e Katharina nos inspire a valorizar nossos lares e a viver nossos casamentos com coragem, fidelidade e esperança. Que sejamos, como eles, testemunhas do amor de Deus também dentro de casa.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Quarta-feira de Páscoa (23 de abril de 2025)

Celebração da Santa Ceia na Igreja Luterana Bom Pastor em Palmar Arriba, República Dominicana - 20/04/2025

Ainda estamos celebrando a Páscoa do Senhor: este tempo de alegria e vitória, no qual a Igreja proclama: Cristo ressuscitou! Aleluia! Dentro dessa grande celebração, hoje comemoramos a Quarta-feira de Páscoa, e a liturgia da Palavra nos conduz a reconhecer a presença viva do Senhor Jesus, que continua alimentando seus discípulos e lhes concedendo vida com Deus.

No Evangelho segundo São João, vemos Jesus aparecendo aos discípulos pela terceira vez depois da ressurreição (João 21.1,14). Ele se manifesta na margem do mar de Tiberíades, onde os discípulos haviam voltado a pescar. Após uma noite inteira sem sucesso (João 21.3), uma simples ordem de Jesus muda tudo: “Lancem a rede do lado direito do barco” (João 21.6). Eles obedecem e a rede se enche de peixes. Diante disso, o discípulo amado diz com convicção: “É o Senhor!” (João 21.7).

Esse reconhecimento não acontece apenas com os olhos, mas com o coração cheio de fé. O mesmo Jesus que havia alimentado multidões no passado (cf. João 6.1-13), agora prepara pão e peixe sobre brasas (João 21.9), e convida: “Venham comer” (João 21.12). É um gesto cheio de amor, cuidado e comunhão. O Ressuscitado se faz presente e serve aos seus, restaurando a confiança e o vínculo com Ele.

Mas essa comunhão com Cristo está sempre unida ao chamado ao arrependimento. Em Atos dos Apóstolos, ouvimos Pedro pregando com clareza e coragem: “Vocês negaram o Santo e o Justo e pediram que fosse solto um assassino. Vocês mataram o Autor da vida, a quem Deus ressuscitou dentre os mortos” (Atos 3.14–15). Mas ele também anuncia com firmeza: “Deus, assim, cumpriu o que tinha anunciado anteriormente pela boca de todos os profetas: que o seu Cristo havia de padecer” (Atos 3.18). E diante dessa graça, ele convida: “Arrependam-se e se convertam, para que sejam cancelados os seus pecados” (Atos 3.19).

A nova vida que recebemos na Páscoa tem um centro: Jesus Cristo. Ele não apenas apareceu no passado, mas continua se manifestando no presente, por meio da sua Palavra e dos seus Sacramentos. Como diz São Paulo aos Colossenses: “Portanto, se vocês foram ressuscitados juntamente com Cristo, busquem as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus” (Colossenses 3.1). E ele continua: “Porque vocês morreram, e a vida de vocês está oculta juntamente com Cristo, em Deus” (Colossenses 3.3).

Essa verdade se reflete também na liturgia da Santa Ceia, quando o pastor convida: “Levantai os vossos corações!” e a assembleia responde: “Levantemo-los ao Senhor!” Essa não é apenas uma expressão simbólica, mas uma realidade espiritual: pela fé, somos elevados à presença de Cristo, onde ele mesmo nos alimenta com seu verdadeiro corpo e sangue. Ele continua se doando a nós — assim como naquela manhã à beira do mar.

Como o apóstolo Paulo escreveu: “Isto é o meu corpo, que é dado por vocês; façam isto em memória de mim. [...] Este cálice é a nova aliança no meu sangue; façam isto, todas as vezes que o beberem, em memória de mim” (1Coríntios 11.24–25). A Ceia do Senhor é comunhão real com o Cristo ressuscitado, que nos perdoa, nos fortalece e nos dá a vida eterna.

O Senhor ressuscitado está presente hoje na sua Igreja. Ele continua chamando ao arrependimento, oferecendo perdão, servindo com sua graça, e fortalecendo com sua vida. Por isso, com fé, colocamos nosso coração em Cristo e buscamos as coisas do alto, onde Ele vive e reina para sempre (Colossenses 3.1–4).

Como afirma o salmo deste dia: “Não morrerei; pelo contrário, viverei e contarei as obras do Senhor” (Salmo 118.17). Cristo vive! E porque Ele vive, também nós vivemos. Aleluia!

ORAÇÃO DO DIA
Todo-poderoso Deus, que pela gloriosa ressurreição de teu Filho Jesus Cristo destruíste a morte e trouxeste à luz a vida e a imortalidade, concede que nós, que ressuscitamos com ele, possamos habitar em sua presença e exultar na esperança da glória eterna; através do mesmo Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

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terça-feira, 22 de abril de 2025

O Círio Pascal: a luz do Cristo ressuscitado na Liturgia Luterana

Um dos símbolos mais expressivos da liturgia pascal cristã é o Círio Pascal, a grande vela que representa Cristo, a luz do mundo (Jo 8.12). Ele aparece com destaque na noite da Vigília Pascal, a mais importante celebração do ano cristão, marcando a transição das trevas da morte para a luz da ressurreição. Como a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) não possui uma liturgia própria oficial para a Vigília Pascal — tradição que historicamente não tem sido amplamente observada entre nós —, utilizo aqui como referência a forma litúrgica empregada por nossa igreja-irmã, a Lutheran Church—Missouri Synod (LCMS).

A Vigília Pascal se inicia fora da igreja, após o pôr do sol do Sábado Santo. A congregação se reúne em um ambiente escurecido, e uma chama é preparada previamente. Ao contrário de outras tradições litúrgicas, não se realiza bênção do fogo na liturgia luterana, mas a vela pascal é acesa a partir de uma chama nova, sinal de renovação e vida.

Antes de acender a vela, o pastor grava sobre ela uma cruz e diz: “Cristo Jesus, o mesmo ontem, hoje e eternamente, o princípio e o fim” (cf. Hb 13.8). Em seguida, traça as letras gregas Alfa e Ômega, proferindo: “O Alfa e o Ômega”, e inscreve o ano atual entre os braços da cruz: “Dele são o tempo e a eternidade; dele é a glória e o domínio, agora e para sempre.” Então, insere-se na vela cinco cravos de cera, que podem conter grãos de incenso, simbolizando as cinco chagas de Cristo crucificado. Como resume Lang: “No centro e em cada extremidade da cruz afixam-se cravos de cera para simbolizar as cinco feridas de Cristo” (Lang, Manual da Comissão de Altar, p. 28).

O Círio é então aceso e conduzido em procissão solene para dentro da igreja escurecida. Durante a procissão, o portador proclama por três vezes: “A luz de Cristo!”, e a assembleia responde com fé: “Demos graças a Deus!”. Essas proclamações marcam a entrada progressiva da luz de Cristo ressuscitado na escuridão do mundo. Conforme a tradição, elas ocorrem na entrada, no meio do templo e junto ao altar. Nesse momento, os fiéis acendem suas velas a partir do Círio, formando uma cadeia de luz que simboliza a propagação da fé e da vida em Cristo.

Uma vez colocado em seu suporte diante do altar, canta-se o Precônio Pascal (Exsultet), hino antigo que exalta a vitória de Cristo sobre as trevas. Timothy Maschke descreve o Círio como “uma coluna luminosa que conduz o povo de Deus para o céu”, fazendo eco à coluna de fogo que guiava Israel no deserto (Maschke, Gathered Guests, p. 223). O canto proclama que “a antiga escuridão foi banida para sempre” e pede que “Cristo, a verdadeira luz e estrela da manhã, brilhe em nossos corações”.

É recomendado que o Círio Pascal seja novo a cada ano, como sinal da nova criação que se inicia com a ressurreição de Cristo (LSB Altar Book, p. 529), mas nada impede que se reutilize o Círio Pascal do ano anterior. Nele devem estar presentes os elementos essenciais: a cruz, o ano corrente, as letras Alfa e Ômega e os cinco cravos. Elementos adicionais podem ser usados com moderação, como pequenas decorações litúrgicas, inscrições bíblicas ou ornamentação simbólica, como por exemplo, imagens do cordeiro pascal, videira ou trigo, contanto que não obscureçam a centralidade do símbolo. Contudo, como bem destaca Lang: “Esse símbolo pascal deve expressar sua mensagem por si mesmo” (Lang, op. cit., p. 28). Sua simplicidade e sobriedade comunicam de modo mais direto a verdade da fé: Cristo ressuscitou!

É importante enfatizar que o uso do Círio Pascal não é obrigatório na tradição luterana, mas é uma grande oportunidade catequética e litúrgica para enriquecer a celebração da Páscoa e aprofundar a compreensão da fé cristã por meio de sinais visíveis que proclamam o Evangelho. O Círio Pascal remonta aos primeiros séculos do cristianismo ocidental, como símbolo da luz de Cristo ressuscitado. Segundo Frank Senn, sua prática se desenvolveu principalmente nas igrejas latinas e gálicas, sendo incorporada às celebrações da Páscoa por meio da liturgia da luz, o antigo lucernarium das Vésperas (Senn, Christian Liturgy: Catholic and Evangelical, p. 214).

Durante o Tempo Pascal, que se estende até a festa da Ascensão, o Círio permanece aceso em todas as celebrações. No culto da Ascensão, ao ser lido Marcos 16.19 (“foi recebido no céu e sentou-se à direita de Deus”), o Círio é apagado, marcando a ascensão visível do Senhor, embora sua luz permaneça espiritualmente presente entre os fiéis, por meio da Palavra e dos Sacramentos.

Após esse período, o Círio passa a ocupar lugar junto à pia batismal, sendo usado nas celebrações de Batismo, Confirmação e nos ritos fúnebres (quando realizados no templo). Quando um cristão é batizado, acende-se uma vela a partir do Círio e entrega-se ao batizando com as palavras: “Receba esta luz ardente, sinal de que você recebeu Cristo, luz do mundo. Viva sempre na luz de Cristo.” Esse gesto remonta à tradição da Igreja antiga, como aponta Senn: “O Círio Pascal era já abençoado nas igrejas da África, Espanha, Gália e Itália nos séculos IV e V”, sendo usado nos ritos de iniciação cristã (Senn, op. cit., p. 214).

Nos funerais cristãos, o Círio aceso simboliza que o batizado permanece na luz de Cristo mesmo na morte. O Círio está presente no começo da vida cristã e também no fim, como sinal da promessa cumprida: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá.” (Jo 11.25).

O simbolismo do Círio é amplamente escatológico. Ele aponta para a luz eterna da nova criação, já presente em Cristo ressuscitado, mas ainda aguardando sua plena manifestação na glória futura. Como ensina São Paulo: “Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará.” (Ef 5.14). Toda vez que acendemos uma vela a partir do Círio, somos lembrados de que fomos feitos filhos da luz, chamados a refletir essa luz no mundo, vivendo com sobriedade, fidelidade e esperança.

O Círio Pascal não é apenas uma vela litúrgica; ele é uma pregação visível do Evangelho. Sua luz que brilha na escuridão testemunha a realidade da ressurreição. Ele representa Cristo vivo entre nós, conduzindo seu povo, iluminando o caminho, chamando-nos à fé e à vigilância. A cada ano, ao vê-lo aceso, somos convidados a renovar nossa confiança em Cristo, a fonte da verdadeira luz, e a confessar com a Igreja de todos os tempos: Cristo ressuscitou! Ele realmente ressuscitou! Aleluia!

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes

BIBLIOGRAFIA:
LANG, P. H. D. Manual da Comissão de Altar. IELB: Porto Alegre, 1987.
LCMS – Lutheran Church—Missouri Synod. Lutheran Service Book: Altar Book. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2006.MASCHKE, Timothy H. Gathered Guests: A Guide to Worship in the Lutheran Church. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2003.
SENN, Frank C. Christian Liturgy: Catholic and Evangelical. Minneapolis: Fortress Press, 1997.

O TEMPO DE PÁSCOA: O Período Pascal


O período Pascal inicia com a oração da noite no Sábado de Aleluia e encerra com a oração do meio-dia no Pentecostes. A celebração da Páscoa corresponde à nova vida celebrada na ressurreição de Cristo dos mortos e à nossa ressurreição nele no Batismo. É a festa mais rica do Ano Eclesiástico. As congregações têm a opção de realizar um Culto ao amanhecer, relembrando a surpresa das mulheres ao visitarem o túmulo vazio de Cristo, assim como Cultos que celebram a ressurreição de Jesus Cristo. A alegria da ressurreição continua durante a oitava da Páscoa, quando a alegria da ressurreição de Cristo ecoa por oito dias. Durante esse período de oito dias, os catecúmenos na igreja antiga recebiam a catequese sobre os mistérios do Batismo e da Santa Ceia. Assim como Epifania continua o clímax do Natal, o período da Páscoa mantém viva a celebração pascal, e durante os “grandes cinquenta dias” da Páscoa até Pentecostes - 7x7 = 49 +1 = 50 – onde a igreja vive em seu destino escatológico ao celebrar a ressurreição de Jesus. Sete vezes sete é o número da perfeição, e um dia adicional é a indicação da eternidade. (JUST, 2008, p.217).

A Páscoa é uma celebração de vitória, um momento para todos os cristãos proclamarem corajosamente sua fé no Salvador ressuscitado e vitorioso. Para os primeiros cristãos, a Páscoa não era apenas um dia, era (e é) período que também inclui a celebração da ascensão de Jesus. A celebração da ascensão de Jesus ao céu interrompe esta festa pascal de cinquenta dias, mas isso apenas realça o significado da ressurreição de Cristo. Sua ascensão é o passo final em seu ascenso desde a tumba até o céu, onde eleva nossa natureza humana à sua direita, e nossa humanidade ocupa o trono com ele no céu. A festa da Ascensão era observada pelo menos desde o quarto século, sempre no espírito de alegria, como uma comemoração da conclusão da obra redentora de Cristo. A Igreja Romana utiliza uma cerimônia simbólica: após a leitura do Evangelho, o círio pascal, cuja luz durante os quarenta dias representou a presença do nosso Senhor no meio de seus discípulos, é apagada (REED, 1947, p.514)

A cor para a Páscoa é branca, simbolizando perfeição, celebração e alegria. A cor alternativa para a Páscoa é o dourado, a cor da riqueza e da glória. Se houver paramentos dourados disponíveis, eles devem ser usados apenas no Domingo de Páscoa. A cor branca continua ao longo do período pascal, incluindo a Festa da Ascensão, até a Véspera de Pentecostes, quando os paramentos são trocados para vermelho.

Terça-feira de Páscoa (22 de abril de 2025)


Hoje celebramos a terça-feira da Páscoa e nos alegramos porque o Cristo ressuscitado vive e reina, e sua vitória nos alcança aqui e agora.

O Salmo 118, que serve como intróito para este dia, nos dá o tom: “Não morrerei; pelo contrário, viverei e contarei as obras do Senhor.” (Sl 118.17). A fé do salmista é a mesma fé dos três jovens da Babilônia, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Diante da fornalha ardente e da ameaça de morte, preferiram entregar seus corpos à morte do que trair ao Deus vivo (Dn 3.28). E o Senhor, em sua fidelidade, não os abandonou: “Estou vendo quatro homens soltos, andando no meio do fogo! Não sofreram nenhum dano! E o aspecto do quarto é semelhante a um filho dos deuses” (Dn 3.25). Uma bela figura do Senhor Jesus, que caminha com os seus até mesmo nas fornalhas da aflição.

Esses jovens são exemplos de fé firme diante da perseguição e da idolatria, e apontam para aquele que também confiou plenamente no Pai, entregou seu corpo à morte e foi ressuscitado gloriosamente ao terceiro dia. Como ensina o apóstolo Pedro, tudo isso aconteceu para que em seu nome se pregasse o arrependimento para remissão de pecados (Lc 24.47).

A mensagem pascal de hoje continua ecoando: “Deus o ressuscitou dentre os mortos” (At 13.30) e, por isso, “nós anunciamos a vocês o evangelho da promessa feita aos nossos pais” (At 13.32). Essa promessa foi cumprida plenamente em Jesus. Ele é o Filho gerado pelo Pai (Sl 2.7), coroado de glória e honra (Sl 8.6), e nos dá refúgio seguro na sua vitória.

O Evangelho segundo Lucas relata que, após a ressurreição, Jesus apareceu no meio dos discípulos e declarou: “Que a paz esteja com vocês!” (Lc 24.36). Mesmo assustados, cheios de dúvida, os discípulos recebem de Jesus o testemunho vivo da vitória sobre a morte. Ele mostra suas mãos e seus pés, come diante deles e os instrui nas Escrituras, dizendo: “Era necessário que se cumprisse tudo o que está escrito a respeito de mim” (Lc 24.44).

Hoje, esse mesmo Senhor continua a aparecer no meio de sua Igreja. Ele continua enviando seus ministros, como os apóstolos, com “a palavra desta salvação” (At 13.26). Eles são “as mãos e os pés” de Cristo no mundo, portadores do Evangelho, revestidos com o Espírito da promessa, proclamando a remissão dos pecados e concedendo a paz do Senhor, pela Palavra e pelos Santos Sacramentos.

Portanto, continuemos celebrando com fé e alegria este tempo pascal. O Cristo ressuscitado está conosco. Ele nos livra das fornalhas e nos dá vida, e vida eterna. Não morremos, mas vivemos, e por isso contaremos as obras do Senhor!

segunda-feira, 21 de abril de 2025

A Oitava da Páscoa – Oito dias de alegria na Ressurreição


Você sabia que a festa da Páscoa não se limita apenas ao Domingo da Ressurreição? Pois é! Ela continua durante toda esta semana, enquanto celebramos a Oitava da Páscoa, oito dias vividos como um único e grande Domingo, em honra à vitória do nosso Senhor sobre o pecado, a morte e o inferno. Cada dia da Oitava é celebrado com a mesma alegria e reverência do Domingo de Páscoa, pois a ressurreição de Jesus é o evento extraordinário que transformou a história humana para sempre.

A Igreja antiga compreendia isso tão profundamente que os recém-batizados, os neófitos, vestiam-se de branco durante toda a Oitava, participando das celebrações diárias e ouvindo as chamadas homilias mistagógicas, sermões especiais em que os bispos explicavam os significados espirituais e sacramentais do Batismo, da Eucaristia e da nova vida em Cristo. “Durante a Octava da Páscoa, os recém-batizados iam à igreja todos os dias, vestindo suas novas vestes brancas e ficando juntos num lugar especial” (Frank C. Senn, Christian Liturgy). Era um tempo de profunda instrução e comunhão, e até mesmo perguntas podiam ser feitas aos bispos durante as homilias, algo raro e precioso no contexto litúrgico da época.

O Segundo Domingo de Páscoa, também chamado de Domingo in Albis, marca o encerramento solene da Oitava. Era neste dia que os neófitos retiravam suas vestes brancas e se misturavam à comunidade dos fiéis. Santo Agostinho, numa de suas homilias, advertia-os com seriedade: agora que entraram na Igreja visível, é preciso escolher entre “estar entre as ovelhas ou entre os bodes”, pois no rebanho visível há de tudo: “ovelhas, bodes e lobos”. Este dia também é conhecido por alguns como Pascoela, isto é, pequena Páscoa, para enfatizar que toda a Oitava continua sendo um eco glorioso do Domingo da Ressurreição.

Infelizmente, o mundo já esqueceu a sua “páscoa”. O mercado, e todos os que o idolatram, já trocaram os ovos e coelhos por liquidações e novas campanhas de consumo. Mas a Páscoa de Jesus continua viva na cristandade! A Igreja permanece firme na celebração do Cristo ressuscitado, pois sabe que a ressurreição não é uma data no calendário, mas uma nova realidade inaugurada pelo próprio Filho de Deus. “Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem” (1Co 15.20).

Nos países outrora majoritariamente luteranos, como a Alemanha e os países nórdicos, segunda e terça-feira de Páscoa eram feriados, permitindo que o povo vivesse a Oitava com a devida dignidade, sem pressa e com profundo senso de santidade.

A celebração pascal, no entanto, não se limita à Oitava. Temos ainda cinquenta dias no calendário da Igreja que conduzem até o Pentecostes, todos marcados pela alegria pascal. Nesse tempo, os paramentos brancos permanecem nos altares, o Aleluia é entoado com entusiasmo, e a proclamação do Evangelho ressoa com força e esperança. Toda a liturgia grita: Cristo ressuscitou! Aleluia!

Essa prática encontra raízes antigas. Antes mesmo de a Páscoa ser celebrada anualmente, como foi regulamentado no Concílio de Niceia, em 325, ao definir que a Páscoa deveria ser no primeiro domingo após a primeira lua cheia da primavera, os cristãos já celebravam a ressurreição de Cristo todos os domingos. O domingo cristão nasceu da vitória de Cristo sobre a morte. Cada celebração dominical é uma pequena Páscoa.

Mas a mensagem vai além da liturgia. A Páscoa se estende para o nosso cotidiano. A ressurreição de Jesus é um evento contínuo em nossa vida de fé. Como diz o evangelista João: “Estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenham vida em seu nome” (Jo 20.31). Ou seja, a vitória de Cristo sobre a morte é também a nossa vitória, e não apenas um fato do passado, é nossa herança viva e presente.

Leituras para a Segunda-feira de Páscoa (Conforme Lecionário da IELB)
INTRÓITO: Salmo 78.13-15,24-25; antífona Salmo 78.4
PRIMEIRA LEITURA: Êxodo 15.1-18 ou Daniel 12.1c-3
SALMODIA: Salmo 100 (antífona vers. 5)
GRADUAL: Adapt. de Mateus 28.7; Hebreus 2.7; Salmo 8.6
SEGUNDA LEITURA: Atos 10.34-43 ou 1Coríntios 5.6b-8
VERSO: 2Timóteo 1.10b
SANTO EVANGELHO: Lucas 24.13-35 (36-49)
ORAÇÃO DO DIA: Ó Deus, que na festa da Páscoa restauraste toda a criação, continua a enviar teus dons celestiais sobre o teu povo para que possamos caminhar em perfeita liberdade e receber vida eterna; através de Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

domingo, 20 de abril de 2025

Devoção para o Domingo da Ressurreição - 20/04/2025


DOMINGO DE PÁSCOA
“Ele não está aqui — a vitória é sua!”

“Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que vive? 
Ele não está aqui, mas ressuscitou.” (Lucas 24.5-6)

Cristo ressuscitou!
Ele realmente ressuscitou! Aleluia!

Hoje é o dia mais alegre da fé cristã. O túmulo está vazio. A pedra foi removida. Cristo vive. E, com ele, também a nossa esperança. O anúncio dos anjos às mulheres naquela manhã ainda ecoa em nossos ouvidos: “Ele não está aqui. Ressuscitou!”

A Páscoa não é apenas a lembrança de um milagre passado — é o anúncio presente de uma nova realidade. A ressurreição de Jesus mudou tudo. Ela não apenas deu fim ao sábado de silêncio, mas inaugurou o primeiro dia de um novo tempo. Um novo céu. Uma nova terra. Uma nova criação. A ressurreição de Jesus é o começo de tudo o que é verdadeiramente novo (Isaías 65.17).

As mulheres foram ao túmulo com tristeza, embora já soubessem o que Jesus havia dito. Ele falou abertamente sobre sua morte e sua ressurreição. Mas ainda assim, elas carregaram perfumes. Esperavam um corpo. Não creram na promessa. E ali, no jardim do túmulo, ouviram dos anjos uma pergunta que ecoa até hoje: “Por que vocês procuram entre os mortos aquele que vive?”

Essa pergunta também é para mim. E para você. Por que tantas vezes vivemos como se Jesus ainda estivesse no túmulo? Por que tememos como se a morte ainda tivesse a última palavra? Por que nos entristecemos como se o pecado ainda nos condenasse?

A verdade é essa: Ele vive. Ele está conosco. Ele reina. O túmulo está vazio, e nós estamos cheios de vida, cheios de esperança. Porque a ressurreição de Jesus é nossa ressurreição. Como São Paulo escreveu: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé.” (1Co 15.17). Mas ele ressuscitou! E por isso nossa fé é viva.

E por isso também nos reunimos hoje à sua mesa. A Ceia do Senhor, que foi instituída na noite da traição, agora é celebrada com a alegria da vitória. Hoje, o Cordeiro que foi morto se levanta para nos servir. O mesmo Corpo que foi cravado na cruz, agora nos é dado ressuscitado. O mesmo Sangue que foi derramado para nos perdoar, agora nos é oferecido como vinho de vida.

Na Ceia, Cristo nos toca com a sua ressurreição. Na Ceia, ele nos convida a viver da vitória. E é por isso que, mesmo vivendo em um mundo ainda marcado pela dor, nós celebramos. Porque a ressurreição já começou. A nova criação já chegou. E um dia, essa vitória será visível aos olhos de todos.

Hoje é Páscoa. O Cristo ressuscitou. Ele não está mais no túmulo. Ele está com você. Ele vai adiante de você. Ele te chama pelo nome. E te dá, hoje e sempre, o dom da vida eterna.

Oremos: Senhor Jesus, hoje é o dia da tua vitória. A pedra foi removida. A morte perdeu. O túmulo está vazio. Tu ressuscitaste — e por isso eu tenho vida. Louvado sejas por tua fidelidade, por tua promessa cumprida, por teu amor sem fim.
    Perdoa-me por tantas vezes viver como se tu ainda estivesses morto. Renova hoje em mim a fé na tua ressurreição. Abre os meus olhos para reconhecer que tu estás comigo — não só no céu, mas também na tua Palavra, no Batismo, e na Santa Ceia.
    Alimenta-me com tua presença viva. Enche-me da alegria pascal. Dá-me força para viver como alguém que já pertence à nova criação, e coragem para testemunhar que tu vives — e porque tu vives, eu também viverei. Amém.

Leituras designadas para a Festa da Ressurreição de Nosso Senhor:
📖Primeira Leitura: Isaías 65.17-25
🎶Salmodia: Salmo 16
📖Segunda Leitura: 1Coríntios 15.19-26
✝️ Santo Evngelho: São Lucas 24.1–12

sábado, 19 de abril de 2025

Devoção para o Sábado Santo - 19/04/2025


SÁBADO SANTO
“Quando Deus está em silêncio, ele ainda está agindo”

“E, no sábado, descansaram, segundo o mandamento.” (Lucas 23.56)

O Sábado Santo é, por excelência, o dia do silêncio. Jesus está morto. Seu corpo repousa no túmulo. As vozes que antes proclamavam Hosana agora se calaram. A terra, que tremeu na sexta-feira, parece agora quieta. Mas o que esse silêncio significa?

Muitos de nós temos dificuldades com os momentos silenciosos de Deus. Quando ele não responde como esperamos, quando as orações parecem não passar do teto, quando o mundo continua sofrendo... parece que ele está ausente. Mas o Sábado Santo nos ensina algo profundo: Deus pode estar em silêncio, mas nunca está inativo.

Na verdade, é justamente no silêncio do túmulo que a promessa da ressurreição se prepara. É na escuridão da terra que a semente morre para, no tempo certo, brotar em vida. Como Daniel na cova dos leões, Jesus também desce ao mais profundo — não como um condenado culpado, mas como o justo que entrega a vida e a tomará de volta.

Enquanto o corpo de Jesus repousa, o céu não está em pausa. A redenção está em andamento. Os inimigos tentam impedir a ressurreição com pedras, selos e soldados — mas nenhum esforço humano pode conter o plano divino. Jesus havia dito que voltaria, e voltará. Os discípulos, ainda sem entender, “no sábado, descansaram, segundo o mandamento.” (Lc 23.56). Descansaram, confiando na Palavra, mesmo sem ver.

Também nós, em nossos próprios “sábados santos”, somos chamados a confiar. Nos dias escuros, quando tudo parece perdido, quando Deus se cala — ali, mesmo ali, Ele está operando. O silêncio de Deus nunca é o fim. É apenas o intervalo antes da glória.

Oremos: Senhor, ensina-me a confiar em ti mesmo quando tudo parece quieto e parado. Ajuda-me a lembrar que teu silêncio não é abandono, mas preparação. Dá-me paz no tempo de espera e esperança na promessa da ressurreição. Em nome de Jesus. Amém.

+ Rev. Filipe Schuambach Lopes
Devoção elaborada para o Departamento de Comunicação da IELB,
com vistas à produção de cards para redes sociais (Instagram).