terça-feira, 7 de outubro de 2025

A rubrica esquecida: a reverência na recitação do Credo


A reverência na confissão de fé
Existe uma antiga rubrica litúrgica, isto é, uma orientação de culto que indica o modo como a congregação e o ministro participam das partes sagradas da liturgia, que ao longo das décadas foi sendo esquecida em muitas comunidades: a reverência durante a confissão de fé.

O culto cristão é repleto de rubricas que educam a nossa piedade e ordenam a participação de todos. Levantar-se para a leitura do Santo Evangelho é uma rubrica que expressa honra à voz de Cristo que fala nas Escrituras. O gesto do pastor voltar-se ao altar para exercer o seu ofício sacerdotal, em oração e intercessão, e voltar-se à congregação para exercer o seu ofício profético, proclamando e ensinando, também é uma rubrica. Fazer o sinal da cruz em lembrança do santo batismo nas declarações trinitárias, ao invocarmos o nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, é outra rubrica que confessa com o corpo aquilo que cremos com o coração.

Essa prática se refere ao momento em que recitamos as palavras do Credo, seja o Credo Apostólico, seja o Credo Niceno, ambos usados regularmente em nossos cultos. Achei importante trazer esse tema porque, para nós, cristãos luteranos, confessar a fé é algo tão comum e tão presente no culto e na vida diária que corremos o risco de simplesmente repetir as palavras sem perceber o que estamos dizendo.

A confissão de fé não é uma mera recitação mecânica, mas um ato de adoração. Cada frase do Credo é uma declaração viva de fé no Deus que se revelou em Cristo. E foi justamente refletindo sobre isso que encontrei essa antiga rubrica, que nos convida a uma atitude de corpo e coração, um gesto de reverência, quando pronunciamos um ponto muito especial da nossa confissão: o mistério da encarnação.

Durante séculos, a Igreja ensinou os fiéis a fazer uma pequena inclinação ao dizer, no Credo Niceno: “o qual por nós, homens, e pela nossa salvação, desceu do céu e se encarnou pelo Espírito Santo na virgem Maria e foi feito homem”; e, no Credo Apostólico: “o qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria”.

Esse gesto não é mero formalismo, mas um ato de fé corporal, um sinal visível de respeito e adoração diante do insondável amor de Deus, que se fez homem por nós.

A própria Bíblia nos ensina essa postura de reverência. No Salmo 95.6 está escrito: 
“Venham, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do Senhor que nos criou.”
Aqui vemos claramente que o ajoelhar-se e o prostrar-se são expressões externas de uma fé interna. São gestos que nascem do reconhecimento da grandeza de Deus e da gratidão pela sua presença entre nós.

Quando a Igreja se ajoelha ao confessar que o Filho de Deus se encarnou, ela está fazendo o que o salmista convida: adorar, prostrar-se e reconhecer que o próprio Criador veio habitar entre suas criaturas. É um gesto simples, mas profundamente teológico, porque expressa com o corpo aquilo que cremos com o coração: o Verbo se fez carne e habitou entre nós (João 1.14).

A prática
As fontes históricas não são unânimes quanto à forma exata da reverência que deve ser feita durante a confissão de fé. No rito romano, a rubrica tradicional descreve uma genuflexão lenta, na qual o joelho direito toca o chão nas palavras homo factus est (“e foi feito homem”), retornando à posição ereta de maneira igualmente lenta (Fortescue, The Ceremonies of the Roman Rite, p. 49). Essa prática se baseia em uma rubrica latina da Idade Média, oficialmente reconhecida em 1502. Ainda que não se saiba há quanto tempo era usada antes disso, o fato de ter sido aceita de modo orgânico, segundo o Cânon de Vicente de Lérins — “o que foi crido em todos os lugares, sempre e por todos” — indica que esse gesto de reverência já era amplamente difundido muito antes dessa data (Reid, The Organic Development of the Liturgy).

Entre os anglicanos, a tradição estabeleceu uma inclinação profunda do corpo em todos os dias, exceto na Missa do Dia de Natal, quando se faz uma genuflexão completa em substituição à inclinação (Lamburn, Ritual Notes, p. 51–83).

Os luteranos, por sua vez, conservaram uma forma equilibrada entre essas tradições, enfatizando sobretudo o gesto de reverência. O próprio Martinho Lutero faz referência a essa prática em um de seus sermões de Vésperas de sábado sobre o Evangelho de João, pregado em 1537: “E quando a congregação chegava às palavras ‘nascido da virgem Maria e feito homem’, todos faziam uma reverência e retiravam o chapéu.” (Luther’s Works, vol. 22, p. 102)

O historiador Ernst Zeeden registra um episódio semelhante: 
“Pode-se mencionar, neste contexto, que quatro meninos faziam uma reverência diante do altar na igreja do castelo de Mansfeld durante as palavras ‘e foi feito homem’ (homo factus est), a fim de defender a fé contra o erro flaciano.” (Faith and Act, p. 21)
Zeeden observa ainda que essa prática também aparece na ordem eclesiástica de Hoya de 1572, embora sem menção explícita quanto à postura do celebrante, diácono, subdiácono ou povo.

Já a ordem eclesiástica de Braunschweig-Wolfenbüttel, preparada por Martim Chemnitz e Jacob Andreae, não traz instruções além de indicar que o Credo deve ser recitado ou cantado, podendo ser substituído pelo hino de Lutero Wir glauben all an einen Gott (“Cremos todos em um só Deus”). Da mesma forma, a agenda litúrgica de Löhe não apresenta rubricas adicionais, apenas orientando que o Credo seja dito ou cantado.

No contexto da Igreja Luterana Ocidental, três manuais rubricais de grande relevância mencionam explicitamente essa prática. Paul H. D. Lang escreve que o celebrante e seus assistentes
 “devem inclinar-se ou ajoelhar-se quando são ditas as palavras do Credo Niceno: ‘E se encarnou pelo Espírito Santo... e foi feito homem’, expressando reverente admiração pela graça de Deus em tornar-se homem para redimir-nos.” (Ceremony and Celebration, p. 62)
Lang também descreve o gesto dos fiéis durante a confissão de fé: 
“Ao recitar o Credo Niceno, o fiel pode inclinar a cabeça nas palavras ‘Deus’, ‘Jesus Cristo’ e ‘adorado e glorificado’. Mas, nas palavras ‘e foi feito homem’, pode fazer uma inclinação mais profunda, como sinal de respeito e adoração.” (Ceremony and Celebration, p. 111)
De modo semelhante, Arthur Carl Piepkorn, em Conduct of the Service, orienta:
“O celebrante pode inclinar-se a partir da cintura nas palavras ‘e se encarnou’ e permanecer inclinado até as palavras ‘foi crucificado também por nós’; volta à posição ereta antes das palavras ‘sob Pôncio Pilatos’. Em algumas partes da Igreja da Confissão de Augsburgo, o celebrante apoiava as pontas dos dedos sobre o corporal e fazia uma leve reverência desde as palavras ‘e se encarnou’ até ‘e foi feito homem’.” (Conduct of the Service, p. 19)
Charles McClean, em Conduct of the Services, ecoa Piepkorn: 
“O celebrante pode inclinar-se a partir da cintura nas palavras ‘e se encarnou’ e permanecer inclinado até as palavras ‘foi crucificado também por nós’; volta a ficar ereto antes das palavras ‘sob Pôncio Pilatos’.” (Conduct of the Services, p. 41)
Embora as fontes variem quanto às instruções específicas, todas convergem em um ponto essencial: manifestar reverência diante do mistério da encarnação é melhor do que permanecer imóvel e indiferente. Seja uma leve inclinação da cabeça, uma inclinação mais profunda do corpo ou, em algumas tradições, uma genuflexão, todos esses gestos expressam respeito, adoração e humildade diante do mistério do Deus que se fez homem.

O próprio Lutero reforça esse espírito em uma história ilustrativa narrada na mesma série de sermões sobre o Evangelho de João:
“Conta-se a história de um homem rude e grosseiro que, ao ouvir as palavras ‘e foi feito homem’ sendo cantadas na igreja, permaneceu em pé, sem fazer qualquer gesto de reverência nem retirar o chapéu. Não demonstrou respeito algum, ficando imóvel como uma pedra. Enquanto todos os demais se inclinavam devotamente ao confessar o Credo Niceno, o diabo aproximou-se dele e lhe deu um golpe tão forte que sua cabeça girou. E o amaldiçoou terrivelmente, dizendo: ‘Que o inferno te consuma, seu bruto! Se Deus tivesse se tornado um anjo como eu, e a congregação cantasse “Deus foi feito anjo”, eu me curvaria com todo o meu corpo até o chão! Sim, eu rastejaria dez côvados terra adentro! E tu, criatura miserável, ficas aí de pé como um pedaço de madeira! Ouves que Deus não se fez anjo, mas homem como tu, e permaneces imóvel!’ Seja essa história verdadeira ou não, ela está em plena harmonia com a fé (Romanos 12.6). Os santos padres queriam, com essa ilustração, ensinar os jovens a venerar o indescritível milagre da encarnação, a abrir bem os olhos e ponderar com atenção essas palavras.” (Luther’s Works, vol. 22, p. 105)
Essa narrativa, ainda que popular, expressa com força o sentido do gesto litúrgico. Inclinar-se em reverência diante das palavras do Credo é uma forma concreta de confessar a fé, um testemunho silencioso de gratidão e admiração diante do amor divino revelado na encarnação de Cristo.

O momento e o significado da reverência
As fontes litúrgicas variam quanto ao momento exato em que a reverência deve ser feita durante o Credo. À primeira vista, parece haver divergências, mas na verdade todas apontam para o mesmo propósito. As descrições diferem apenas na forma de explicar o gesto, mas o objetivo é o mesmo: o ponto mais profundo da inclinação deve ocorrer nas palavras “e foi feito homem”.

As diferentes instruções servem apenas para orientar o modo como o gesto se inicia e termina. Elas ajudam o celebrante e a congregação a chegar a esse ponto central em que o coração da confissão cristã se concentra. Assim, o importante é que o momento mais profundo da reverência aconteça justamente quando confessamos que “Deus se fez homem”. Para quem preside, a forma prática é simples: inicie a inclinação em “e se encarnou” e atinja o ponto mais baixo em “e foi feito homem”, retornando de modo calmo e consciente após essa cláusula.

Fortescue descreve essa ação com grande clareza:
“Quando o celebrante pronuncia as palavras Et incarnatus est, ele apoia as mãos sobre o altar, fora do corporal, e se ajoelha sobre um dos joelhos. Ele não se levanta até terminar de dizer Et homo factus est. É melhor realizar a genuflexão de maneira lenta e completa do que apenas apoiar um joelho no chão.” (The Ceremonies of the Roman Rite, p. 49)
Embora o autor descreva o gesto de ajoelhar-se, o princípio permanece o mesmo para a reverência corporal: não é um movimento apressado, mas um ato intencional, calmo e consciente. A inclinação do corpo é uma confissão feita com o corpo, um testemunho visível de fé e adoração diante do mistério da encarnação do Filho de Deus.

O motivo: a cerimônia como confissão encarnada
Assim como o momento do gesto, o motivo também é descrito de várias maneiras, mas todas convergem para o mesmo sentido. A reverência é uma confissão de adoração e reconhecimento diante do mistério da encarnação e da humilhação do Senhor.

Martinho Lutero comenta:
“Seria ainda apropriado ajoelhar-se nas palavras ‘e foi feito homem’, cantá-las com notas longas como se fazia antigamente, ouvir com o coração alegre a mensagem de que a majestade divina se rebaixou e tornou-se semelhante a nós, pobres sacos de vermes, e agradecer a Deus pela inefável misericórdia e compaixão refletidas na encarnação da divindade.” (Luther’s Works, vol. 22, p. 102)
O que Lutero expressa aqui é mais do que um simples costume. Ele fala de uma atitude espiritual de humildade e reverência que se manifesta também no corpo. A inclinação do corpo, ou o ajoelhar-se em algumas tradições, é uma maneira de confessar com o corpo o que o coração crê com fé: que o Deus eterno abaixou-se até nós.

Arthur Carl Piepkorn e Charles McClean explicam que esse gesto recorda o momento em que os soldados romanos se ajoelharam diante de Cristo, em zombaria, durante sua paixão, e que a Igreja, em contraste, o faz agora em verdadeira adoração (Piepkorn, Conduct of the Service, p. 19; McClean, Conduct of the Services, p. 41).

Paul H. D. Lang acrescenta: 
“Ajoelhar-se é também expressão de adoração, por exemplo, nas palavras ‘e foi feito homem’ do Credo Niceno.” (Ceremony and Celebration, p. 61)

O escritor Martin Mosebach, em The Heresy of Formlessness, amplia o significado espiritual do gesto de inclinar-se na liturgia cristã. Ele observa que esse gesto tem suas raízes no próprio Novo Testamento, onde repetidas vezes encontramos pessoas que, ao reconhecerem a divindade de Jesus, se prostram em reverência diante dele. Ele escreve:
“E prostrou-se e o adorou.” Essa expressão não está limitada ao relato de São João sobre a cura do cego, mas aparece sempre que alguém percebe a divindade de Jesus. Essa reverência do Novo Testamento não é cerimonial: é uma reação espontânea, a resposta a uma epifania da graça. É como se a pessoa fosse lançada ao chão por um relâmpago de revelação. E nesse momento, inclinada diante de Cristo, ela vê mais do que todos os que estão em pé, e não encontra outra palavra melhor para responder ao que viu senão a palavra Creio.” (The Heresy of Formlessness, p. 90)
Essa atitude não se limita ao Novo Testamento. Toda a Escritura mostra que curvar-se diante de Deus é sinal de fé, humildade e adoração. Daniel orava prostrado três vezes ao dia (Daniel 6.10). Salomão inclinou-se diante de todo o povo na dedicação do templo (1 Reis 8.54). Esdras orou em reverência diante do Senhor (1 Esdras 9.5). Os magos inclinaram-se diante do Menino Jesus (Mateus 2.11). Um leproso se prostrou diante do Senhor (Marcos 1.40). Estêvão curvou-se em oração ao morrer (Atos 7.59). Pedro e Paulo oraram em reverência (Atos 9.40; 20.36). O apóstolo Paulo fala em dobrar os joelhos diante do Pai (Efésios 3.14) e afirma que todo joelho se dobrará diante de Jesus (Filipenses 2.10). E o próprio Cristo, em Getsêmani, curvou-se para orar (Lucas 22.41).

Os antigos pais da Igreja também compreenderam essa postura de reverência como parte da adoração cristã. No Catálogo de Testemunhos, incluído em várias edições do Livro de Concórdia, encontramos declarações que reforçam esse entendimento:

Atanásio: “A santa Igreja católica condena quem disser que a carne humana de nosso Senhor não deve ser adorada como carne do Senhor e de Deus.”

Ambrósio: “Os anjos não adoram somente a divindade de Cristo, mas também o seu escabelo. O profeta diz que a terra que o Senhor assumiu ao encarnar-se deve ser adorada. Assim entendemos ‘escabelo’ como a terra, isto é, a carne de Cristo, que hoje também adoramos nos sacramentos e que os apóstolos adoraram no Senhor Jesus.”

Agostinho: “Ele nos deu essa própria carne para comermos para a salvação. Ninguém come essa carne sem antes adorá-la. Não apenas não pecamos ao adorá-la, mas pecamos se não a adorarmos.”

Diante disso, fica evidente que a reverência é o gesto natural da fé diante da manifestação de Deus. Inclinar-se é o modo com que o corpo confessa a fé no Deus que se fez visível. A inclinação e, em algumas tradições, a genuflexão, acompanham os momentos de epifania divina dentro da liturgia. O cristão curva o corpo ao entrar na casa de Deus, como Moisés diante da sarça ardente, reconhecendo que pisa em solo sagrado.

Inclinamo-nos durante o Credo, recordando a encarnação em que Deus se tornou visível. Inclinamo-nos também na consagração, quando o corpo e o sangue do Senhor estão realmente presentes sobre o altar. E inclinamo-nos ao receber a bênção final, reconhecendo que é uma bênção que vem do alto.

O momento em que dizemos “e foi feito homem” é justamente um desses momentos de epifania dentro do culto. É a confissão de que o Verbo eterno de Deus, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, tornou-se homem, carne da nossa carne e osso dos nossos ossos, um de nós e por nós.

Como poderíamos ouvir tais palavras e permanecer imóveis? Diante desse mistério, a Igreja inclina-se em profunda reverência e confessa com todo o ser: o Deus invisível se fez visível, o Criador entrou na criação, o eterno assumiu o tempo, e o Senhor da glória fez-se servo para a nossa salvação.

Redescobrindo a reverência
Recuperar o gesto de reverência durante a confissão de fé não é apenas resgatar um costume antigo, mas retornar a uma postura profundamente bíblica e cristã. Inclinar-se, curvar a cabeça, demonstrar respeito com o corpo diante do mistério de Deus são gestos que sempre acompanharam o povo de Deus em momentos de adoração. Eles expressam o que as palavras sozinhas não conseguem: o reconhecimento da majestade divina e a humildade do coração que crê.

Quando a Igreja se inclina ao confessar que o Filho eterno de Deus se fez homem, ela está dizendo, com o corpo, aquilo que a alma proclama com fé. O gesto torna-se uma oração silenciosa, uma confissão sem palavras, uma catequese viva. Ele recorda a todos, inclusive às crianças e aos que ainda estão aprendendo a fé, que o que é dito ali não é apenas uma doutrina, mas um milagre: Deus veio até nós.

Ao inclinar o corpo ou abaixar levemente a cabeça no momento em que dizemos “e foi feito homem”, colocamo-nos diante do maior mistério da história: o momento em que o Criador entrou na criação, o infinito se fez pequeno e o santo assumiu a nossa carne. Esse é o centro da nossa fé, o coração do Evangelho, a boa-nova que dá sentido a todo o culto cristão.

Essa reverência não é obrigatória, mas é profundamente formativa. Ela educa a alma e o corpo na piedade, ensina que o culto não é apenas algo que assistimos, mas algo que vivemos com o coração e com o corpo, em comunhão com toda a Igreja de todos os tempos. O gesto da inclinação também nos recorda que o louvor cristão envolve o corpo inteiro, pois Deus nos criou por inteiro e nos redimiu por inteiro.

Por isso, redescobrir essa antiga rubrica é redescobrir também o encantamento do mistério. É reaprender a maravilhar-se com a encarnação, a reconhecer que cada palavra do Credo carrega o peso da eternidade, e que curvar-se diante do Deus que se fez homem é o gesto mais natural e verdadeiro que a fé pode produzir.

E assim, quando o povo de Deus confessa unido: “...o qual por nós, homens, e pela nossa salvação, desceu do céu e se encarnou pelo Espírito Santo na virgem Maria e foi feito homem...”

Que cada coração se incline, que cada corpo se curve, e que toda a Igreja confesse com alegria, reverência e fé: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós.”

sábado, 20 de setembro de 2025

Homilia para a Festa de São Mateus, Apóstolo e Evangelista - 2025 A+D



FESTA DE SÃO MATEUS, APÓSTOLO E EVANGELISTA
Ezequiel 2.8-3.11 | Efésios 4.7-16 | São Mateus 9.9-13

Homilia: “Cristo, o Médico dos pecadores”.
Mateus 9.9-13

“Que o Senhor Jesus Cristo derrame sobre vocês a sua graça, que o amor do nosso Deus os envolva e que a comunhão do Espírito Santo esteja sempre presente na vida de cada um.” Amém. (2Co 13.13).

Queridos irmãos e irmãs em Cristo,

Imaginem alguém bem doente, mas que insiste em dizer que está bem. Talvez já tenham visto isso acontecer: a pessoa sente dor, o corpo dá sinais claros de que algo não está certo, mas ela não procura ajuda. Finge que nada está acontecendo. Pode ser por orgulho, por medo, ou porque não quer mudar hábitos que lhe fazem mal. O problema é que a doença continua crescendo em silêncio e, quando percebe, pode ser tarde demais. Todos nós sabemos que, quando a gente está doente, a melhor coisa é reconhecer isso e procurar um médico.

No Evangelho de hoje, Jesus nos mostra que espiritualmente acontece a mesma coisa. Ele chama Mateus, um cobrador de impostos. Mateus era rejeitado por todos, era visto como traidor, pecador público, alguém sem esperança de estar perto de Deus. Mas Jesus olha para ele de um jeito diferente. Para a sociedade, Mateus estava perdido. Para Jesus, Mateus era justamente o tipo de pessoa para quem Ele tinha vindo. Jesus se aproxima, chama, e Mateus se levanta, deixa tudo e começa a segui-lo.

Os fariseus ficam escandalizados. Como assim Jesus vai se sentar à mesa com pecadores e publicanos? Isso era demais para eles. Mas Jesus responde com aquela frase que até hoje aquece o nosso coração: “Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes.”

Essa é a chave para entendermos não só a vida de Mateus, mas também a nossa. Todos nós estamos espiritualmente doentes. O pecado não é um machucadinho leve, é uma doença mortal que atinge a todos. Ele contamina os pensamentos, as palavras, os desejos e as atitudes. Ele se mostra no egoísmo que estraga nossos relacionamentos, na cobiça que nunca se satisfaz, na mentira que quebra a confiança, na incredulidade que nos afasta do Criador. Muitas vezes a gente tenta esconder essa doença. Tentamos nos convencer de que estamos bem, de que somos “bons o suficiente”. Mas isso é como um paciente que finge estar saudável, mesmo sabendo que está piorando por dentro.

Muitas vezes, queridos, a gente age como se fosse “são” espiritualmente. É quando achamos que não precisamos mudar nada na nossa vida. É quando justificamos nossos pecados dizendo: “todo mundo faz isso”, ou quando apontamos os erros dos outros para disfarçar os nossos. É quando escondemos mágoas e rancores e deixamos que isso envenene nosso coração. É quando o dinheiro, o trabalho ou as redes sociais ocupam mais tempo do que a Palavra de Deus e a oração. É quando dizemos que não temos tempo para estar no culto, mas arrumamos tempo para tantas outras coisas. Tudo isso mostra como estamos doentes, mas muitas vezes não queremos admitir.

Mas, queridos, é justamente nessas feridas do nosso dia a dia que o Médico dos pecadores aplica seu remédio. Para o coração cheio de rancor, Ele oferece o perdão que limpa e renova. Para a vida dominada pela pressa e pelo cansaço, Ele nos dá descanso na sua presença. Para o vazio que tentamos preencher com dinheiro, prazer ou reconhecimento, Ele nos lembra que já temos um tesouro eterno: somos filhos de Deus. E quando achamos que não temos tempo para o culto, Ele vem até nós, chamando com amor: “Segue-me.” Ele não nos rejeita por causa da nossa doença, mas nos acolhe exatamente porque precisamos dEle. No Batismo, Ele nos lavou. Na sua Palavra, Ele nos consola. Na Santa Ceia, Ele coloca em nossas mãos o verdadeiro remédio de imortalidade, garantindo que já não somos escravos da morte, mas herdeiros da vida eterna.

E aqui está a beleza do Evangelho: Jesus é o Médico dos pecadores. Ele não veio para quem acha que não precisa de ajuda. Ele veio para quem reconhece que está fraco, perdido, doente. Ele não veio para os que confiam em si mesmos, mas para os que sabem que precisam dEle. E o que Ele faz é muito maior do que qualquer médico terreno. Ele não trata só os sintomas, Ele vai direto na raiz da doença. Ele tomou sobre si o nosso pecado, nossa morte, nossa condenação. Na cruz, como disse o profeta Isaías, Ele carregou as nossas enfermidades e levou as nossas dores. Ali, o Médico dos pecadores entregou a própria vida para nos dar cura completa.

E qual é o tratamento que Ele nos oferece? É a Palavra que anuncia perdão e cria fé. É a água do Batismo, que lava e regenera. É o pão e o vinho da Santa Ceia, que trazem o corpo e o sangue de Jesus como verdadeiro remédio de vida eterna. Não é à toa que já no século II, Santo Inácio de Antioquia chamou a Eucaristia de “remédio de imortalidade, antídoto para não morrer, mas para viver em Jesus Cristo para sempre.” É isso que recebemos quando nos aproximamos da mesa do Senhor: o próprio Cristo, que cura nossa alma e nos garante a vida que não acaba.

E quando experimentamos essa cura em Cristo, nossa vida muda. Mateus se levantou da mesa de impostos e deixou para trás sua antiga vida. Ele se tornou apóstolo e evangelista, usado por Deus para levar a muitos o mesmo remédio que recebeu. E o Evangelho que ele escreveu continua ecoando até hoje: “Quero misericórdia, e não sacrifício. Pois não vim chamar justos, e sim pecadores.” Assim também nós, curados pelo Médico divino, somos chamados a viver como testemunhas da sua graça. Não como pessoas perfeitas, mas como doentes que encontraram a cura.

A Igreja é esse hospital de graça. Aqui, ninguém é rejeitado. Aqui, não precisamos esconder nossos pecados. Aqui, todos nós somos pacientes que precisam do mesmo Médico. E aqui, nesse lugar, Cristo nos atende de graça, nos perdoa, nos fortalece e nos envia para viver em amor e misericórdia.

É por isso que hoje celebramos São Mateus. Não porque ele foi cobrador de impostos, mas porque foi transformado pelo chamado de Jesus. Celebramos o apóstolo e evangelista que testemunhou que Cristo veio salvar pecadores. E esse mesmo Cristo está aqui hoje, chamando cada um de nós com as mesmas palavras que disse a Mateus: “Segue-me.” Ele não olha para nós com desprezo, mas com amor. Ele nos lembra: eu não vim para os que acham que estão bem, mas para os que sabem que precisam de mim. Eu sou o Médico, e vocês são os doentes que eu vim curar.

Queridos irmãos, vamos voltar à ilustração do começo. Quando alguém está doente, mas insiste em negar, corre o risco de perder a vida. Espiritualmente, acontece o mesmo. Se fingirmos que não precisamos de Cristo, estamos rejeitando o único tratamento que pode nos salvar. Mas quando reconhecemos nossa doença e corremos para os braços do Médico dos pecadores, recebemos cura, perdão e vida nova. E hoje Ele nos chama para a sua mesa, onde o remédio de imortalidade é dado de graça. Vamos com fé, receber esse bálsamo do Evangelho e sair daqui fortalecidos para viver em sua graça. Amém.

E que a paz de Deus, essa paz que vai muito além do que conseguimos entender, cuide com carinho do coração e da mente de cada um de vocês, mantendo-os firmes no amor e na vida que temos em Cristo Jesus, o nosso Médico e Salvador. Amém.

Rev. Filipe Schumbach Lopes
21/09/2025

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Homilia para a Festa do Martírio de São João Batista - 2025 A+D


FESTA DO MARTÍRIO DE SÃO JOÃO BATISTA

Homilia: “Até quando, Senhor?”
Apocalipse 6.9-11

“Que a graça do Senhor Jesus Cristo,
o amor de Deus e a presença do Espírito Santo
estejam com todos vocês!” (2Co 13.13) Amém.

Estimados irmãos em Cristo,

Na semana passada nós celebramos a festa de São Bartolomeu, apóstolo do Senhor. Hoje, celebramos o martírio de São João Batista. Vejam: dois sábados seguidos em que a Igreja fala de sofrimento, perseguição e morte. Dois sábados seguidos em que lembramos homens que foram fiéis até o fim. E o que nós temos a aprender com eles? Muito! Porque a vida deles fala também da nossa vida.

A pergunta que a primeira leitura de hoje, Apocalipse 6.1-5, traz é esta: “Até quando, Senhor?” (Ap 6.10). Foi a pergunta dos mártires que João viu debaixo do altar no céu. É também a nossa pergunta, não é? Até quando esse sofrimento vai continuar? Até quando a dor? Até quando as lágrimas? Até quando as injustiças? Até quando as doenças? Até quando as lutas dentro de casa, as brigas no trabalho, as tentações que não nos largam?

Sim, meus irmãos, essa é a pergunta que brota do nosso coração. Perguntamos isso quando vemos a família em crise. Perguntamos quando a saúde não vai bem. Perguntamos quando olhamos as notícias do mundo e vemos tanta violência. Perguntamos até mesmo quando sentimos o peso do nosso próprio pecado, aquele pecado que insiste em nos prender.

E, às vezes, o coração fica cansado. Porque viver neste mundo não é fácil. Como cristãos, somos chamados a nadar contra a correnteza. Enquanto o mundo diz “não tem problema, todo mundo faz”, nós sabemos que não é assim. João Batista foi preso justamente por isso: porque ele teve coragem de dizer a Herodes que não era lícito viver em pecado. (Mc 6.18) Ele preferiu a prisão e a morte a concordar com o erro.

E nós? Quantas vezes nos calamos? Quantas vezes aceitamos o pecado dentro da nossa casa, no nosso jeito de viver, no nosso falar? Quantas vezes deixamos de testemunhar o que é certo, só para não desagradar, só para não enfrentar? É aí que percebemos que o martírio não é só lá fora, com espada na mão. O martírio começa aqui dentro, no coração. Todos os dias precisamos nos martirizar contra o pecado. Todos os dias precisamos morrer para as tentações. Todos os dias precisamos dizer não à carne, não ao diabo, não ao mundo.

Mas graças a Deus, Cristo não nos deixou presos nesse lamento. A resposta à nossa pergunta “Até quando?” não está no nosso esforço, mas no que Deus já fez.

E aqui vem o consolo: esse martírio já começou no batismo. No batismo nós morremos com Cristo. No batismo já fomos sepultados com ele (Rm 6.3-4). Ali aconteceu o nosso primeiro martírio: morremos para o pecado e nascemos de novo para uma vida com Deus.

E por que isso é possível? Porque Cristo passou por um martírio infinitamente maior por nós. Cristo foi preso, como João. Cristo foi morto, como os mártires. Mas Ele venceu! Ressuscitou! E agora, ele mesmo é quem nos dá a vitória, não pela força do nosso sangue, mas pelo sangue que ele derramou por nós. Ele é o Cordeiro, o Sacerdote e o Rei, e nos une a si no batismo. A nossa vida está escondida nele.

 Isso não quer dizer que agora a vida ficou fácil. Não! Pelo contrário. Ainda lutamos contra o pecado. Ainda caímos. Ainda sofremos. Mas no batismo temos a certeza: já fomos unidos à morte e à ressurreição de Cristo (Rm 6.5).

E aqui está a resposta à pergunta: “Até quando, Senhor?”. Os mártires no céu perguntaram isso. Nós aqui na terra também perguntamos. E a resposta de Deus é esta: até o dia em que o número dos seus filhos estiver completo (Ap 6.11). Até o dia em que todos os eleitos forem reunidos. Até o dia em que Jesus voltar. Até lá, Cristo mesmo nos cobre com a veste branca que já recebemos no batismo. Até lá, Ele nos sustenta com sua Palavra e com sua Santa Ceia.

Hoje, aqui no altar da nossa congregação, já nos reunimos com aqueles que estão debaixo do altar no céu. A nossa liturgia é um ensaio da eternidade, onde a dor não mais dirá “até quando”, porque Cristo já nos responde: “Já estou contigo” (Mt 28.20).

Até lá, ele mesmo nos dá força para continuar testemunhando, como João Batista e como Bartolomeu testemunharam.

E quando a morte chegar? Quando nossos olhos se fecharem, o que vai acontecer? Aqui está a boa notícia do Apocalipse: não é o fim! João Batista foi martirizado. Bartolomeu foi martirizado. Nossos entes queridos também morreram, pessoas que tanto amamos. E se Jesus não voltar antes, algo que nós tanto desejamos, porque queremos que todo sofrimento termine, nós também vamos morrer. Mas essa não será a última palavra.

O Apocalipse mostra: nós não vamos ficar vagando pela terra, nem vamos simplesmente dormir no nada. Nós seremos almas vivas diante do trono de Deus. Almas que louvam, que cantam, que adoram o Cordeiro. Assim como os mártires estão debaixo do altar, também nós estaremos seguros, guardados em Cristo. Isso já é a vitória. Isso já é o descanso.

E um dia, o próprio Cristo nos chamará de volta do túmulo. Assim como ele unirá a cabeça de João Batista ao seu corpo, assim também ressuscitará João, Bartolomeu, você e eu, para vivermos com ele para sempre. O corpo e a alma, reunidos e glorificados, vestidos de branco, na presença do Cordeiro (Ap 7.14).

Por isso, irmãos, quando seu coração clamar: “Até quando?”, ouça a resposta do Cordeiro: “Estou contigo”. E siga firme, porque Ele já te vestiu de branco, já te alimenta com seu corpo e sangue, e logo, muito em breve, te chamará pelo nome. E você ouvirá: “Venham, benditos de meu Pai” (Mt 25.34).

Confiem nisso. Vivam nessa esperança. E sejam fiéis, como João e Bartolomeu foram. Porque o Senhor promete: “Seja fiel até a morte, e eu lhe darei a coroa da vida.” (Ap 2.10). Amém.

 Rev. Filipe Schuambach Lopes

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Sobre o nome "luterano" - C.F.W. Walther


Hoje quero compartilhar com vocês um riquíssimo texto escrito pelo Dr. C. F. W. Walther em 1844, publicado originalmente no periódico Der Lutheraner.

Trata-se de uma série de pequenos artigos em que Walther aborda a questão do nome “Luterano”. Muitos, ainda hoje, questionam o uso desse nome, mas já naquela época Walther se dedicou a explicar com clareza bíblica e confessional o que significa e por que continuamos a usá-lo.

São textos breves, mas profundamente atuais, que nos ajudam a compreender melhor nossa identidade como Igreja Luterana e a confessar com alegria a fé que recebemos.

Vale muito a pena a leitura!

Confira a tradução completa aqui.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

O Filioque


Introdução
O artigo de fé sobre a Santíssima Trindade ocupa lugar central na confissão cristã desde os primeiros séculos da Igreja. Nele, a Igreja reconhece e adora a um só Deus em três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, iguais em essência, majestade e glória. A formulação dessa fé foi consolidada nos credos ecumênicos, em especial o Credo Niceno-Constantinopolitano, que serviu de fundamento para a doutrina cristã em todo o mundo. Contudo, a inclusão posterior da cláusula Filioque , “e do Filho”, no artigo referente à procedência do Espírito Santo, tornou-se um ponto de forte controvérsia entre o Oriente e o Ocidente.

No coração do debate está a questão de como expressar, sem contradição, a relação eterna entre as pessoas divinas, particularmente a origem do Espírito Santo. A tradição ocidental, em grande parte marcada pela herança agostiniana, acrescentou a afirmação de que o Espírito Santo procede “do Pai e do Filho”. Já o Oriente permaneceu fiel à formulação original do Concílio de Constantinopla (381), confessando a procedência “do Pai”, considerando que qualquer adição romperia a fidelidade ao texto conciliar e comprometeria a primazia do Pai como fonte da Trindade.

A Reforma Luterana herdou essa tensão e, ao mesmo tempo, buscou reafirmar a fidelidade às Escrituras e aos credos ecumênicos. Nas Confissões Luteranas, o ensino sobre a Trindade e a procedência do Espírito Santo ocupa um espaço importante, especialmente no Credo Niceno, no Credo Atanasiano e nas explicações catequéticas. Assim, compreender a questão do Filioque não é apenas revisitar uma antiga controvérsia, mas refletir sobre como a Igreja Luterana, fiel ao Evangelho e ao testemunho apostólico, confessa a unidade e a distinção das pessoas divinas em linguagem clara, precisa e bíblica.

Este estudo, portanto, propõe-se a examinar a questão do Filioque à luz das Confissões Luteranas e da teologia trinitária confessada pela Igreja, dialogando com a história do dogma, as disputas entre Oriente e Ocidente e as interpretações teológicas contemporâneas. O objetivo é oferecer não apenas uma análise histórica, mas também um discernimento confessional, que aponte para a centralidade da fé trinitária como coração da doutrina cristã.

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Festa de Santa Maria, Mãe do Nosso Senhor - 15 de agosto

Hoje, a Igreja Luterana se alegra em celebrar a Festa de Santa Maria, Mãe do Nosso Senhor, recordando seu adormecer em fé: a Dormição.

Esta celebração não é apenas sobre a vida de Maria, mas também sobre a promessa que Deus faz a todos os que creem: a morte, para os cristãos, é apenas um sono temporário do qual Cristo nos despertará na ressurreição.

Uma festividade enraizada na história da Igreja
A festividade litúrgica de 15 de agosto remonta à antiga tradição da Igreja. O imperador bizantino Maurício (582–602 d.C.) estabeleceu este dia como a celebração da Dormição de Maria, recordando seu “adormecer” no Senhor. Já no início do século V, registros armênios chamavam o dia 15 de agosto de “dia de Maria, a Mãe de Deus” (Theotokos). Enquanto a Igreja Católica Romana, em 1950, definiu o dogma da Assunção corporal de Maria, a Igreja Luterana e a Ortodoxa preservaram a compreensão mais antiga: neste dia, lembramos que Maria, assim como todos os santos, viveu, envelheceu e morreu, sendo recebida pelo seu Filho no descanso eterno.

Maria: santa, especial e próxima de nós
Maria é santa, especial, escolhida por Deus, mas, ao mesmo tempo, é uma de nós. Viveu como qualquer outra pessoa, guardou no coração as palavras do Evangelho (Lucas 2.19), enfrentou alegrias e dores, e permaneceu fiel ao seu Senhor mesmo sem compreender tudo o que via. Ela foi, como disse Arthur Just, “a primeira catecúmena e a primeira cristã da nova aliança”, pois ouviu e guardou a Palavra de Deus.

Presença constante na vida de Jesus
O Novo Testamento nos mostra Maria presente em quase todos os momentos marcantes da vida de Jesus:
  • na Anunciação (Lucas 1.26-38);
  • na Visitação a Isabel (Lucas 1.39-56);
  • no nascimento do Salvador (Lucas 2.1-7);
  • nas visitas dos pastores (Lucas 2.8-20) e dos magos (Mateus 2.1-12);
  • na Apresentação no Templo (Lucas 2.22-38);
  • na fuga para o Egito (Mateus 2.13-15);
  • na visita pascal a Jerusalém (Lucas 2.41-52);
  • nas bodas de Caná, onde nos ensinou: “Façam tudo o que ele disser.” (João 2.1-11);
  • ao pé da cruz, quando Jesus a confiou ao cuidado de João (João 19.25-27);
  • e com os apóstolos no cenáculo, aguardando o Espírito Santo (Atos 1.12-14).
Sua obediência (“que aconteça comigo conforme a sua palavra”, Lucas 1.38) e sua lealdade a Cristo mesmo nas horas de dor fazem dela um exemplo para todos os crentes.

O cântico de Maria: Magnificat
O cântico de Maria, o Magnificat (Lucas 1.46–55), é a sua confissão de fé e louvor. Ele se divide em duas partes: na primeira, Maria celebra as grandes coisas que Deus fez por ela, reconhecendo que sua bem-aventurança vem da graça divina; na segunda, exalta a misericórdia de Deus cumprindo suas promessas a Abraão e ao seu povo. Lutero, ao comentar o Magnificat, lembra que a primeira e maior obra de Deus em Maria foi “o contemplar”, quando Deus volta o seu rosto para alguém, concede pura graça e bênção. Honrar Maria, diz Lutero, é vê-la diante de Deus e abaixo de Deus, maravilhando-se com a graça que a alcançou e, por meio dela, chegou a nós no Salvador.

A Dormição: sinal da nossa esperança
A Dormição de Maria aponta para a nossa própria esperança. Cristo, o Filho de Maria, morreu e ressuscitou, garantindo que todos os que Nele confiam não morrerão eternamente. Para o cristão, a morte é “adormecer no Senhor” (João 11.11), aguardando o despertar no último dia. Como Maria, não somos poupados da morte física, mas somos recebidos nas moradas eternas, e nossos corpos serão ressuscitados para a vida eterna.

Uma festa centrada em Cristo
A Igreja Luterana não ensina dogmaticamente que Maria foi assumida ao céu em corpo, mas reconhece que Deus a guardou em fé até o fim e a recebeu na glória eterna. Este dia, portanto, não é apenas sobre um acontecimento na vida dela, mas sobre a promessa de Deus a todos nós: “Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (João 11.25).

Celebrar a Dormição é, também, confessar que Cristo continua vindo ao seu povo hoje, assim como veio a Maria, trazendo o único remédio eficaz contra a morte: seu verdadeiro Corpo e Sangue na Santa Ceia. Ele recebeu este Corpo e Sangue de sua mãe, e agora os oferece a todos os que creem, prometendo: “quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida.” (João 5.24).

Por isso, o centro litúrgico desta festa é a Santa Ceia, onde Cristo, o Filho de Deus e Filho de Maria, vem a nós para nos fortalecer no caminho até a vida eterna. Como diz o apóstolo: “Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor.” (Romanos 14.8).

A cor litúrgica do dia
Hoje, a cor litúrgica é branca, símbolo da alegria, pureza e vitória que temos em Cristo. É a cor das festas de nosso Senhor e daqueles que, como Maria, confessaram e seguiram a Cristo até o fim.

Unidos na mesma fé
Unidos à fé de Maria e de todos os santos, celebramos a fidelidade de Deus e a certeza de nossa salvação em Cristo. E, com Maria, cantamos: “A minha alma engrandece ao Senhor, … porque o Poderoso me fez grandes coisas. Santo é o seu nome.” (Lucas 1.46–49).

FESTA DE SANTA MARIA, MÃE DO SENHOR
Liturgia da Palavra

INTRÓITO Salmo 34.2-5; antífona Salmo 34.1
1Bendirei o Senhor em todo o tempo,
    o seu louvor estará sempre nos meus lábios.
2Bem-aventurado é aquele a quem o Senhor não atribui iniquidade
    e em cujo espírito não há engano.
3Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos
    pelos meus constantes gemidos todo o dia.
4Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim,
    e o meu vigor secou como no calor do verão.
5Confessei-te o meu pecado e a minha iniquidade não mais ocultei.
    Eu disse: “Confessarei ao Senhor as minhas transgressões”.
    Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
    como era no princípio, agora é, e para sempre será –
    de eternidade a eternidade. Amém.
1Bendirei o Senhor em todo o tempo,
    o seu louvor estará sempre nos meus lábios.

PRIMEIRA LEITURA Isaías 61.7-11
Leitura do livro do profeta Isaías, capítulo 61.
7Em lugar de vergonha, vocês terão dupla honra;
em lugar da afronta, exultarão na herança recebida;
por isso, em sua terra possuirão o dobro e terão perpétua alegria.
8“Porque eu, o Senhor, amo a justiça e odeio a iniquidade do roubo;
em fidelidade lhes darei a sua recompensa e com eles farei aliança eterna.
9A posteridade deles será conhecida entre as nações,
os seus descendentes, no meio dos povos;
todos os que os virem reconhecerão que eles são família bendita do Senhor.”
10Tenho grande alegria no Senhor!
A minha alma se alegra
no meu Deus, porque me cobriu de vestes de salvação
e me envolveu com o manto de justiça,
como noivo que se adorna de turbante,
como noiva que se enfeita com as suas joias.
11Porque, como a terra produz os seus renovos,
e como o jardim faz brotar o que nele se semeia,
assim o Senhor Deus fará brotar a justiça
e o louvor diante de todas as nações.
    Esta é a Palavra do Senhor.
    C Demos graças a Deus.

SALMODIA Salmo 45.10-17 (antífona vers. 6)
6O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre;
cetro de justiça é o cetro do teu reino.
10Ouça, filha, olhe e preste atenção:
esqueça o seu povo e a casa de seu pai.
11Então o rei ficará encantado com a sua formosura;
por ser ele o seu senhor, incline-se diante dele.
12A filha de Tiro virá trazendo presentes;
os mais ricos do povo lhe pedirão favores.
13A filha do rei é toda formosura no interior do palácio;
os seus vestidos são enfeitados de ouro.
14Em roupas bordadas conduzem-na diante do rei;
as virgens, suas companheiras que a seguem, serão trazidas à sua presença, ó rei.
15Serão conduzidas com alegria e regozijo;
entrarão no palácio do rei.
16Em lugar de seus pais, estarão os seus filhos,
colocados como príncipes por toda a terra.
17Farei com que o seu nome seja celebrado de geração em geração,
e, assim, os povos o louvarão para todo o sempre.
    Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
    como era no princípio, agora é, e para sempre será –
    de eternidade a eternidade. Amém.
6O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre;
cetro de justiça é o cetro do teu reino.

GRADUAL Salmo 45.13-14
A filha do rei é toda formosura no interior do palácio;
    os seus vestidos são enfeitados de ouro.
Em roupas bordadas conduzem-na diante do rei;
    as virgens, suas companheiras que a seguem, serão trazidas à sua presença, ó rei.

SEGUNDA LEITURA Gálatas 4.4-7
L Leitura da carta de São Paulo aos Gálatas, capítulo 4.
4Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, 5para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. 6E, porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho ao nosso coração, e esse Espírito clama: “Aba, Pai!” 7Assim, você já não é mais escravo, porém filho; e, sendo filho, também é herdeiro por Deus.
   L Esta é a Palavra do Senhor.
   C Demos graças a Deus.

VERSO Lucas 1.47
Aleluia. “A minha alma engrandece ao Senhor,
e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador. Aleluia.

SANTO EVANGELHO Lucas 1. (39-45) 46-55
P Leitura do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas.
C Glórias a ti, Senhor.
39Naqueles dias, Maria se aprontou e foi depressa à região montanhosa, a uma cidade de Judá. 40Entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. 41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre. Então Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42E exclamou em alta voz: — Bendita é você entre as mulheres, e bendito o fruto do seu ventre! 43E que grande honra é para mim receber a visita da mãe do meu Senhor! 44Pois, logo que me chegou aos ouvidos a voz da saudação que você fez, a criança estremeceu de alegria dentro de mim. 45Bem-aventurada a que creu, porque serão cumpridas as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor.
46Então Maria disse:
“A minha alma engrandece ao Senhor,
47e o meu espírito se alegrou
em Deus, meu Salvador,
48porque ele atentou
para a humildade da sua serva.
Pois, desde agora, todas as gerações
me considerarão bem-aventurada,
49porque o Poderoso me fez grandes coisas.
Santo é o seu nome.
50A sua misericórdia vai
de geração em geração
sobre os que o temem.
51Agiu com o seu braço valorosamente;
dispersou os que, no coração,
alimentavam pensamentos soberbos.
52Derrubou dos seus tronos os poderosos
e exaltou os humildes.
53Encheu de bens os famintos
e despediu vazios os ricos.
54Amparou Israel, seu servo,
a fim de lembrar-se
da sua misericórdia
55a favor de Abraão e de sua descendência, para sempre,
como havia prometido aos nossos pais.”
    P Este é o Evangelho do Senhor.
    C Glórias a ti, ó Cristo.

ORAÇÃO DO DIA
Todo-poderoso Deus, que escolheste a Virgem Maria para ser a mãe de teu único Filho, concede que nós, que somos redimidos pelo sangue dele, tomemos parte com ela na glória de teu reino eterno; através de Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

“Com toda a companhia celeste”: Anjos, Santos e nossos entes queridos falecidos na Mesa do Senhor



“COM TODA A COMPANHIA CELESTE”:
ANJOS, SANTOS E NOSSOS ENTES QUERIDOS FALECIDOS NA MESA DO SENHOR

Por Arthur A. Just
Tradução: Rev. Filipe Schuambach Lopes

No Monte da Transfiguração o céu e a terra se uniram no corpo glorificado de Jesus. Pedro, Tiago e João, três dos discípulos de Jesus, subiram com Ele ao monte para esse encontro com Moisés e Elias, dois seres celestiais. Nessa comunhão entre corpos celestiais e terrenos ao redor do corpo branco e resplandecente de Jesus, vemos uma imagem do que acontece no Culto Divino, ao redor da presença física de Jesus, na liturgia da Palavra e na Ceia do Senhor.

Nesse encontro glorioso Pedro, Tiago e João puderam ouvir a conversa celestial de Moisés e Elias. E qual era essa conversa? Moisés e Elias, vindos do céu, certamente falavam sobre o êxodo que Jesus estava para cumprir em Jerusalém, que é o seu sofrimento, morte, ressurreição e ascensão. Pois esse é o cântico de todo o céu, louvores ao Cordeiro que foi morto e vive outra vez (Apocalipse 5). É isso que nossas liturgias devem sempre proclamar, que o Cristo glorificado e ascendido está presente entre nós com suas feridas para nos oferecer os dons do seu êxodo, que são perdão, vida e salvação.

Quando vamos ao Culto Divino para ouvir a Palavra de Jesus e comer o seu corpo e sangue, estamos entrando na Jerusalém celestial. E assim não estamos sozinhos na comunhão com a presença física de Jesus. Como diz a nossa liturgia, adoramos “com os anjos e arcanjos e com toda a companhia celeste”. Essa “companhia celeste” inclui todos os santos que morreram em Cristo e agora vivem com Ele.

Na Ceia do Senhor nos unimos a um mundo além de nós, recebemos dons do céu na carne de Jesus. Aceitamos o grande mistério de que o céu vem à terra por meio da presença física do nosso Salvador. Muitas vezes pensamos no céu de forma abstrata, como se fosse “lá em cima”. Mas o céu é onde Jesus está, onde a sua Palavra e seus dons são recebidos pela fé. Como Jesus está presente entre nós nos dons da Palavra e do Sacramento, o próprio céu está presente entre nós. Nosso culto é o mundo de “anjos e arcanjos e toda a companhia celeste”. Essas palavras da liturgia vêm de Hebreus 12.22-24:

Pelo contrário, vocês chegaram ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a milhares de anjos. Vocês chegaram à assembleia festiva, a igreja dos primogênitos arrolados nos céus. Vocês chegaram a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e a Jesus, o Mediador da nova aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o sangue de Abel.

A chegada ao monte Sião, à presença de Deus, já começou aqui na terra. O monte Sião, a cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, não é um lugar específico em Israel, é onde Cristo está presente, com sua natureza divina e humana. O que os ouvintes do primeiro século pensaram ao ouvir essa passagem? Eles sabiam que “monte Sião” era o lugar onde Cristo fala e age pelo Pai. Esse lugar é a liturgia, onde a Palavra de Cristo traz a purificação dos pecados pela pregação e pela Ceia do Senhor. Ao entrarmos na presença de Deus em Jesus, o céu na terra já começa agora na vida eucarística da Igreja, mesmo que só alcance sua plenitude quando vivermos totalmente a presença de Cristo na festa celestial. Como vemos no Monte da Transfiguração e no monte Sião, a liturgia da Palavra e do Sacramento é o momento em que o céu vem à terra.

Nossa liturgia traz outra referência do Novo Testamento para descrever essa realidade do céu na terra, no hino que cantamos no tempo pascal, “Esta é a Festa”.[1] O conteúdo desse grande hino vem do Apocalipse de João. Esse hino de toda criatura que agora cantamos como povo de Deus é também o cântico das hostes celestiais, dos santos junto ao mar de vidro com harpas de Deus nas mãos, o cântico de Moisés e do Cordeiro, que anunciam vitória sobre a besta (Apocalipse 15.2-5). É também o cântico da multidão nas bodas do Cordeiro (Apocalipse 19.1-10). Nesse hino de vitória o céu e a terra se unem cantando “Honra, graças, glória e poder ao Cordeiro e a Deus para sempre.”. E o céu e a terra também cantam juntos “Amém”. Nossa comunhão com o céu aqui na terra é expressa de forma linda na última estrofe do hino, “o Cordeiro que morreu começou o seu Reino. Aleluia.” O início do reinado do Cordeiro é o contínuo banquete vitorioso da Palavra e do Sacramento que os cristãos celebram desde o primeiro Pentecostes e continuam celebrando até hoje.

Por muitos anos, ao falar sobre a liturgia histórica nas congregações, eu dizia às pessoas sobre “os anjos, arcanjos e toda a companhia celeste”. Era surpreendente ver quantas nunca tinham ouvido o real sentido dessas palavras, como em toda Ceia do Senhor minha esposa e eu lembramos da irmã dela que morreu tragicamente aos 22 anos. Como lembramos daqueles que faleceram recentemente e que conhecemos. Como eles estão conosco em Cristo. Como nossas vozes aqui na terra se unem às deles no céu quando cantamos “Santo, santo, santo é o Senhor Deus dos Exércitos, o céu e a terra estão cheios da tua glória”. Como, na comunhão dos santos, temos essa união misteriosa com Cristo e com todos os santos que morreram e agora vivem em Cristo. Como a luta deles acabou, o sofrimento cessou e, como nós, aguardam a ressurreição do corpo. Como, enquanto esperamos o Senhor voltar, continuamos em comunhão com eles. Como o mesmo Cristo em quem eles habitam também habita conosco no seu corpo e sangue. Como Cristo, cuja presença entre nós traz todo o céu com ele, é o centro da adoração no céu e na terra. Pois o “sangue da aspersão [...] fala melhor do que o sangue de Abel.” (Hb 12.24) porque “digno é o Cristo, Cordeiro e Senhor, cujo sangue libertou o povo de Deus… O Cordeiro que morreu começou o seu Reino. Aleluia.”

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[1] Temos a versão deste hino em português, traduzida pelo pastor Martim Carlos Warth. Não há informação sobre a data em que essa tradução foi feita. Disponibilizo abaixo a partitura e a versão original em inglês, bem como o texto em português.

Texto em português (tradução de Martim Carlos Warth):

Esta é a festa da vitória do nosso Deus.
Aleluia, aleluia, aleluia!

1. Digno é o Cristo, Cordeiro e Senhor;
seu sangue libertou o povo de Deus.
Esta é a festa da vitória do nosso Deus.
Aleluia, aleluia, aleluia!

2. Tem saber, riqueza, poder;
dai honra, graças e glórias a Deus.
Esta é a festa da vitória do nosso Deus.
Aleluia, aleluia, aleluia!

3. Cante todo o povo de Deus
com todo o louvor da criatura:
4. honra, graças, glória e poder
ao Cordeiro e a Deus, para sempre. Amém.

Esta é a festa da vitória do nosso Deus.
Aleluia, aleluia, aleluia!

5. O Cordeiro que morreu
começou o seu Reino. Aleluia!

Esta é a festa da vitória do nosso Deus.
Aleluia, aleluia, aleluia!





quinta-feira, 7 de agosto de 2025

O Pastor e a Batalha Invisível

O Pastor e a Batalha Invisível
Uma reflexão poderosa de fé, coragem e vocação pastoral

Por Rev. Duane Bamsch — tradução autorizada

Dias atrás, lendo o blog Gottesdienst, me deparei com um texto que me impactou profundamente como pastor. O título original é “Encouragement for Brother Pastors”, e seu autor é o Rev. Duane Bamsch, pastor luterano nos Estados Unidos.

Tocado pela profundidade e honestidade com que ele fala sobre a vocação pastoral, entrei em contato diretamente com o autor. Para minha alegria, o Pr. Duane me respondeu com gentileza e autorizou a tradução e a publicação do texto aqui no blog.

Este é um texto fortíssimo. Verdadeiro. Doloroso e, ao mesmo tempo, cheio de consolo. Uma leitura essencial, especialmente para aqueles que desejam entender o que se passa no coração de um pastor fiel, ou para aqueles que também vivem esse ministério, enfrentando suas alegrias e suas cruzes.

quinta-feira, 31 de julho de 2025

Comemoração de São José de Arimateia - 31 de julho



Hoje, a santa Igreja se alegra ao lembrar José de Arimateia.

José de Arimateia é mencionado por todos os quatro evangelistas: Mateus (27.57–60), Marcos (15.42–46), Lucas (23.50–53) e João (19.38–42). Ele era natural de uma pequena aldeia chamada Arimateia, nas colinas da Judeia. Homem rico e respeitado membro do Sinédrio judeu, José havia preparado para si mesmo um túmulo novo. Com coragem, dirigiu-se a Pilatos e pediu permissão para sepultar o corpo de Jesus em seu próprio túmulo.

João relata em seu Evangelho (capítulo 19) que José contou com a ajuda de Nicodemos na difícil tarefa de retirar o corpo do Senhor da cruz. Juntos, levaram o corpo de Jesus ao túmulo que pertencia a José, acompanhados de uma grande quantidade de especiarias. Eles envolveram o corpo de Cristo em linho limpo e o sepultaram às pressas, pois o pôr do sol marcava o início do sábado. As mulheres que seguiam Jesus observaram o local e planejavam retornar após o sábado para completar os ritos de preparação do corpo, mas encontraram, em vez disso, a surpreendente realidade da ressurreição.

Muitos destacam a coragem de José e Nicodemos, especialmente em contraste com o medo demonstrado pelos demais discípulos. Esses dois homens, membros do Sinédrio judeu, não hesitaram em pedir ao governador romano, Pilatos, permissão para sepultar o “Rei dos Judeus” e obtiveram sua autorização.

O cuidado que José demonstrou pelo corpo de Cristo foi, por si só, uma confissão da fé na ressurreição dos mortos. Da mesma forma, os corpos dos santos não são restos a serem descartados, mas verdadeiras relíquias sagradas, aguardando a gloriosa ressurreição.

Ao lembrarmos de José e de seu serviço prestado ao corpo do Senhor, também recordamos que nós, cristãos, recebemos o chamado de honrar os corpos daqueles que morreram em Cristo. Confessamos diante de um mundo incrédulo que esses corpos devem ser tratados com respeito, porque, unidos a Cristo, serão ressuscitados em glória no Último Dia, quando nosso Senhor aparecer novamente, ressuscitar todos os mortos e conceder a vida eterna a todos os que creem nEle.

ORAÇÃO DO DIA
Misericordioso Deus, teu servo José de Arimateia preparou o corpo de nosso Senhor e Salvador para o sepultamento com reverência e temor a Deus e o depositou em seu próprio túmulo. Ao seguirmos o exemplo de José, concede a nós, teu povo fiel, a mesma graça e coragem para amar e servir a Jesus com devoção sincera todos os dias de nossas vidas; através de Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém

Traduzido e Adaptado de WEEDON, William. Celebrating the Saints (Concordia Publishing House, 2016).

terça-feira, 29 de julho de 2025

Podemos cantar o Sanctus, por favor?

Uma prática não incomum durante o Serviço do Sacramento em algumas congregações da LCMS (e também na IELB) é a omissão do Prefácio, do Prefácio Próprio e do Sanctus. Numa tentativa de abreviar o culto (mesmo que minimamente, diga-se de passagem), a ordem resultante geralmente é algo como: sermão, ofertas, orações, Pai Nosso e, em seguida, diretamente as Palavras da Instituição (Verba). Embora a transição seja certamente fluida, vale a pena refletir sobre o que se perde nesse processo.

O que se perde não é nada menos do que algumas das partes mais antigas do Culto Divino. O diálogo de abertura do Prefácio, por exemplo, remonta à Tradição Apostólica do início do terceiro século, com a implicação de que já era usado bem antes disso. Esse diálogo, que nos convida a elevar nossa mente às coisas do alto (Colossenses 3.1) enquanto começamos nossa ação de graças pelas ricas bênçãos do Senhor neste Sacramento (Santa Ceia), logo se tornou o início fixo do Serviço do Sacramento (Liturgia da Santa Ceia) tanto no Oriente quanto no Ocidente. Cerca de um século depois, sua ampliação já estava firmemente estabelecida em todo o mundo mediterrâneo, com muitos dos ritos antigos literalmente se atropelando em ações de graças a Deus: 

“É verdadeiramente digno e justo, conveniente e proveitoso, louvar-te, [entoar-te hinos,] bendizer-te, adorar-te, glorificar-te, dar-te graças.”[1] 

O ponto enfatizado em todos esses ritos antigos é claro: não há resposta mais apropriada à misericórdia que Deus nos mostra nesta santa ceia do que reconhecer que tal ação de graças é de fato digna em todos os tempos e lugares.

Claro, há mais. Por meio do Prefácio Próprio, ouvimos — em pequenos trechos distribuídos ao longo do Ano da Igreja — os feitos salvadores de Cristo, tudo o que ele realizou por nós. E então, com grande solenidade, o Prefácio conclui com aquelas palavras familiares (“por isso com anjos e arcanjos...”), que reconhecem uma realidade acessível apenas pela fé — a saber, que nós, reunidos aqui, seja uma congregação de centenas ou apenas alguns fiéis, não estamos sozinhos em nossa ação de graças. Pelo contrário, é a verdade inabalável de que nossas vozes se unem ao grande coral de santos e anjos que habitam na presença mais próxima de Cristo. Em nenhum outro momento do culto esse mistério é tão claramente reconhecido ou tão eloquentemente expresso.

O que é que então dizemos com essa grandiosa companhia celestial? É o “Santo, Santo, Santo” dos anjos reunidos ao redor do trono de Deus (Isaías 6.3; Apocalipse 4.8); à sua incessante adoração de Deus unimos nossas vozes por esse breve momento. Diferente dos antigos israelitas, que eram instruídos a buscar a glória do Senhor num lugar específico (isto é, o propiciatório sobre a arca da aliança), reconhecemos que a glória do Senhor agora se manifesta em todo lugar onde o seu mandamento de comer e beber de sua carne e sangue é fielmente cumprido. Por isso, nós o aclamamos com clamores de súplica (“Hosana!”), confiantes de que aquele que entra em nosso meio por meio dos humildes sinais do pão e do vinho traz vida e salvação. Bendito, de fato, é ele!

Se, por questão de tempo, for necessário encurtar o Culto, que não seja o Prefácio e o Sanctus que sofram esse corte. Despedimo-nos do hino final, que nem sequer está listado como parte obrigatória do culto, ou do hino de invocação, que aparece apenas sob uma rubrica opcional. Corte os noventa segundos do sermão ou das orações, se for preciso. Mas não prive os fiéis deste momento sublime, quando suas vozes se unem à companhia celestial para reconhecer o Senhor que está em seu meio.

GRIME, Paul J. May we sing the Sanctus, please?. Concordia Theological Quarterly, Fort Wayne, IN, v. 84, n. 3–4, p. 363–368, jul./out. 2020. Tradução de Filipe Schuambach Lopes.


[1] “Liturgia de São Tiago”, em R. C. D. Jasper and G. J. Cuming, Prayers of the Eucharist: Early and Reformed, 3rd ed. (Collegeville, MN: Liturgical Press, 1987), 90. Observe-se a semelhança dessas palavras com as do Gloria in Excelsis, que também tem origem oriental dessa mesma época.