domingo, 26 de janeiro de 2025

Festa de São Tito, Pastor e Confessor - 26 de janeiro

Hoje, a Igreja lembra outro dos colaboradores próximos de São Paulo: São Tito, pastor e confessor. Próximos à comemoração da conversão de São Paulo estão as festas de dois de seus companheiros mais fiéis: São Timóteo e São Tito. Diferente de Timóteo, que tinha raízes judaicas por parte de mãe, Tito era um gentio convertido ao cristianismo. O pouco que sabemos sobre ele vem de menções breves em Atos e nas epístolas de Paulo.

Em Gálatas 2, aprendemos que Tito acompanhou Paulo e Barnabé em uma viagem a Jerusalém, tornando-se um exemplo importante. O evangelho proclamado por Paulo não exigia que os gentios convertidos a Cristo se tornassem judeus ou aceitassem a circuncisão. Pelo contrário, pelo batismo, recebiam tudo o que é de Cristo e eram adotados na família de Deus. Paulo destacou que os apóstolos em Jerusalém concordaram com essa abordagem, tanto que Tito, sendo grego, não foi obrigado a se circuncidar.

Embora Atos não deixe claro se Tito participou das primeiras jornadas missionárias, ele é mencionado como parte da terceira grande viagem missionária. Paulo o usou para ajudar na coleta de ofertas dos coríntios e o elogiou bastante: "Quanto a Tito, é meu companheiro e cooperador entre vocês; quanto aos nossos irmãos, são mensageiros das igrejas e glória de Cristo."(2Coríntios 8.23). Paulo se alegrava pelo fato de Deus ter colocado no coração de Tito "a mesma dedicação que temos por vocês." (2Coríntios 8.16). Ele também fala da sua angústia em Troas por não ter encontrado Tito (2Coríntios 2.13) e de como foi confortado quando Tito finalmente chegou (2Coríntios 7.6). Na carta que leva o nome de Tito, Paulo carinhosamente o chama de "verdadeiro filho, segundo a fé comum" (Tito 1.4). No final de 2 Timóteo, Paulo lamenta a ausência de seu querido amigo, que havia ido para a Dalmácia. Já em Tito 3.12, ele pede que Tito, que estava organizando a Igreja em Creta, se apresse em se juntar a ele em Nicópolis, onde Paulo planejava passar o inverno.

No geral, o retrato que emerge é o de um pastor jovem, enérgico e missionário. Tito compartilhava com São Paulo o mesmo zelo pelo evangelho e o mesmo amor pelo povo de Deus. Segundo a tradição, após a morte de Paulo, Tito voltou para Creta, onde concluiu seu ministério como bispo da Igreja que ele havia servido em anos anteriores. Assim como seu grande mentor, acredita-se que Tito selou seu ministério com o martírio, por volta do ano 96 d.C.

Cor litúrgica: Branca

LEITURAS
† Primeira Leitura: Atos 20.28-35
† Salmodia: Salmo 71.1-14 (antífona vers. 17)
† Segunda Leitura: Tito 1.1-9
† Santo Evangelho: S. Lucas 10.1-9

ORAÇÃO DO DIA
Todo-poderoso Deus, que chamaste Tito para a obra de pastor e mestre, faze com que todos os pastores do teu rebanho sejam diligentes em pregar a tua santa Palavra de modo que o mundo inteiro possa conhecer as riquezas sem fim de nosso Salvador Jesus Cristo, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

— Comentário traduzido e adaptado de WEEDON, William. Celebrating the Saints (Concordia Publishing House, 2016). Salvo exceção, todas as citações da Bíblia Sagrada são da versão Nova Almeida Atualizada (NAA), da Sociedade Bíblica do Brasil. As leituras bíblicas e a coleta são do Culto Luterano: Lecionários (Editora Concórdia, 2009).

sábado, 25 de janeiro de 2025

Festa da Conversão de São Paulo - 25 de Janeiro

Hoje, nos alegramos ao lembrar da conversão de São Paulo, quando Cristo o tirou das trevas e começou a transformá-lo em uma testemunha da Luz. Antes disso, Paulo estava totalmente convencido de que o cristianismo era uma fraude perigosa. Ele acreditava ser seu dever acabar com a "ilusão" propagada por aqueles que pertenciam ao Caminho, onde quer que os encontrasse. Já havia causado muito sofrimento aos cristãos em Jerusalém e nos arredores, mas, em seu zelo, não achava suficiente extirpar essa suposta heresia apenas ali. Ele via o cristianismo como algo que se espalhava como gangrena e que precisava de medidas extremas para ser contido.

Com esse fervor pela verdade e pelo zelo em defender a honra do Deus de Israel, Saulo seguia rumo a Damasco, com cartas de autorização em mãos. Ele estava decidido a prender e levar de volta para Jerusalém qualquer seguidor de Jesus que encontrasse. No entanto, em um único e inesperado encontro, todas as certezas de Saulo desmoronaram. Uma luz brilhante o derrubou no chão e cegou seus olhos. E ele ouviu uma voz – uma voz cheia de ternura e misericórdia – que lhe perguntou: "Saulo, Saulo, por que você me persegue?" Atônito e incapaz de enxergar quem falava com ele naquela luz intensa, mas certamente com um pressentimento terrível, ele perguntou: "Senhor, quem é você?" Então, a pessoa que ele acreditava ser a fraude mais perigosa revelou-se: "Eu sou Jesus, a quem você persegue." (At 9.4-5)

A conversão significa uma virada. Naquele encontro com o Senhor Jesus ressuscitado, a vida de Saulo começou a mudar completamente. Em vez de lutar contra os cristãos, aquele homem perseguidor e cheio de ódio seria transformado no instrumento escolhido pelo Senhor para levar a todas as pessoas a alegria e a luz da esperança cristã. A mensagem "Jesus é Senhor" se tornaria o centro da pregação de Paulo. "Cristo crucificado, ressuscitado e que voltará em glória" se tornaria sua constante proclamação.

Quem poderia imaginar uma mudança tão radical? Somente o Deus da graça! Saulo, agora Paulo, o grande apóstolo, nunca deixaria de se maravilhar com a graça do Senhor Jesus em acolher pecadores. Ele mesmo se chamava o principal dos pecadores (cf. 1Timóteo 1.15), mas foi alcançado e transformado por Cristo. Se Jesus pode transformar alguém como Saulo, quem poderia estar além do alcance da graça de Deus? Ninguém! Não há pecador que não possa ser chamado ao arrependimento e à vida em Cristo.

Por isso, a Ele toda a glória – àquele que, em sua graça e amor, conquista corações para fazerem sua vontade!

Cor litúrgica: Branca

LEITURAS
† Primeira Leitura: Atos 9.1-22
† Salmo: Salmo 67 (antífona v. 5)
† Epístola: Gálatas 1.11-24
† Santo Evangelho: S. Mateus 19.27-30

ORAÇÃO DO DIA
Todo-poderoso Deus, tu transformaste o coração daquele que perseguia a Igreja e por sua pregação fizeste a luz do Evangelho brilhar em todo o mundo. Concede-nos sempre regozijar-se na luz salvadora de teu Evangelho e, seguindo o exemplo do apóstolo Paulo, espalhá-lo até os confins da terra; através de Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

— Comentário traduzido e adaptado de WEEDON, William. Celebrating the Saints (Concordia Publishing House, 2016). Salvo exceção, todas as citações da Bíblia Sagrada são da versão Nova Almeida Atualizada (NAA), da Sociedade Bíblica do Brasil. As leituras bíblicas e a coleta são do Culto Luterano: Lecionários (Editora Concórdia, 2009).

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Festa de São Timóteo, Pastor e Confessor - 24 de Janeiro

Hoje, a Igreja celebra com alegria São Timóteo, companheiro de São Paulo, pastor e confessor.

As comemorações de São Timóteo e São Tito estão bem próximas da festa da conversão de São Paulo, o que faz todo sentido, já que os dois foram grandes parceiros do apóstolo na missão de levar o Evangelho. Timóteo conheceu Paulo durante a segunda viagem missionária dele e, logo de cara, Paulo o acolheu como um jovem pastor e missionário em formação (cf. Atos 16.1-3).

Timóteo tinha uma mãe judia e um pai grego. Para facilitar seu ministério entre os judeus, Paulo decidiu circuncidá-lo. Apesar de não ter sido circuncidado antes, Timóteo foi criado em um lar cheio de fé por sua mãe, Loide, e sua avó, Eunice. Essas mulheres dedicaram tempo para ensinar a ele as Escrituras, as promessas de Deus e os cânticos do povo de Israel. Ele cresceu conhecendo a história do povo de Deus. Mais tarde, Paulo elogiou essa herança espiritual que moldou Timóteo, dizendo: "desde a infância, você conhece as sagradas letras, que podem torná-lo sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus." (2Timóteo 3.15).

O carinho de Paulo por Timóteo, a quem ele chamava de "filho na fé", é tão evidente que resultou nas duas cartas que levam o nome de Timóteo no Novo Testamento. Esses textos são superimportantes porque mostram como era a vida da Igreja no final da era apostólica. A gente vê que cada comunidade tinha um pastor que liderava o povo junto com outros líderes, como diáconos. Esses pastores se dedicavam especialmente a pregar, ensinar e também cuidar dos necessitados. Como Timóteo, eles eram chamados a mergulhar na Palavra de Deus para poderem corrigir e consolar as pessoas com confiança

A tradição da Igreja diz que Timóteo estava em Roma com Paulo quando ele foi martirizado, sendo decapitado por causa da sua firme confissão de Cristo. Depois disso, acredita-se que Timóteo voltou para Éfeso, na Ásia Menor, onde serviu como bispo até o final de sua vida, quando também foi martirizado, quase no fim do primeiro século.

Cor litúrgica: Branca

LEITURAS
† Primeira Leitura: Atos 16.1-5
† Salmo: Salmo 71.15-24 (antífona v. 6)
† Epístola: 1Timóteo 6.11-16
† Santo Evangelho: S. Mateus 24.42-47

ORAÇÃO DO DIA
Senhor Jesus Cristo, que sempre dás à tua Igreja na terra pastores fiéis como Timóteo, para guiar e alimentar o teu rebanho, faze com que todos os pastores sejam diligentes em pregar a tua Santa Palavra e administrar teus meios da graça, e concede ao teu povo sabedoria para seguir no caminho que leva à vida eterna; pois, tu vives e reinas com o Pai e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

— Comentário traduzido e adaptado de WEEDON, William. Celebrating the Saints (Concordia Publishing House, 2016). Salvo exceção, todas as citações da Bíblia Sagrada são da versão Nova Almeida Atualizada (NAA), da Sociedade Bíblica do Brasil. As leituras bíblicas e a coleta são do Culto Luterano: Lecionários (Editora Concórdia, 2009).

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Reflexão sobre o uso do termo "missa" no contexto luterano


Há um grupo de jovens na internet que, movido pelas melhores intenções, mas de forma equivocada e potencialmente perigosa, utiliza o termo "missa" para designar o momento em que os luteranos se reúnem para o culto. Por isso, quero propor, por meio deste texto, uma reflexão sobre a adequação do termo "missa" à luz das confissões luteranas e do contexto brasileiro da Igreja. Para isso, utilizo um texto do Rev. Dr. John R. Stephenson, em The Lord’s Supper,[1] como base para esclarecer essa questão.

O termo “missa”
Ao examinar as confissões luteranas, em especial a Confissão de Augsburgo e sua Apologia, notamos que os reformadores preservaram o termo “missa”. Isso fica evidente no artigo XXIV da Confissão de Augsburgo (Da missa) e no artigo XXIV da Apologia (Sobre a Missa).

No entanto, os Artigos de Esmalcalde não compreendem mais essa expressão como representativa da liturgia do culto purificada pela Reforma Luterana.[2] Após a ruptura de Lutero com Roma, seu uso do termo "missa" foi inconsistente. Na década de 1530, Lutero desenvolveu uma aversão clara ao termo, que passou a ser associado ao conceito de extra Romanisticum — a ideia de que o celebrante (com ou sem a congregação) oferece o corpo e sangue de Cristo como um sacrifício propiciatório ao Pai.

Diante disso, os luteranos devem seguir o conselho de Daniel Preus e evitar seu uso para se referir à Santa Ceia.[3] Essa precaução protege a clara distinção luterana de que o Sacramento do Altar não é uma obra humana oferecida a Deus, mas um presente divino dado para a nossa salvação.

O termo “Culto” ou “Serviço Divino” (Hauptgottesdienst)
Em contraste, o uso dos termos “Culto” ou "Serviço divino” reflete melhor a teologia luterana de adoração. Alguns pensam que Friedrich Lochner, em seu estudo Der Hauptgottesdienst der evangelisch-lutherischen Kirche (O Culto Principal da Igreja Evangélica-Luterana) de 1895, introduziu o uso do termo "Hauptgottesdienst" como sinônimo para o momento em que o povo de Deus se reúne para receber os dons de Cristo na Santa Ceia. Contudo, essa compreensão já estava presente na Agende de 1844, elaborada por seu mentor, Löhe, e foi reforçada por autores como Paul Graff em sua obra Geschichte der Auflösung der alten gottesdienstlichen Formen in der evangelischen Kirche Deutschlands (História da dissolução das antigas formas litúrgicas na Igreja Evangélica da Alemanha).

O termo “Hauptgottesdienst” (Culto Principal) é adequado porque reflete a definição de Gottesdienst (culto divino) apresentada na Apologia da Confissão de Augsburgo, artigo IV. O texto latino da Apologia (IV.49) define fé como λατρεία (latreia), ou seja, a adoração que recebe os dons de Deus. Justus Jonas, na tradução alemã, descreve fé como "o tipo de Gottesdienst onde eu me deixo ser servido". A narrativa de Lucas 7.36–50 ilustra esse conceito, ao apresentar a mulher penitente que recebe o perdão de Cristo, exercendo a maneira mais elevada de adorar a Cristo: “este é o culto máximo de Cristo”. (Apologia IV.154).

Nesse sentido, o “Culto” ou “Serviço Divino" é compreendido como um ato de monergismo divino, em que Deus serve ao seu povo com seus dons. Ao mesmo tempo, a resposta apropriada da igreja a esses dons inclui louvor, amor e gratidão, como demonstra a consideração de Melanchthon sobre a história da mulher penitente (Ap IV).

O “culto principal” e a Santa Ceia
Falar do "Culto Principal” (Hauptgottesdienst) ressalta que a Santa Ceia é o único Culto regular explicitamente instituído pelo próprio Senhor. Durante o culto, Deus nos serve através do rito que ele mesmo instituiu na véspera de sua paixão. Nesse momento, participamos de uma Santa Ceia e de uma Santa Comunhão em seu Corpo e Sangue sacrificados, recebendo esses dons como uma manifestação plena de sua graça e amor.

Ao mesmo tempo, somos chamados a servir a Deus em resposta, por meio do agradecimento, do louvor e de uma vida dedicada à Sua glória. Esse aspecto responde à linguagem da “Eucaristia”, que significa “ação de graças”.

Conclusão
Portanto, à luz das confissões luteranas e da teologia confesional luterana, o termo “missa” carrega implicações teológicas que podem distorcer a compreensão correta da adoração luterana. Em vez disso, “Culto” ou “Serviço Divino” são termos mais apropriados, pois refletem fielmente a ênfase luterana na ação de Deus em favor do seu povo, enquanto este responde em louvor e gratidão.

Além disso, podemos perceber, conforme os Artigos de Esmalcalde que o termo "missa" não reflete mais com fidelidade a teologia luterana de culto. Deve-se considerar também que estamos em um país onde o catolicismo romano ainda exerce grande influência, inclusive no vocabulário. Assim, no Brasil, quando usamos o termo “missa” é comum que ele seja imediatamente associado à Igreja Católica Apostólica Romana, e não à Igreja Luterana. Por isso, devemos respeitar as consciências dos nossos irmãos e irmãs. Como vimos, o melhor termo para se usar é "Culto" ou "Serviço Divino", pois eles refletem de maneira clara toda a beleza da prática e da teologia do Culto Luterano.

Desejo que esta reflexão ajude na compreensão dos termos e no cuidado que devemos ter ao usá-los, para que possamos sempre expressar de forma fiel a riqueza e a profundidade da teologia e prática luteranas.

Rev. Filipe Schuambach Lopes

------

[1] STEPHENSON, John R. The Lord’s Supper. Confessional Lutheran Dogmatics, Vol. 12. Northville, SD: The Luther Academy, 2003.
[2] Lutero, sobre a missa, afrma: “Que a missa deve ser considerada a maior e mais hedionda abominação no papado, pois se opõe direta e violentamente a esse artigo principal. No entanto, ela foi, acima e antes de todas as outras idolatrias papais, a mais elevada e bela. Pois afirma-se que esse sacrifício ou obra da missa (ainda que oferecido por um indivíduo mau) liberta os seres humanos de seus pecados, tanto aqui, em vida, como além, no purgatório. Mas isso, conforme dito acima, apenas o Cordeiro de Deus deve e tem de fazer” (Artigos de Esmalcalde, Parte Dois, Segundo Artigo).
[3] Para mais, leia Daniel Preus,“Luther and the Mass: Justification and the Joint Declaration,” LOGIA: A Journal of Lutheran Theology X/4 (Reformation 2001): 16.

Fórmula de Concórdia - Janeiro: Pecado Original


Este mês, damos início à nossa caminhada de um ano pela Fórmula da Concórdia e documentos relacionados das Confissões Luteranas. Espero que você se junte a nós enquanto nos aprofundamos nas Confissões este ano.

Nas leituras de janeiro, os reformadores esclarecem duas questões importantes: Qual é o nosso problema e onde encontramos a solução?

Qual é o nosso problema?
Nosso problema é que somos pecadores e impuros, mortos em pecado (Ef 2.1–3). Essa corrupção não é uma corrupção menor, onde temos uma pequena chance de nos salvar, mas uma corrupção que precisa de uma ressurreição (Rm 6.11). No entanto, devemos ter cuidado para não dizer que o Senhor é o autor do pecado. Em meiados de 1560, um teólogo chamado Matias Flacius[1] sustentou que o pecado original era a própria “substância” da humanidade. Isso seria como dizer que, se eu visto uma camisa do Flamengo, eu mesmo me torno a camisa! Não — continuo sendo um ser humano que está vestindo a camisa. Somos criação de Deus (Sl 110.3; At 17.28). Deus não é o autor do pecado, mas desde a nossa concepção somos corrompidos (Sl 51.5) e necessitamos de um Salvador.

Onde encontramos a solução?
Nas Escrituras proféticas e apostólicas do Antigo e do Novo Testamento (2Tm 3.15-17). A Epítome fundamenta sua confissão na Palavra de Deus (Hb 4.12): nossa única solução é o Verbo que se fez carne (Jo 1.14), Cristo, que assumiu a nossa natureza humana, mas sem pecado, para que, assim como Ele foi ressuscitado dos mortos, aguardemos com esperança a nossa ressurreição final (1Co 15.51-57), onde não haverá mais corrupção.

Clique aqui para baixar o plano de leitura da Fórmula de Concórdia.

Deus te abençoe!

- Texto traduzido e adaptado de January Readings Introduction: Original Sin, escrito pelo Rev. Brady Finnern (LCMS) e publicado em https://witness.lcms.org/2024/reading-plan/.

----------------

[1] Nota do tradutor: Matias Flacius Ilírico, natural da região do Ilírico (atual Croácia), foi aluno de Lutero e Melanchthon. Em 1560, durante um debate em Weimar com Vitorino Strigel, Flacius apresentou uma distinção entre "essência formal" e "essência material". Ele afirmou que o pecado original era tão grave que havia se tornado a "essência formal" ou formadora do ser humano caído, enquanto a "essência material" ainda mantinha características humanas, como razão e vontade. Flacius chegou a dizer que o ser humano caído estava "na imagem de Satanás", o que fez com que muitos considerassem sua visão maniqueísta. Strigel, por outro lado, defendia que o pecado original era um "acidente", segundo a filosofia de Aristóteles, ou seja, algo que corrompe o ser humano, mas não altera sua essência. O ensino de Flacius gerou grande controvérsia. Após sua morte, em 1575, sua visão foi defendida por alguns, como Ciríaco Spangenberg, mas rejeitada por filipistas e até por amigos gnesioluteranos, que acreditavam que ele estava negando a humanidade do ser humano caído. A teologia luterana rejeitou essa ideia, defendendo que, apesar de totalmente corrompido pelo pecado, o ser humano ainda é uma criatura de Deus, amada e redimida por Cristo.

Plano de leitura da Fórmula de Concórdia - 2025

Estamos disponibilizando um plano de leitura e estudo da Fórmula de Concórdia, elaborado pelo Rev. Brady Finnern, pastor da nossa igreja irmã LCMS (Lutheran Church-Missouri Synod). Este plano tem como objetivo ajudar você a entender melhor esse documento tão importante para a fé luterana, de um jeito tranquilo e acessível.

A Fórmula de Concórdia está dividida em duas partes principais. Neste plano, focaremos principalmente na Epítome (abreviada como “Ep”), que é a primeira e mais curta parte. O plano traz um cronograma semanal com pequenas leituras para que, ao longo do ano, você consiga estudar sem pressa e aproveitar ao máximo.

Os números de página indicados seguem a edição de 2021 do Livro de Concórdia, mas você pode utilizar as seções e linhas correspondentes para acompanhar em qualquer edição que possua. Além disso,o plano também conecta a Epítome com outros textos das Confissões Luteranas, enriquecendo ainda mais o estudo.

Vamos juntos aprender, crescer na fé e reconhecer com mais clareza a plenitude da graça de Deus em Cristo, revelada nas Escrituras, dedicando apenas algumas páginas por semana para explorar este tesouro da teologia luterana.

Clique aqui e baixe o plano de leitura. 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

O período da Epifania

A Epifania marca o encerramento do período natalino, tendo raízes profundas na tradição da Igreja Oriental. Neste dia especial, conhecido como o “Dia da Luz”, a igreja celebra tanto o nascimento quanto o batismo de nosso Senhor. Como bem destaca Just, 
“a Epifania e o Natal estão intimamente ligados pelo tema da luz. A luz traz clareza em meio à escuridão. A luz de Cristo, que nasceu em Belém, agora brilha durante todo o período da Epifania, quando o menino Jesus se manifesta a nós como o Messias e o Salvador. No tempo do Natal, o Advento prepara o clímax do Natal, que continua no período da Epifania” (JUST, 2008, p.211).
Na tradição ocidental, a igreja escolheu destacar a visita dos Magos como o ápice da Festa da Epifania após a decisão de celebrar o Natal em 25 de dezembro. Esta festa, uma das mais antigas do ano litúrgico, é tradicionalmente celebrada no dia 6 de janeiro. Inicialmente, a Epifania era observada como o nascimento de Jesus, fundamentada em uma teoria antiga que vinculava sua morte em 6 de abril, resultando no dia de seu nascimento nove meses após sua concepção, ou seja, em 6 de janeiro.

Estudiosos sugerem que a celebração da Epifania teve origem no segundo século, sendo praticada inicialmente na Ásia Menor e no Egito. Assim como o Natal, sua data encontra inspiração em um antigo festival pagão de solstício, que foi substituído por práticas cristãs.

O período da Epifania, com sua riqueza simbólica, desvenda a identidade do Menino desde o batismo de Jesus nas águas do Jordão, quando o Pai proclama com amor: “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado” (Mateus 3.17). Essa jornada culmina na Transfiguração, onde a igreja vislumbra a glória da ressurreição na majestade de Cristo no topo da montanha, enquanto o Pai reafirma suas palavras do batismo: “este é o meu Filho amado, em quem me agrado; escutem o que ele diz!” (Mateus 17.5). Assim, a Epifania é envolta da voz do Pai proclamando Jesus como o Filho.

Ao longo desse período, somos conduzidos pelos ensinamentos e milagres de Jesus, revelando que o Criador veio à sua criação para inaugurar uma nova era. O primeiro milagre, a transformação da água em vinho no casamento em Caná, simboliza a manifestação da glória do Senhor durante a Epifania. Esse evento, nunca antes testemunhado, retrata o Messias encarnado, o noivo que se aproxima de sua noiva, anunciando que a celebração sem fim está prestes a começar. Essa festa eterna, simbolizada pelo casamento divino, revela o amor sacrificial do Cordeiro-Redentor por sua noiva, o povo de Deus.

Assim como no Natal, a cor da Epifania é branca, a cor da divindade, pureza e alegria. O Primeiro Domingo após a Epifania geralmente é celebrado como o Batismo de Nosso Senhor. Quando isso ocorre, os paramentos brancos continuam a ser usados. Na véspera do Segundo Domingo após a Epifania, os paramentos são trocados para verde, já que esses domingos, até a véspera da Transfiguração, são considerados “tempo comum”. Para a Festa da Transfiguração, os paramentos são novamente trocados para branco.

O período da Epifania geralmente varia entre 4 e 9 domingos, dependendo da data em que a Páscoa será celebrada naquele ano. Este período começa com o Dia da Epifania, em 6 de janeiro, e se estende até a véspera da Quaresma, que começa na Quarta-Feira de Cinzas.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Culto e Missão

Rev. Tyler McMiller, missionário da LCMS, ora durante o culto divino de abertura
da Igreja Luterana Christus Victor no sábado, 27 de janeiro de 2024, em Roma.

No dia 02 de janeiro, a Igreja lembrou Wilhelm Löhe, um dos grandes nomes do movimento missionário e litúrgico luterano. Em um artigo publicado em 2008, John T. Pless afirmou o seguinte:

“Löhe teria dificuldade em entender aqueles em nossos dias que colocariam ‘missão’ contra ‘liturgia’. Para ele, a igreja missional era uma igreja litúrgica. Uma de suas declarações frequentemente citadas é: ‘missão nada mais é do que a única igreja de Deus em movimento’. Este movimento não é um ativismo frenético, mas o movimento de Cristo para Seu povo na Palavra e Sacramento e o movimento daqueles que recebem os dons de Cristo para o mundo com a mensagem de salvação. O comprometimento de Löhe com a missão não pode ser entendido sem referência à liturgia. [...] Para ele, a indiferença doutrinária significava a morte do cristianismo. Por mais tentador que fosse minimizar as distinções doutrinárias no campo missionário, Löhe sabia que tal abordagem era um beco sem saída. Isso só poderia levar à destruição da igreja, pois roubaria dos cristãos a certeza da salvação que Cristo nos dá na pregação pura de sua Palavra. Privaria os cristãos do conforto de saber que Jesus lhes dá Seu corpo e sangue no Sacramento do Altar. A desunião doutrinária destrói a base para a missão genuína. Doutrina pura e missão energética andam de mãos dadas para Löhe.” [1]

Essas palavras nos trazem algumas reflexões, especialmente em nossos dias, quando há uma tentativa recorrente de separar a missão ou o evangelismo da liturgia. Ideias como "mais louvor; menos liturgia" ou "mais palavra (pregação); menos liturgia" ecoam em muitos lugares. Essa busca por moldar o culto segundo as preferências ou opiniões humanas acabam por desviar o foco de Cristo e de seus dons, negligenciando o papel essencial da liturgia na vida da Igreja.

Mesmo que essa verdade seja dura de aceitar, a liturgia é sim um dos pilares que mantém a Igreja de pé, pois a liturgia, de forma especial, a liturgia luterana nada mais é do que a própria Palavra de Deus sendo proclamada. Cada parte da liturgia está enraizada nas Escrituras. Basta abrir seu hinário luterano ou agenda litúrgica para perceber as referências bíblicas que fundamentam cada elemento litúrgico. Dizer que a liturgia não tem essa função é, na prática, duvidar da própria Palavra de Deus.

A liturgia, tal como possuímos em nossas agendas litúrgicas, não é fruto de um capricho momentâneo ou de uma inovação superficial. Ela foi cuidadosamente trabalhada por séculos, refinada por grandes teólogos que compreenderam sua profundidade e significado. É a essência da Igreja e, de muitas maneiras, define se uma igreja é verdadeiramente confessional ou não. Lutero, em sua reforma litúrgica, não aboliu a liturgia, mas a purificou de abusos e superstições, mantendo aquilo que melhor proclamava o Evangelho e os dons de Deus ao povo.

John T. Pless destaca que “a liturgia é o trabalho de Deus, não o nosso, e consiste em Deus descendo para nos dar dons que não podemos obter por nós mesmos”[2]. No culto, Deus vem até nós em sua Palavra e Sacramento, alimentando-nos com o perdão, a vida e a salvação. Não há missão genuína sem essa base.

A missão não é algo separado ou independente da liturgia; ela é um fruto direto dela. Quando nos reunimos para o culto, somos servidos por Deus com seus dons. No altar, recebemos o Corpo e o Sangue de Cristo, que nos fortalecem para a vida no mundo. É a partir desse fortalecimento que somos enviados para anunciar a mensagem da salvação, como muito bem afirma a liturgia de ação de graças:
“Suplicamos-te que concedas por tua graça que o mesmo nos fortaleça a fé em ti e nos dê ardente caridade para com o nosso próximo”. 
Esta oração é um momento que simboliza essa transição da liturgia para a missão, um lembrete de que a missão não é opcional, mas uma extensão do que significa viver como cristãos.

Como afirmou Pless, 
“a liturgia provê a congregação com uma forma ordenada de ouvir Deus falar, de receber o corpo e sangue de Cristo e de responder a Ele em oração, louvor e ação de graças”.[3] 
Esse movimento do altar para o mundo é o que Löhe chamava de “a única igreja de Deus em movimento”. Em outras palavras, a missão é a manifestação concreta do amor recebido de Deus na liturgia.

Portanto, a missão da Igreja não é algo que os cristãos iniciam por conta própria, mas um reflexo direto do que Deus já realizou por meio da liturgia. Ao participarmos da liturgia, somos enviados como instrumentos de Deus, chamados a proclamar o Evangelho e a demonstrar o amor de Cristo no mundo. Essa "liturgia após a liturgia" é a verdadeira essência da missão cristã: viver a fé recebida e compartilhá-la por meio do serviço ao próximo.

A tentativa de separar missão e liturgia frequentemente é acompanhada por um enfraquecimento da doutrina. Para Wilhelm Löhe, isso era inconcebível. Ele sabia que minimizar as distinções doutrinárias no campo missionário era um beco sem saída, pois isso roubaria dos cristãos a certeza da salvação. Conforme Löhe, “Doutrina pura e missão energética andam de mãos dadas”.

A missão não pode ser apenas um ativismo vazio. Ela deve estar firmemente enraizada na pregação pura do Evangelho e no uso correto dos sacramentos. Separar essas coisas é desviar-se do fundamento da fé cristã e comprometer a eficácia da missão. Não podemos desconectar a correta pregação da Palavra e a administração dos sacramentos da liturgia, pois é por meio da liturgia — e não de qualquer liturgia, mas de uma liturgia fiel à confessionalidade luterana — que isso acontece.

A liturgia é a estrutura pela qual a Palavra é pregada corretamente e os sacramentos são administrados de acordo com a ordenança de Cristo. É nela que Deus serve o seu povo, oferecendo perdão, vida e salvação. Quando a liturgia é negligenciada ou alterada para agradar às preferências humanas, corremos o risco de comprometer a pregação do Evangelho e o uso dos sacramentos, que são o cerne da missão da Igreja.

Portanto, missão e liturgia não são polos opostos, mas duas faces da mesma moeda. A liturgia não é um detalhe secundário, mas o alicerce pelo qual Deus comunica os seus dons e conduz a sua Igreja em missão. Sem ela, a missão perde sua base, e o Evangelho, sua centralidade. A liturgia nos prepara para a missão, e a missão nos leva de volta à liturgia, criando um ciclo em que Cristo é sempre o centro. A liturgia luterana, enraizada na Palavra de Deus e no Evangelho, é o canal pelo qual recebemos a graça e somos enviados ao mundo para proclamar essa mesma graça.

Que possamos aprender a valorizar a unidade entre doutrina, liturgia e missão, confiando que é o próprio Deus quem nos serve para que possamos servir ao próximo com fé e amor. Que a Igreja permaneça firme em sua confessionalidade, proclamando o Evangelho em sua plenitude, para a glória de Deus e a edificação de seu povo!


[1] PLESS, John T. The Missionary Who Never Left Home. Witness. Disponível em: https://witness.lcms.org/2008/the-missionary-who-never-left-home-2-2008/. Acesso em: 3 jan. 2025.

[2] PLESS, John T. Vocation: Fruit of the Liturgy. Logia: A Journal of Lutheran Theology, v. 11, n. 3, p. 3-8, 2002, p. 3.

[3] PLESS, John T. Vocation: Fruit of the Liturgy. Logia: A Journal of Lutheran Theology, v. 11, n. 3, p. 3-8, 2002, p. 49-50

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

A Bênção da Casa na Epifania

Recentemente, a revista eletrônica da LCMS (Lutheran Church-Missouri Synod, nossa igreja mãe-irmã dos Estados Unidos), The Lutheran Witness, publicou um artigo intitulado "Epiphany Traditions: King Cake & House Blessing",[1] destacando tradições relacionadas ao período da Epifania. É interessante observar como todos nós, de alguma forma, possuímos tradições — sejam pessoais, familiares ou comunitárias. Isso é especialmente evidente durante o Natal, quando muitas famílias têm o costume de se reunir para uma ceia especial, participar de cultos ou programas de Natal e vivenciar momentos únicos que se repetem ano após ano.

Inspirado por este artigo e outros materiais, gostaria de refletir sobre uma tradição cristã significativa: a bênção da casa. Este costume, profundamente enraizado na fé, nos convida a trazer a presença e a bênção de Cristo para nossos lares, algo especialmente oportuno durante o período da Epifania.

O período da Epifania, que se inicia em 6 de janeiro, marca o encerramento do período natalino e possui raízes profundas na tradição da Igreja Oriental. Este dia especial, conhecido como o “Dia da Luz”, celebra tanto o nascimento quanto o batismo de nosso Senhor. Como destaca Arthur Just, 
“a Epifania e o Natal estão intimamente ligados pelo tema da luz. A luz traz clareza em meio à escuridão. A luz de Cristo, que nasceu em Belém, agora brilha durante todo o período da Epifania, quando o menino Jesus se manifesta a nós como o Messias e o Salvador. No tempo do Natal, o Advento prepara o clímax do Natal, que continua no período da Epifania” (Just, 2008, p. 211).[2]
Durante o período da Epifania, a revelação de Jesus Cristo se manifesta de forma profunda e multifacetada em diversos eventos registrados nas Escrituras. Nós contemplamos o bebê a quem as nações se curvam, representado pelos magos que vieram do Oriente para adorá-lo e oferecer-lhe presentes de ouro, incenso e mirra (Mateus 2.1-12). Ouvimos a voz do Pai celestial declarar: “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado”, durante o batismo de Jesus no rio Jordão (Mateus 3.16-17). Além disso, somos testemunhas do início de suas maravilhas, quando ele transforma água em vinho nas bodas de Caná, revelando sua glória e levando Seus discípulos a crerem nele (João 2.1-11).

Esses eventos não apenas proclamam a identidade de Jesus como o Messias e Salvador do mundo, mas também ecoam poderosamente nas tradições da igreja ao longo do período da Epifania, apontando para a luz de Cristo que brilha em meio à escuridão e ilumina todos os povos.

Uma dessas tradições é a bênção da casa, que envolve marcar o batente da porta com um giz. Nesse momento, familiares e amigos se reúnem na entrada principal de casas ou apartamentos para pedir a bênção de Deus sobre a residência e todos os que moram ou visitam o local. Para quem mora sozinho, é possível convidar amigos, vizinhos ou até mesmo realizar esse rito na igreja, marcando a entrada do templo.

A origem dessa tradição é incerta, mas alguns afirmam que a prática de abençoar casas na Epifania teve origem na Europa Central e se espalhou durante o fim da Idade Média. Essa tradição foi preservada e adaptada ao longo dos séculos, sendo usadas pelas mais diversas igrejas cristãs.

Recomenda-se que o pastor da congregação seja convidado para realizar este momento. Como é comum muitos pastores estarem de férias neste período, o que pode dificultar sua presença, o rito também pode ser realizado por algum líder da igreja ou até mesmo por um membro da casa. Para isso, uma liturgia preparada está disponível para download e pode ser utilizada como guia, facilitando que todos participem deste momento.

A marcação no batente da porta geralmente segue o formato do ano em curso, como 20 + C + M + B + 25 (para este ano). Embora alguns associem as letras aos nomes dos magos (que a tradição sugere que seja Caspar (C), Melchior (M) e Baltazar (B), os luteranos frequentemente destacam o significado cristocêntrico: Christus Mansionem Benedicat (“Que Cristo abençoe esta casa”). Esse costume reforça o foco central da Epifania: o Cristo que tanto nos amou que veio habitar entre nós.

No livro do Êxodo, os israelitas marcaram suas portas com sangue para que o Senhor passasse por cima de suas casas (Êxodo 12.7,13). No entanto, neste rito, usamos o giz para marcar as portas e oramos, pedindo a presença e a bênção de Deus em nossos lares.

Muitas vezes, nós, luteranos, somos alvo de preconceito contra práticas que parecem “muito católicas”. Sentimos vergonha de nossas próprias tradições, como abençoar pessoas e objetos, mesmo quando elas estão registradas em nossos catecismos. Desde pequeno, cresci pedindo e recebendo a bênção de meus pais, avós e tios, um costume que se perdeu em muitas famílias. No Catecismo Menor, Lutero instrui: 
“como o chefe da família deve ensinar os membros de sua casa a pedir a bênção e dar graças à mesa”.
[3] Além disso, na seção das orações, a tradução em português da edição de 2016 diz: 

“De manhã, quando te levantas, benzer-te-ás, dizendo: em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém”.[4]

Alguns podem argumentar que tal prática "não está na Bíblia", que tais bênçãos litúrgicas não são sacramentos e que Cristo não as instituiu ou autorizou — e, portanto, que o luterano deve evitá-las. No entanto, dizer isso é ser mais luterano do que Lutero e mais confessional do que as próprias confissões. Em outras palavra, é perder o equilíbrio entre a fidelidade às Escrituras e a liberdade cristã, negando o valor de tradições que podem enriquecer a vida espiritual dos crentes sem comprometer a doutrina bíblica. Essas tradições, quando praticadas com liberdade e entendimento correto, podem ser bênçãos ricas que edificam a fé e fortalecem nossa comunhão com Deus e com o próximo; é desperdiçar nossa liberdade cristã, judaizando ao contrário: impondo um “não-ritual” sobre as consciências dos fiéis.

Como luteranos que creem no poder da Palavra de Deus para santificar, reconhecemos que vivemos em uma guerra espiritual, onde anjos e demônios são realidades, não meras projeções psicológicas. Por isso, mantemos essas tradições da igreja cristã com confiança e alegria.

E a bênção dos lares é uma dessas práticas, tradicionalmente realizada pelo pastor durante o período da Epifania, mas como dito acima, devido ao período de férias dos pastores, pode ser realizada por um lider ou chefe da família. Na Agenda de Culto da IELB, na página 255, encontramos diversas ordens de dedicação (entendidas como bênçãos) para diferentes momentos e objetos: altares, púlpitos, instrumentos musicais, utensílios do altar, salas da congregação, estabelecimentos públicos e privados, residências pastorais e particulares, entre outros.

A ordem de bênção para residências na Agenda é breve e objetiva, mas o Pastoral Care Companion, da LCMS, oferece uma abordagem mais detalhada, com orientações como:
1. É apropriado que o lar cristão seja abençoado mediante a Palavra de Deus e a oração. Este rito deve ser usado quando um novo lar está prestes a ser habitado, quando uma família acaba de se mudar ou em outras ocasiões (por exemplo, após um roubo, um ato de vandalismo, um assalto ou assassinato, um incêndio ou outro tipo de destruição, ou a renovação do lar).
2. O lar pode ser abençoado anualmente. Geralmente, isso é realizado durante o período da Epifania, em conexão com a visita dos magos ao lar do menino Jesus (Mt 2.1-11; Jo 1.14).
3. Todos os membros da família que habitam no local, bem como amigos e familiares, podem participar do rito. Devido ao caráter responsivo do rito, é recomendável preparar cópias impressas para todos os participantes.
4. Se desejado, um ou mais cômodos podem ser abençoados. A sequência deve ser adaptada conforme a disposição do lar.
5. O pastor da congregação preside o rito. Ele pode vestir-se com os trajes (litúrgicos) habituais, utilizando as cores correspondentes ao período litúrgico.
6. Se os membros da família ou os convidados participarem como assistentes, o pastor deve designar as leituras com antecedência.
7. Devido ao caráter solene da Semana Santa, é inapropriado agendar este rito para esses dias.
8. O chefe da família deve ser encorajado a orar regularmente com sua família, a ler a Palavra e a cantar hinos ao longo do ano, especialmente em momentos de angústia.

Que grande bênção é termos a oportunidade de receber Jesus em nosso lar por meio do Santo Ofício do Ministério — por meio de nosso pastor! É essencial recordarmos as palavras de nosso Senhor aos discípulos: “Quem recebe vocês é a mim que recebe; e quem recebe a mim recebe aquele que me enviou.” (Mateus 10.40). Assim, a celebração da Epifania e todo o seu período nos oferecem uma ocasião especial para acolhermos a bênção de Cristo em nossa casa e em nossa vida.

Embora essa prática específica não seja uma tradição amplamente realizada na Igreja Luterana do Brasil, meu objetivo é trazer à tona essa linda possibilidade que temos: não apenas no período da Epifania, mas em todos os momentos, acolher em nossas casas a presença e a bênção de Deus por meio do pastor. Esse momento, especialmente no início de um novo ano, nos convida a renovar a presença de Jesus entre nós, lembrando que Ele é a luz que ilumina nossas vidas e o centro de nosso lar.

No link abaixo, você pode baixar uma sugestão de liturgia para este rito.

Clique aqui para baixar a liturgia.
Clicando aqui, você encontra a mesma liturgia, em uma fonte maior (16).

Rev. Filipe Schuambach Lopes

----------
[1] EINERTSON, Kristen; MUENCH, Tessa. Epiphany traditions: King cake, house blessing. Disponível em: https://witness.lcms.org/2025/epiphany-traditions-king-cake-house-blessing/. Acesso em: 3 jan. 2025.
[2] JUST, Arthur A. Heaven on Earth: The Gifts of Christ in the Divine Service. S. Louis: Concordia Publishing House, 2008.
[3] Catecismo Menor, Livro de Concórdia, 2021, p.398.
[4] Catecismo Menor, Livro de Concórdia, 2016, p.379.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

O Culto: a vida celestial na terra - Wilhelm Loehe

No culto, a congregação experimenta seu Senhor de forma mais íntima. Aqui, ela vive na proximidade mais próxima de seu Noivo, em uma vida celestial na terra, uma vida terrena no céu. O culto é a mais bela flor da vida terrena. Assim como uma terra no meio do oceano, a Palavra e os Sacramentos ocupam o centro da vida interior e do culto da congregação.

Você tem uma semana que ficou para trás e uma nova semana à sua frente. Entre essas duas semanas está o dia do Culto e da Comunhão. Você deseja aproximar-se de Deus com a congregação. O que você, seja pastor ou ovelha, deve fazer primeiro? Você faz o que todas as religiões consideram necessário para a alma: você a purifica, como pés que se sujaram com as atividades da vida diária. Em outras palavras, você se prepara para o culto confessando seus pecados e recebendo a absolvição. Tendo sido purificado do pecado, você entra nas alegrias do dia festivo ou do domingo em particular.

No entanto, os fiéis percebem que a terra ainda carrega outros fardos e tristezas, tanto presentes quanto futuras. A vida, a morte e a eternidade, com todos os seus frutos amargos e consequências, ameaçam você enquanto caminha rumo ao reino celestial. Preocupações o sobrecarregam e continuam a fazê-lo. Mas o pecado já não mais o tortura, o mal já não mais é temido, e você não suspira mais ansiosamente, mas uma confiança alegre enche sua alma. Você se senta sob o olhar do Senhor. No sermão, começa a experimentar a bem-aventurada comunhão dos santos que se alegram no Senhor.

A congregação reunida em culto se vê como a Noiva do Senhor, rica não apenas dele e por meio dele, mas também uns nos outros. Em sua plenitude, a congregação pensa nas necessidades e misérias particulares da terra, deleita-se em todas as coisas boas e se apresenta diante do altar do Senhor com intercessões, petições e orações. Todos os fiéis são abençoados e se aproximam do trono de bênção sabendo que são dignos.

Os fiéis percebem que a Igreja é uma só, tanto aqui quanto em qualquer lugar. Peregrinos são um só em suas orações e são purificados juntamente com todos os santos bem-aventurados no céu.

— J. K. Wilhelm Loehe. Agende. In: GANZERT, Klaus (Ed.). Gesammelte Werke. Neuendettelsau: Freimund, 1986. v. 7/1, p. 12–15. Traduzido e publicado em: Treasury of Daily Prayer. St. Louis: Concordia Publishing House, 2008, p. 1081.

Comemoração de Wilhelm Loehe, pastor - 2 de Janeiro

Neste dia, lembramos de um luterano do século XIX chamado J. K. Wilhelm Loehe, pastor.

Nascido em 1808, Loehe chegou à maturidade em uma época em que a "liderança" teológica da Igreja Luterana na Alemanha estava, em grande parte, sob o domínio do Racionalismo. Para ter uma ideia de quão grave isso era, um de seus contemporâneos, C. F. W. Walther, descreveu ouvir sermões sobre temas tão emocionantes como a rentabilidade de cultivar batatas! E a situação só piorava a cada ano. Contudo, nesse deserto árido, o Senhor levantou servos fiéis, entre os quais estava Loehe.

Embora nunca tenha deixado sua terra natal alemã, Loehe, moldado pela mente da Igreja, tinha grandes sonhos. Seu coração voltou-se para a situação da América do Norte. Ele organizou o envio de pastores para ajudar a reunir os muitos imigrantes luteranos na nova terra em congregações e iniciar o trabalho missionário entre os nativos americanos em Michigan. Ele ajudou a fundar um seminário para atender à enorme necessidade de pastores (Concordia Theological Seminary de Fort Wayne, Indiana, EUA, é fruto de seu trabalho). Loehe organizou casas diaconais e ajudou as irmãs a empreenderem diversos trabalhos de caridade, acima de tudo, o cuidado de órfãos e idosos.

Para Loehe, o serviço de amor fluía de maneira natural e inevitável do Culto Divino. Ele escreveu uma explicação para o Catecismo de Lutero, revisou a liturgia e publicou um popular livro de orações, Sementes de Oração (Seed-Grains of Prayer). Talvez sua maior obra seja Três Livros sobre a Igreja (Three Books on the Church), em que oferece uma profunda meditação sobre a glória da Noiva de Cristo e o papel da Igreja Luterana dentro da igreja católica.

Ele faleceu em 2 de janeiro de 1872, após servir sua amada paróquia em Neuendettelsau, Alemanha, por cerca de trinta e cinco anos. A oração de hoje vem de sua autoria.

ORAÇÃO DO DIA
Santíssima Trindade, em tua misericórdia, entregamos a ti neste dia nossos corpos e almas, todos os nossos caminhos todos os nossos atos e propósitos. Rogamos-te que abras nossos corações e bocas para que possamos louvar teu nome, que acima de todos os nomes é santo. E, já que nos criaste para o louvor do teu santo nome, concede que nossas vidas sejam para tua honra, e que te sirvamos em amor e temor. Pois Tu, ó Pai, Filho e Espírito Santo, vives e reinas, um só Deus, agora e sempre. Amém.

Fonte: WEEDON, William. Celebrating the Saints (Concordia Publishing House, 2016)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Reflexões - Janeiro de 2025

Inspirado nos devocionais da Higher Things, trazemos este livreto com devoções para o mês de janeiro. Os textos bíblicos utilizados são da versão Nova Almeida Atualizada (NAA), e as citações dos documentos confessionais foram extraídas do Livro de Concórdia, edição de 2021.

O livreto foi elaborado com fonte tamanho 16, garantindo uma leitura confortável. Caso seja impresso, recomendamos o formato livreto, que proporciona um tamanho prático e agradável para o manuseio e a leitura.

Que este material sirva como um instrumento para o crescimento na fé por meio da poderosa e viva Palavra de Deus.

“Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para julgar os pensamentos e propósitos do coração.” (Hebreus 4.12).

Que Deus abençoe sua caminhada diária na Palavra.

Baixe o livreto clicando aqui.

FESTA DA CIRCUNCISÃO E NOME DE JESUS - 1º de janeiro

Neste dia, a Santa Igreja celebra com grande alegria a Festa da Circuncisão e do nome de Jesus.

Enquanto o mundo desperta grogue de uma noite de festas selvagens, supostamente para dar as boas-vindas ao Ano Novo civil, a Igreja acorda e chama seus filhos a se reunirem para louvar a Deus por um presente curioso: a circuncisão de um menino judeu há dois milênios. “O quê?” pergunta o mundo com os olhos ainda turvos. “Você está falando sério?” Sim, estamos. Hoje marca o oitavo dia desde que os cristãos celebraram o nascimento de Jesus. Oito dias após o Seu nascimento, Maria e José levaram Seu filho para ser circuncidado (Lucas 2.21). Como parte da cerimônia, o menino recebeu o nome de Jesus, que significa “o Senhor salva,” exatamente como o anjo havia predito aos seus pais.

Desde os dias de Abraão, os judeus circuncidavam seus filhos homens. A circuncisão trazia a criança para a aliança de Deus com Abraão, marcando-a como pertencente ao povo de Deus. Esse povo aguardava ansiosamente o cumprimento da maior parte da promessa feita a Abraão: o dia em que todas as famílias da terra seriam abençoadas por meio de um de seus descendentes. O sinal dessa promessa foi colocado, deve-se dizer, em um lugar lógico. Eles traziam em seus corpos uma lembrança constante da Semente prometida, o Salvador, o Bendito.

Quando Maria e José circuncidaram Jesus, ocorreu a circuncisão que encerraria todas as outras circuncisões. Aqui, tanto a obediência ativa quanto a passiva de Cristo são confessadas. Ativamente, o Doador da Lei humilhou-Se para submeter-Se à Lei, a fim de cumpri-la perfeitamente em lugar de todas as pessoas. Nenhum ser humano nascido de Adão de forma natural poderia fazer isso. Com Sua circuncisão, começou o “sim” ininterrupto de Jesus à vontade de Seu Pai. Passivamente, o sangue derramado em Sua infância prenunciava um derramamento de sangue ainda maior. Já antecipava o sangue que seria suado no jardim, escorrendo de Seu rosto sob a cruel coroa de espinhos e manchando a madeira da cruz. Foi por isso que Ele veio: para derramar seu sangue. É assim que Ele oferece a cobertura que apaga os pecados do mundo. Todos eles. É assim que a bênção chega.

Não há nome tão sublime
    como o nome de Jesus.
Este nome nos redime
    e nas trevas nos reluz.
Venham, nossa voz alcemos
    e rendamos o louvor
que ao Senhor Jesus devemos
    pelo seu imenso amor. (HL 68.1)

Nos primeiros dias da Igreja após Pentecostes, alguns falsos mestres insistiam que, para ser cristão, um homem precisava ser circuncidado e observar a Lei de Moisés. Em certo sentido, Paulo concordava, mas, de forma ainda mais profunda, discordava. Ele concordava que a circuncisão era importante, mas somente para quem guardasse toda a Lei perfeitamente. E a única pessoa capaz de fazer isso, claro, é Jesus. Quando você é batizado n’Ele, sua circuncisão e obediência perfeita são creditadas como se fossem suas. Tudo o que é d’Ele é transferido para você, contado a seu favor na água juntamente com a Palavra de Deus.

O que a circuncisão de um menino judeu há dois mil anos tem a ver com você hoje? Absolutamente tudo!

ORAÇÃO DO DIA
Pai dos céus, ao ser batizado no Rio Jordão Jesus foi proclamado teu Filho amado e ungido com o Espírito Santo. Faze com que todos os batizados em seu nome sejam fiéis ao seu chamado como teus filhos e herdeiros com ele da vida eterna; através do mesmo Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

COR LITÚRGICA: Branca

LEITURAS BÍBLICAS:
† Primeira Leitura: Números 6.22-27
† Salmodia: Salmo 8
† Segunda Leitura: Gálatas 3.23-29
† Evangelho: S. Lucas 2.21

Fonte: WEEDON, William. Celebrating the Saints (Concordia Publishing House, 2016).