domingo, 29 de dezembro de 2024

O Cântico de Simeão (Nunc Dimittis) e a Liturgia Luterana

Conforme as liturgias da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), após a Comunhão, acontece o cântico ou recitação do Nunc Dimittis, também conhecido como o Cântico de Simeão. Esse momento é muito especial, pois nos conduz a agradecer e expressar nossa confiança plena em Deus, após termos recebido Cristo no Sacramento do Altar. As palavras que entoamos ecoam o testemunho de Simeão, registradas no Evangelho de Lucas, são as seguintes:

"Senhor, agora despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra, pois os meus olhos viram a tua salvação, a qual preparaste perante a face de todos os povos, Luz para alumiar as gentes e para glória de teu povo Israel. Glória ao Pai e ao Filho e ao Santo Espírito, como era no princípio, agora é e por todo o sempre há de ser! Amém."

Essas palavras nos conectam à Simeão, que, movido pelo Espírito Santo, reconheceu, nos braços de Maria, que aquele menino era a glória de Deus voltando ao templo. Diferente da visão de Ezequiel, que viu a glória de Deus em um trono de safira sobre os querubins (Ez 1.26), Simeão viu a glória no tabernáculo da carne humana (Jo 1.14). A glória de Deus, que havia se retirado por causa do pecado do povo, agora retornava, não em uma estrutura física, mas na pessoa de Jesus Cristo, que cumpria perfeitamente a lei divina.

Cristo presente na Santa Ceia
Assim como Simeão reconheceu o Salvador nos braços de Maria, nós o reconhecemos e recebemos pela fé no pão e no vinho da Santa Ceia. Não são simples elementos simbólicos, mas o verdadeiro corpo e sangue de Cristo. Sobre isso, Jordan Cooper destaca:
"Ao cantar esse cântico, como Simeão, reconhecemos que encontramos Cristo na Santa Ceia. Com nossos próprios olhos, vimos a salvação que Deus preparou por meio desse sacramento santo. Depois de recebermos Cristo, podemos partir do altar em paz, pois recebemos a salvação que ele nos oferece" (Liturgical Worship: A Lutheran Introduction, p. 121)​.
Arthur Just complementa, mostrando como o Nunc Dimittis é uma expressão perfeita para encerrar a Santa Ceia:
"Ao concluir a distribuição da Ceia, cantar o Nunc Dimittis é uma maneira inspirada de encerrar este momento. Simeão reconheceu a paz de Deus em Cristo, e nós fazemos o mesmo ao recebê-lo no altar, proclamando que nossos próprios olhos viram a salvação no corpo e sangue de Jesus" (Heaven on Earth: The Gifts of Christ in the Divine Service, p. 121-122)​.
Além disso, a Fórmula de Concórdia confirma claramente a presença real de Cristo na Ceia:
"Cremos, ensinamos e confessamos que, na Santa Ceia, o corpo e o sangue de Cristo estão verdadeira e essencialmente presentes e são verdadeiramente distribuídos e recebidos com o pão e o vinho" (Fórmula de Concórdia, Epítome VII, 6-7).
Essa confissão nos enche de alegria e certeza. Ao participarmos da Ceia do Senhor, não recebemos apenas um sinal, mas o próprio Salvador que se entregou por nós. Assim como Simeão segurou Jesus em seus braços, nós seguramos e recebemos o mesmo Cristo no altar, sob os elementos consagrados. Essa presença real é o fundamento da nossa fé e da nossa paz.

Uma canção que transcende a Santa Ceia
O Nunc Dimittis reflete perfeitamente o que acontece em nosso coração ao recebermos a Santa Ceia. No entanto, ele vai além do momento da Comunhão, sendo uma expressão da confiança do cristão em todas as etapas da vida. Esse cântico é frequentemente usado também em serviços fúnebres luteranos, reafirmando que quem confia em Cristo parte deste mundo em paz, com a certeza da ressurreição e da vida eterna. Desde a criança recém-confirmada até o cristão mais idoso, todos que participam do altar de Cristo podem dizer com confiança: “Estou pronto para morrer em paz. Meus olhos viram a tua salvação, Senhor.” Essa é a paz que transcende o entendimento, enraizada na obra salvadora de Cristo​​.

Uma prática que cresceu no luteranismo
Reed explica que, nas primeiras liturgias luteranas, o uso do Nunc Dimittis após a Ceia não era universal, mas ele aparece em ordens suecas e alemãs do século XVI. 
"O cântico foi incluído em algumas liturgias antigas, como a liturgia sueca de 1531 e em ordens alemãs de 1525. Ele também se conecta à tradição da liturgia hispânica (Mozarábica), mas sua adoção em massa como parte do culto luterano reflete o foco na comunhão com Cristo e a paz encontrada na Ceia" (Reed, The Lutheran Liturgy, p. 355-356)​​.
Embora haja alguma evidência do uso do Nunc Dimittis nas primeiras liturgias da Igreja, ele não era comumente incluído após a Ceia do Senhor até que Wilhelm Loehe, um luterano alemão que enviou missionários para a América e influenciou profundamente o luteranismo americano, incluiu o Nunc Dimittis em uma agenda publicada em 1844. Sua inclusão foi uma maneira de destacar a conexão entre a experiência de Simeão e a recepção de Cristo na Ceia, estabelecendo uma prática que continua até hoje​​.

Preparados para viver e morrer em paz
Ao cantarmos o Nunc Dimittis, afirmamos algo extraordinário: estamos prontos para enfrentar tudo, inclusive a morte. Não porque somos fortes em nós mesmos, mas porque nossos olhos viram a salvação e nossos corações receberam a paz que vem de Cristo. Essa paz não é passageira, mas eterna, sustentando-nos até que nos reunamos com o Senhor na glória celestial.

O Nunc Dimittis nos ensina que, assim como Simeão, não precisamos temer a morte ou qualquer desafio desta vida. Quando o pastor diz: “que esta ceia vos fortaleça e preserve na fé para a vida eterna”, ele nos lembra que, tendo recebido o corpo e o sangue de Cristo, temos tudo o que precisamos. Essa paz não é passageira, mas eterna, sustentando-nos até que nos reunamos com o Senhor na glória celestial.

Assim, o Nunc Dimittis é mais do que um simples cântico. Ele é uma confissão de fé, gratidão e paz. Assim como Simeão, ao cantarmos, declaramos: "Senhor, agora despedes em paz o teu servo", com a certeza de que Cristo é tudo o que precisamos. Que essa paz nos acompanhe todos os dias de nossa vida, até o momento em que também diremos com Simeão: "Meus olhos viram a tua salvação", certos de que estaremos com o Senhor eternamente.

Rev. Filipe Schuambach Lopes

sábado, 28 de dezembro de 2024

Festa dos Santos Inocentes - 28 de dezembro

"Massacre dos Inocentes", Peter Paul Rubens, 1636–1638 (Alte Pinakothek)
Hoje, a Igreja celebra o Dia dos Santos Inocentes, um momento de reflexão profunda sobre o sacrifício de crianças que, sem saberem, derramaram seu sangue pelo Cristo que veio para redimir a humanidade. Esses pequeninos, mortos pela crueldade de Herodes em sua tentativa de eliminar o recém-nascido Rei dos Judeus, são chamados de mártires não por vontade própria, mas pela ação de sua morte, uma consequência direta do ódio do mundo contra o Salvador.

Mateus nos relata o contexto trágico deste dia. Após o nascimento de Jesus em Belém, magos vindos do Oriente chegaram a Jerusalém em busca do "Rei dos Judeus". Guiados por uma estrela, eles finalmente encontraram o menino Jesus, oferecendo-lhe presentes de ouro, incenso e mirra, símbolos de sua realeza, divindade e sacrifício futuro. Alertados em sonho para não retornar a Herodes, os magos partiram por outro caminho. Herodes, percebendo que havia sido enganado, ordenou o assassinato de todos os meninos de dois anos ou menos em Belém e arredores, na tentativa de destruir o suposto rival ao seu trono (Mt 2.13-18).

Esses inocentes, cujas vidas foram ceifadas, não por decisão própria, mas pela brutalidade de Herodes, são lembrados pela Igreja como mártires de Cristo. Sua morte cumpre a profecia de Jeremias: "Ouviu-se um clamor em Ramá, pranto e grande lamento; era Raquel chorando por seus filhos e recusando ser consolada, porque já não existem" (Jr 31.15). Esse lamento ecoa através da história, relembrando a dor de vidas tiradas injustamente e a maldade que o pecado provoca no mundo.

No entanto, essa tragédia não é o fim. Esses pequeninos morreram por aquele que, mais tarde, morreria por eles – e por nós. O Menino que escapou da espada de Herodes cresceu para enfrentar a cruz, os espinhos e os pregos, garantindo nossa redenção eterna. Ele é o Cordeiro de Deus, cujo sangue traz paz e reconciliação. Como João nos lembra em Apocalipse, "pertencemos àqueles que seguem o Cordeiro por onde quer que ele vá" (Ap 14.4).

Os Santos Inocentes são um testemunho não apenas da brutalidade humana, mas também da graça divina. Embora não fossem livres de pecado, como o Salmo 51 nos lembra, eles foram tornados santos pela graça de Deus através da circuncisão, o "sacramento" da Antiga Aliança, que apontava para o Salvador vindouro. Assim como eles foram declarados santos pela promessa de Deus, nós também o somos, agora pelo sacramento do Batismo. Nele, recebemos a santidade e a inocência de Cristo, que cumpriu toda a Lei em nosso lugar e carregou nossos pecados (Rm 6.3-4).

A cor litúrgica vermelha deste dia simboliza o sangue derramado por esses pequeninos e por tantos outros mártires que seguiram ao longo da história da Igreja. O vermelho aponta para o sacrifício supremo de Cristo, que derramou seu sangue para salvar o mundo, dando-nos vida em abundância (Jo 10.10).

A festa dos Santos Inocentes, celebrada já no século IV, nos conecta à tradição antiga da Igreja, que reconhece a profundidade do sacrifício e da redenção. Ao refletirmos sobre este dia, somos chamados a nos voltar para o Cordeiro de Deus, que transforma o sofrimento em vitória e a morte em vida eterna. Como oração do dia nos ensina, pedimos que Deus faça morrer em nós tudo o que está em conflito com a sua vontade, para que nossas vidas testemunhem a fé que professamos.

Que possamos encontrar conforto na promessa de Cristo, o Cordeiro que enxuga todas as lágrimas e garante a paz eterna. Que o testemunho silencioso dos Santos Inocentes nos inspire a viver nossa fé com coragem e gratidão, reconhecendo que, em Cristo, somos santos e inocentes pela graça de Deus.

Cor litúrgica: Vermelha

Leituras bíblicas
† Primeira Leitura: Jeremias 31.15-17
† Salmo: Salmo 54
† Segunda Leitura: Apocalipse 14.1-5
† Evangelho: S. Mateus 2.13-18

Oração do Dia
Todo-poderoso Deus, os mártires inocentes de Belém manifestaram publicamente teu louvor, não pelo falar, mas pelo morrer. Faz morrer em nós tudo que está em conflito com a tua vontade, para que nossas vidas possam dar testemunho da fé que professamos com os nossos lábios; através de Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Festa de São João, Apóstolo e Evangelista – 27 de dezembro

“São João Evangelista” (c. 1625 e 1628), Frans Hals (1582/1583–1666)
Hoje, a Igreja celebra a vida e o ministério de São João, Apóstolo e Evangelista, um dos primeiros discípulos de Jesus e um dos mais notáveis escritores do Novo Testamento. Seu testemunho e escritos continuam a iluminar a fé cristã e a guiar a Igreja na compreensão do amor e da verdade revelados em Cristo.

João era filho de Zebedeu e irmão de Tiago, o Maior, ambos pescadores chamados por Jesus enquanto trabalhavam nas margens do Mar da Galileia (Mt 4.18-22). Ele é descrito em seu Evangelho como "o discípulo a quem Jesus amava" (Jo 21.20), indicando sua proximidade com o Senhor. João foi o único dos Doze que permaneceu fielmente ao lado de Jesus durante sua Paixão, estando presente ao pé da cruz junto com Maria, a mãe de Jesus. Foi nesse momento que Cristo confiou Maria aos cuidados de João, e ele a recebeu como sua própria mãe (Jo 19.26-27).

Após a ressurreição de Cristo e o Pentecostes, João exerceu seu ministério primeiramente em Jerusalém e, mais tarde, em Éfeso, onde serviu como bispo. A tradição nos informa que ele escreveu o Evangelho de João, três Epístolas e o Livro do Apocalipse, durante seu exílio na ilha de Patmos, sob o imperador Domiciano. Diferentemente dos outros apóstolos, João não sofreu o martírio, mas viveu até uma idade avançada, falecendo em Éfeso por volta do ano 100 d.C.

O símbolo de João como evangelista é a águia, representando a elevação de seu pensamento teológico. Seu Evangelho se distingue por sua profundidade espiritual, testemunhando o Verbo eterno que se fez carne e habitou entre nós (Jo 1.14). João é autor de passagens memoráveis que capturam a essência do Evangelho, como João 3.16: “Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” Ele relata eventos cruciais, como o casamento em Caná, onde Jesus realizou seu primeiro milagre (Jo 2.1-12), o discurso sobre o Bom Pastor (Jo 10.11-16) e a ressurreição de Lázaro (Jo 11). Seu Evangelho também apresenta a comovente cena de Maria Madalena encontrando Jesus na manhã da Páscoa (Jo 20.11-18).

Em suas epístolas, João enfatiza o amor como a marca distintiva da vida cristã. Ele nos lembra que “Deus é amor” (1Jo 4.8) e que devemos amar uns aos outros como reflexo do amor de Deus por nós. Como um idoso respeitado, João costumava encorajar os cristãos com a exortação: “Filhinhos, amem-se uns aos outros”. Além disso, ele aponta para Cristo como nosso Advogado junto ao Pai e como a propiciação pelos pecados do mundo inteiro (1Jo 2.1-2). João é um testemunho fiel da verdade, como ele mesmo afirma: “Sabemos que o seu testemunho é verdadeiro” (Jo 21.24).

O Apocalipse, escrito durante seu exílio em Patmos, revela a majestade e a vitória de Cristo sobre o mal. João declara ser testemunha da palavra de Deus e do testemunho de Jesus Cristo, revelando verdades que confortam e fortalecem a Igreja em meio às tribulações (Ap 1.1-6).

Celebrar São João durante o período do Natal nos convida a contemplar a profundidade do mistério da encarnação. Ele resume o Natal em uma frase poderosa: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14). Seu testemunho nos desafia a viver como filhos da luz, guiados pelo amor e pela verdade de Cristo.

Que a vida e os escritos de São João nos inspirem a testemunhar a graça e a verdade de Cristo com coragem e amor. Como João, que possamos proclamar: “Temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1Jo 2.1), e viver como aqueles que experimentaram e compartilham o amor de Deus.

Cor litúrgica: Branca

LEITURAS
† Primeira Leitura: Apocalipse 1.1-6
† Salmo: Salmo 11 (antífona v. 4a)
† Segunda Leitura: 1 João 1.1 - 2.2
† Santo Evangelho: S. João 21.20-25

ORAÇÃO DO DIA
Misericordioso Senhor, lança os raios brilhantes da tua luz sobre a tua Igreja, a fim de que nós, sendo instruídos na doutrina de teu bem-aventurado apóstolo e evangelista João, possamos chegar à luz da vida eterna; pois tu vives e reinas com o Pai e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Dia de Santo Estevão - 26 de Dezembro

No dia 26 de dezembro, a Igreja celebra Santo Estêvão, conhecido como o protomártir – o primeiro a derramar seu sangue por amor a Cristo após a ascensão de nosso Senhor. Estevão, um dos sete diáconos escolhidos pelos apóstolos, foi descrito como “cheio de fé e do Espírito Santo” (Atos 6.5) e desempenhou um papel significativo no serviço à Igreja nascente. Sua vida e morte nos ensinam lições sobre fé, coragem e amor, especialmente à luz do Natal.

O relato de Estêvão está registrado em Atos 6–7. Ele foi acusado injustamente pelos líderes religiosos devido à sua pregação sobre Jesus como o Messias. Em seu julgamento, fez um discurso contundente, resumindo a história da salvação e denunciando a resistência contínua dos líderes religiosos ao Espírito Santo. Suas palavras irritaram profundamente os acusadores, que o apedrejaram até a morte. Mesmo em seus últimos momentos, Estêvão orou: “Senhor, não os condenes por causa deste pecado!” (Atos 7.60), em clara referência às palavras de Cristo na cruz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23.34).

Estêvão é muitas vezes retratado na arte cristã com pedras, simbolizando seu martírio, e com um ramo de palma, representando o triunfo da fé sobre a morte.

Santo Estêvão e o Natal
O Natal celebra o nascimento de Jesus, a encarnação de Deus para redimir a humanidade. Contudo, essa festa não ignora o custo da salvação: o caminho de Cristo é marcado pela cruz. A conexão entre o Natal e o martírio de Estêvão está na missão de Cristo: Ele veio para trazer reconciliação e vida, mas também advertiu que seus seguidores enfrentariam perseguição (cf. João 15.20).

Estêvão é um testemunho vivo desse paradoxo: a luz de Cristo brilhou em sua vida e, mesmo em sua morte, revelou o amor e o perdão que transcendem o ódio humano. Sua coragem e fé ecoam a mensagem do Natal – a vinda do Salvador que nos capacita a viver e morrer no amor de Deus.

Um chamado à reflexão
Ao comemorarmos Santo Estêvão no período natalino, somos chamados a lembrar que o nascimento de Cristo não é apenas um evento histórico, mas uma transformação contínua de nossas vidas. Como Estêvão, somos chamados a testemunhar o amor de Deus, mesmo diante de adversidades. Ele viu os “céus abertos e o Filho do Homem em pé à direita de Deus” (Atos 7.56), uma visão que confirmou sua fé e sua esperança na glória etern.

Neste dia, também oramos pelos cristãos perseguidos em todo o mundo. A memória de Estêvão nos lembra que o sofrimento por causa de Cristo não é em vão, mas uma expressão de fidelidade àquele que sofreu e morreu por nós. Como Valerius Herberger escreveu: “Ontem Cristo nasceu no mundo, para que hoje Estêvão pudesse nascer no céu.”[1]

Enquanto celebramos a encarnação de Cristo, que trouxe salvação a toda a humanidade, somos inspirados pelo exemplo de Santo Estêvão. Que sua vida e testemunho fortaleçam nossa fé, encham nossos corações de coragem e nos capacitem a proclamar o Evangelho com ousadia. O Natal e o martírio de Estêvão nos lembram que o caminho da cruz é, na verdade, o caminho da glória, e que, por meio de Cristo, o céu está aberto para nós. Amém.

Oração do dia
Pai celestial, em meio aos nossos sofrimentos por causa de Cristo, concede-nos a graça de seguir o exemplo de Estevão, o primeiro mártir, para que também nós possamos olhar para aquele que sofreu e foi crucificado em nosso favor e orar por aqueles que nos fazem o mal; através de Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

Cor litúrgica: Vermelha

Leituras bíblicas
† Primeira Leitura: 2 Crônicas 24.17-22
† Salmo: Salmo 119.137-144
† Segunda Leitura: Atos 6.8-7.2a, 51-60
† Evangelho: S. Mateus 23.34-39

[1] Valerius Herberger, citado em Karl-Heinrich Bieritz, Das Kirchenjahr, p. 198. 

Tempo de Natal: o período do Natal

O Natal traz consigo as boas novas de grande alegria (Cf. Lucas 2.10), anunciando o nascimento do Salvador do mundo em Belém. A segunda Pessoa da Trindade, para redimir a humanidade, se encarnou, tornando-se homem. Após a grandiosa celebração da Ressurreição, a Festa do Nascimento torna-se a mais significativa do Ano da Igreja.

O Natal começou a ser observado e celebrado mais tarde em comparação com a Páscoa devido à incerteza quanto à data precisa do nascimento de Jesus. Durante a era em que Roma estava impregnada pelo paganismo, o dia 25 de dezembro era marcado pela celebração do “Deus-sol Invencível” (Natale Solis Invicti). Essa festa reconhecia tanto a morte da escuridão, quando o sol atingia seu ponto mais baixo, quanto o nascimento da luz, à medida que cada novo dia se prolongava.

Os cálculos aproximados de Hipólito, por volta de 220 d.C., estabeleceram 25 de março como a data da crucificação. Na antiguidade, saber a data exata de nascimento era incomum, mas o dia da morte, especialmente de pessoas importantes, era registrado.

No terceiro século, várias comunidades cristãs acreditavam que 25 de março correspondia à crucificação de Cristo, coincidindo com o equinócio da primavera. Além disso, esse dia marcava o primeiro dia do ano novo, pois muitos acreditavam que a criação do mundo havia começado nessa data, unindo assim a criação e a redenção. Com a suposição infundada de que a vida terrena de nosso Senhor deveria conter um número exato de anos, e através de cálculos, Hipólito designou 25 de dezembro como a data do Natal.

A primeira celebração oficial do Natal foi registrada em Roma no ano 336 d.C., quando os cristãos contrapuseram as festas pagãs com sua própria celebração, proclamando a verdadeira “luz do mundo”, conforme afirmado claramente no evangelho de João 8.12. A celebração do nascimento em 25 de dezembro não simboliza apenas a luz solar, mas o advento do “Sol da justiça”, que nascerá “trazendo salvação nas suas asas”, como profetizado por Malaquias 4.2.

Para os primeiros cristãos, a autenticidade da data não era a preocupação central. O foco residia na verdade teológica que permeava a prática. A encarnação e a expiação caminhavam lado a lado. O Natal e a Páscoa eram faces da mesma moeda: Jesus nasceu para morrer. Essa é a essência do ano litúrgico da igreja, onde o Natal, a Páscoa e a Anunciação convergem para este propósito maior.

O período de Natal começa com a celebração da Natividade de Nosso Senhor, sendo tradicionalmente marcado pela Véspera de Natal, em 24 de dezembro. A celebração continua com:
  • Meia-noite de Natal;
  • Aurora de Natal: Liturgia celebrada ao amanhecer do dia 25;
  • Dia de Natal: Celebração principal da Natividade de Nosso Senhor, no dia 25 de dezembro.
Após o dia 25, o período de Natal continua com os domingos que seguem:
  • Primeiro Domingo após o Natal, que ocorre entre os dias 26 de dezembro e 1º de janeiro.
  • Segundo Domingo após o Natal (quando aplicável, dependendo da data do Epifania).
No contexto do Natal e de todo o seu período, a cor litúrgica predominante é o branco. Esta tonalidade carrega consigo significados, simbolizando divindade, eternidade, pureza, luz e alegria. É, portanto, a escolha mais apropriada para celebrar a encarnação do Deus que veio redimir a humanidade.

Rev. Filipe Schuambach Lopes

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

19 de dezembro: Ó Radix Iesse (Ó Raiz de Jessé) – Isaías 11.1 e 10

Cristo, a Raiz de Jessé,
nossa Esperança e Redenção

Versículo base: “Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes brotará um renovo. Naquele dia, a raiz de Jessé estará posta por estandarte dos povos. As nações recorrerão a ela, e a glória será a sua morada.” Isaías 11.1, 10.

No dia 19 de dezembro, a Igreja proclama a terceira Antífona do Ó, dizendo: “Ó Raiz de Jessé, que és um sinal para os povos, vem me resgatar e não tardes mais.” Essa oração olha para Cristo como o rebento que brota do tronco de Jessé, trazendo vida onde tudo parecia morto.

Isaías 11.1 diz: “Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes brotará um renovo.” A promessa do Messias surge em meio à destruição. O “tronco de Jessé” parecia seco, mas Deus, em sua fidelidade, fez brotar um renovo. Esse rebento não seria um rei comum, mas o próprio Cristo, que estabelece um reino eterno. Lutero diz: “Cristo é o brotar de um novo reino espiritual, [...] regado com uma força divina.”[1]

No versículo 10, Isaías continua: “Naquele dia, a raiz de Jessé estará posta por estandarte dos povos. As nações recorrerão a ela.” Cristo é esse sinal para todos os povos, o estandarte que atrai pessoas de todas as nações, em sua cruz. Em tempos de desespero e pecado, ele nos chama para perto, trazendo direção e salvação.

Muitas vezes, nossa vida se assemelha a um tronco seco: momentos de fraqueza, culpa e desânimo. Mas Cristo, a Raiz de Jessé,[2] surge como o renovo que traz esperança e nova vida. Ele vem ao nosso encontro hoje por meio de sua Palavra e Sacramentos. Quando você está abatido pelo peso dos seus pecados, seu pastor, ordenado por Cristo, levanta seus olhos para a cruz, proclamando o perdão. Se você adoece e é cercado pela morte, seu pastor traz a viva Palavra de Deus e o Corpo e Sangue de Cristo ao seu leito. Quando preso em um pecado, ele o chama ao arrependimento. E quando você precisa de consolo e força, o pastor administra a Ceia do Senhor, com o perdão e a restauração que Cristo oferece àqueles que confessam a fé cristã.

Assim, no Batismo, Cristo nos regenera e, na Ceia, nos fortalece com seu corpo e sangue, garantindo o perdão dos pecados. Ele age hoje por meio de sua Igreja e de seus servos. Cristo já veio para nos resgatar, vem hoje para nos consolar e virá novamente em glória para nos levar à vida eterna.

Junto com a Santa Igreja Cristã, oramos: “Ó Raiz de Jessé, que és um sinal para os povos, vem me resgatar e não tardes mais.”

Oração: Ó Cristo, Raiz de Jessé, tu és o sinal de esperança para todos os povos. Quando tudo parece morto e sem vida, tu brotas com o teu poder e trazes esperança. Resgata-nos com o teu braço forte e, em nossa fraqueza, envia teus servos para nos confortar com a Palavra e o perdão. Que possamos encontrar em ti a vida e a redenção eterna. Por Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém.

Rev. Filipe Schuambach Lopes
19/12/2024
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[1] “Assim Cristo é chamado, e de fato é o brotar de um novo reino espiritual. Obviamente é diferente de um reino terreno, onde uma assembleia de pessoas recebe um rei. Neste caso o rei nasce primeiro e então reúne um povo para si mesmo. No início haverá um único broto vindo da raiz, de um tronco velho e sem esperança, contudo ele é regado com uma força divina” (AE 16.117).

[2] Refere-se à linhagem de Davi, filho de Jessé, que foi cortada pelo juízo divino, mas de onde surge um renovo – o Messias prometido. Cristo é chamado de Raiz de Jessé porque Ele não é apenas descendente de Davi, mas o “novo Davi”, cujo reinado influencia a história humana até o fim dos tempos (Jr 30.9; Ez 34.23-24; Ap 5.5; 22.16).

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

18 de dezembro: Ó Adonai (Ó Senhor) – Isaías 11.4-5

Cristo, o Senhor que vem com justiça e poder

Versículo base: “Mas julgará com justiça os pobres e decidirá com equidade a favor dos mansos da terra. Castigará a terra com a vara de sua boca e com o sopro dos seus lábios matará o perverso. O cinto dele será a justiça, e a verdade será a faixa na cintura.” Isaías 11.4-5.

No dia 18 de dezembro, a Igreja proclama a segunda Antífona do Ó, dizendo: “Ó Adonai, guia da casa de Israel, vem me resgatar com o poder do teu braço.” Neste clamor, reconhecemos Cristo como o verdadeiro Senhor, o “Adonai” que governou o povo de Israel no Antigo Testamento e que hoje vem ao nosso encontro com justiça, poder e graça para nos resgatar.

A palavra Adonai é uma palavra hebraica que significa “Senhor”. No Antigo Testamento, Yahweh é o nome pessoal de Deus. No entanto, por respeito e temor de transgredir o segundo mandamento, os judeus passaram a usar “Adonai” como substituto, especialmente durante o período intertestamentário.[1] Esse costume foi assimilado pelos primeiros cristãos, e até hoje “Senhor” é utilizado como um título divino, reconhecendo o governo e a autoridade do Deus verdadeiro. Quando a Igreja ora “Ó Adonai”, está invocando Cristo como o Senhor soberano, o Deus que guiou Israel no passado e que agora nos guia com o mesmo poder e fidelidade.

Em Isaías 11.4-5, o profeta descreve o Messias prometido: “Mas julgará com justiça os pobres e decidirá com equidade a favor dos mansos da terra. Castigará a terra com a vara de sua boca e com o sopro dos seus lábios matará o perverso. O cinto dele será a justiça, e a verdade será a faixa na cintura.” Essas palavras nos mostram a ação reta e poderosa do Senhor. Diferente dos governantes humanos, Cristo governa com perfeita justiça, sempre em favor mansos e dos necessitados. Ele não age com interesse próprio nem com parcialidade. Seu juízo é reto e perfeito, pois ele conhece todas as coisas e vê a verdade que está nos corações.

Quando Isaías fala que “castigará a terra com a vara de sua boca” e “com o sopro dos seus lábios matará o perverso” (Is 11.4), ele está destacando o poder da Palavra de Deus. A Palavra do Senhor não é vazia ou fraca, mas poderosa para realizar tudo o que diz. Cristo governa com a “vara de sua boca”, ou seja, a sua Palavra, que nos exorta, corrige, salva, fortalece e nos guia. Como o próprio Jesus afirmou: “As palavras que eu lhes tenho falado são espírito e são vida.” (João 6.63).

Quando olhamos para tudo isso, reconhecemos a nossa fragilidade. Assim como Israel no deserto, somos incapazes de nos guiar sozinhos. Muitas vezes, confiamos demais em nossos próprios caminhos, mas o pecado nos engana e nos afasta da vontade de Deus. É por isso que precisamos do “Adonai”, o Senhor soberano, que nos resgata com o poder do seu braço. Cristo veio ao mundo para nos libertar do pecado, da morte e do poder do diabo. Na cruz, ele venceu o mal e nos trouxe a redenção com seu próprio sangue.

Hoje, Cristo continua vindo a nós por meio da sua Palavra e dos Sacramentos. A Palavra de Deus nos guia, nos ensina e nos fortalece. Na Ceia, Cristo nos dá o seu verdadeiro Corpo e Sangue, garantindo-nos o perdão dos pecados e a força necessária para vivermos na justiça e verdade que ele mesmo nos dá.

Por isso, nesta segunda Antífona, clamamos com fé e esperança: “Ó Adonai, guia da casa de Israel, vem me resgatar com o poder do teu braço.” Cristo, o Senhor soberano, já veio para nos resgatar, vem hoje para nos fortalecer e virá novamente em glória para nos levar à vida eterna.

Que possamos confiar na justiça e no poder do Senhor, descansando na certeza de que Ele governa com verdade e nos resgata com Seu braço poderoso.

Oração: Ó Adonai, Senhor soberano da casa de Israel, nós Te louvamos porque governas com justiça e verdade. Resgata-nos com o poder do Teu braço e fortalece-nos com a Tua Palavra e com a Tua Ceia. Ensina-nos a viver em retidão e a confiar no Teu governo perfeito, até o dia em que estaremos para sempre Contigo. Por Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e com o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

Rev. Filipe Schuambach Lopes
18/12/2024 A+D

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[1] O uso de Adonai (אֲדֹנָי) como substituto para o nome Yahweh começou a ser praticado durante o período intertestamentário. Esse período corresponde ao intervalo de cerca de 400 anos entre o fim do Antigo Testamento (por volta de 430 a.C., com o profeta Malaquias) e o início do Novo Testamento (com o nascimento de Jesus Cristo).

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

17 de dezembro: Ó Sapientia (Ó Sabedoria) – Isaías 11.2-3

Cristo, a Sabedoria que vem ao nosso encontro

Versículo base: “Repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor.” Isaías 11.2

A partir do dia 17 de dezembro, a Igreja, nas liturgias das vésperas, pode usar o que nós chamamos de Antífonas do Ó, que são orações breves e especiais utilizadas nos últimos dias do Advento, entre 17 e 23 de dezembro. Cada antífona começa com a palavra “Ó” e invoca um título messiânico de Cristo inspirado no Antigo Testamento, especialmente no livro de Isaías. Assim, no dia 17 de dezembro, a Igreja proclama a primeira Antífona do Ó, começando com “Ó Sabedoria, que saíste da boca do Altíssimo, vem me ensinar o caminho da prudência”, baseada em Isaías 11.2-3: 
“Repousará sobre ele o Espírito do Senhor, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do Senhor. Ele terá o seu prazer no temor do Senhor. Não julgará segundo a aparência, nem decidirá pelo que ouviu dizer.” 
Em Isaías 11.2-3, o profeta fala sobre o Messias, aquele sobre quem repousará o Espírito do Senhor, trazendo sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, conhecimento e temor do Senhor. Diferente dos líderes do Antigo Testamento, como Saul e Davi, sobre os quais o Espírito repousou temporariamente, Cristo recebe esses dons de maneira completa e perfeita. Ele é o Ungido que, segundo sua natureza divina, é um com o Espírito Santo e a fonte de toda sabedoria e virtude[1]. Jesus, então, não apenas possui esses dons em plenitude, mas os compartilha conosco.

No entanto, quando refletimos sobre essa verdade, precisamos admitir algo sobre nós mesmos: nossa sabedoria é fraca e falha. Por causa do pecado que está no nosso coração, não conseguimos discernir o certo do errado por conta própria. O pecado escurece a nossa mente e nos engana. Muitas vezes, confiamos demais em nossos pensamentos, em nossa inteligência ou nas nossas próprias ideias e acabamos errando o caminho. Como está escrito em Provérbios 14.12: “Há caminho que ao ser humano parece direito, mas o fim dele é caminho de morte.” Achamos que estamos no controle, mas, sem Cristo, nos perdemos em orgulho e ignorância. Essa realidade nos mostra o quanto dependemos dEle para nos guiar.

A boa notícia é que Cristo, a Sabedoria eterna, veio ao nosso encontro para corrigir isso. Ele já veio ao mundo como o Verbo que se fez carne, trazendo graça e verdade para todos nós. Ele possui os dons do Espírito em plenitude, como um rio que jorra de uma fonte inesgotável.[2] Cristo continua vindo hoje, através da sua Palavra e da sua Santa Ceia. Quando ouvimos a Palavra de Deus, seja na leitura da Bíblia, no sermão ou na liturgia do culto, é o próprio Cristo quem está falando conosco. A Palavra de Deus é viva, poderosa e capaz de transformar o nosso coração e a nossa mente. O Espírito Santo, que é um só, mas age de maneiras diversas, ilumina nossa vida,[3] nos dá entendimento e nos ensina a viver com prudência, discernindo aquilo que é bom e agradável aos olhos de Deus.

Além da Palavra, Cristo também vem até nós na sua Ceia. Na Santa Ceia, ele nos dá o seu verdadeiro Corpo e Sangue, perdoando os nossos pecados, fortalecendo a nossa fé e nos enchendo da sua graça. Na Palavra e na Ceia, Cristo nos encontra, nos alimenta e derrama sobre nós os dons do Espírito Santo: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, conhecimento e temor do Senhor. Esses dons são a manifestação da presença viva de Cristo entre nós e da sua obra em nossas vidas.

Neste tempo de Advento, quando olhamos para Cristo, a Sabedoria, lembramos que ele é a resposta para o nosso clamor. Ele veio uma vez para nos resgatar, ele vem hoje na sua Palavra e na Ceia para nos ensinar e nos guiar, e ele virá de novo em glória para nos levar para a vida eterna. Que essa oração esteja sempre nos nossos corações: “Ó Sabedoria, que saíste da boca do Altíssimo, vem me ensinar o caminho da prudência.” Cristo já veio, Cristo vem e Cristo virá, trazendo luz, sabedoria e vida. Amém.

Oração: Ó Deus Altíssimo, fonte de toda sabedoria e verdade, tu enviaste o teu Filho, Jesus Cristo, a Sabedoria eterna, para nos guiar no caminho da vida e iluminar os nossos corações com a tua verdade. Te pedimos, Senhor, que derrames sobre nós o teu Espírito de sabedoria e entendimento, para que possamos discernir o certo do errado, viver com prudência e buscar a tua vontade em todas as coisas. Conduze-nos no caminho da retidão, para que nossas vidas reflitam a tua luz e glorifiquem o teu nome, enquanto aguardamos a vinda gloriosa de Cristo. Por Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que vive e reina contigo e com o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

Rev. Filipe Schuambach Lopes
17/12/2024 A+D

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[1] “A Cristo, seu Filho amado, Deus Pai deu o seu Espírito de tal maneira segundo a humanidade assumida (em razão do que também é chamado Messias, isto é, o Ungido), que Ele não recebeu os dons do mesmo por medida, como os outros santos, pois, segundo a divindade, Ele é de uma essência com o Espírito Santo, o 'Espírito de sabedoria e de entendimento” (FC DS VIII 72).
[2] “Não se perturbe se aqui é dito 'rios' ou, em outro lugar, 'sete Espíritos', pois a santificação destes sete dons do Espírito, como fala Isaías, significa a plenitude de toda virtude... Portanto, um é o rio, mas muitos os canais de dons deste Espírito. Este rio, então, brota da Fonte da Vida" (Ambrósio, NPNF210.114).
[3] “O Espírito é um só e indivisível, mas suas operações são diversas... Ainda que os títulos do Espírito Santo sejam diferentes, ele é um e o mesmo; vivendo, subsistindo e sempre presente junto ao Pai e ao Filho" (Cirilo de Jerusalém, NPNF27.123,125).

As Antífonas do Ó ou Antífonas Maiores

As Antífonas do Ó ou Antífonas Maiores
Estamos chegando nos últimos dias do Advento, um tempo especial de preparação e esperança pela vinda de Cristo. Nesse momento, a Igreja pode cantar ou recitar as Antífonas do Ó, também chamadas de Antífonas Maiores. Essas são sete frases curtas e muito significativas que são usadas entre os dias 17 e 23 de dezembro, durante as Vésperas – a oração da tarde na liturgia. 

O que é uma antífona?
Uma antífona é um verso-chave que prepara o caminho para o texto principal. Por exemplo, uma antífona de um Salmo ajuda a destacar ou resumir o tema central daquele salmo. Se compararmos com uma pintura, a antífona é como a moldura que realça e chama a atenção para a obra de arte.


Origem e Estrutura
As origens das Antífonas do Ó são um pouco incertas. Embora existam muitos textos litúrgicos antigos, poucos são anteriores ao século VII. Há uma possibilidade de que Boécio (ca. 480–524), em sua obra A Consolação da Filosofia, tenha mencionado algo semelhante, sugerindo que elas já eram conhecidas no norte da Itália por volta do século VI.

Cada antífona começa com a palavra "Ó" e inclui um título messiânico de Cristo, inspirado principalmente nas profecias do Antigo Testamento, especialmente em Isaías. Após o título, vem uma pequena explicação sobre quem Cristo é e, por fim, uma súplica introduzida pelo verbo "Vem!", pedindo que o Messias venha ao encontro do seu povo.

As antífonas são uma súplica ansiosa para Deus vir e redimir o seu povo. Elas avançam progressivamente pela história da Redenção, partindo da criação (Ó Sabedoria), desde a eternidade, até o nascimento de Jesus em Belém (Ó Emmanuel). Assim, a Palavra de Deus criadora do Universo (Sapientia), que deu a Lei (Adonai), prometeu, por meio do trono de Davi (Radix Iesse), libertar os cativos do pecado (Clavis David) e trazer a Luz da salvação (Oriens) não apenas para o seu povo escolhido, mas para todas as nações (Rex gentium), habitando entre nós como o Deus conosco (Emmanuel).

Os Títulos e as Profecias
Aqui está a ordem tradicional das Antífonas do Ó:
  1. 17 de dezembro: Ó Sapientia (Ó Sabedoria) – Isaías 11.2-3
    “Ó Sabedoria, que saíste da boca do Altíssimo,
    vem me ensinar o caminho da prudência.”


  2. 18 de dezembro: Ó Adonai (Ó Senhor) – Isaías 11.4-5
    “Ó Adonai, guia da casa de Israel,
    vem me resgatar com o poder do teu braço.”


  3. 19 de dezembro: Ó Radix Iesse (Ó Raiz de Jessé) – Isaías 11.1 e 10
    “Ó Raiz de Jessé, que és um sinal para os povos,
    vem me libertar e não tardes mais.”


  4. 20 de dezembro: Ó Clavis David (Ó Chave de Davi) – Isaías 22.22
    “Ó Chave de Davi, que abres e ninguém fecha,
    vem libertar os que vivem na sombra da morte.”


  5. 21 de dezembro: Ó Oriens (Ó Sol do Oriente) – Isaías 9.2
    “Ó Sol nascente, luz eterna,
    vem iluminar os que estão nas trevas.”


  6. 22 de dezembro: Ó Rex Gentium (Ó Rei das Nações) – Isaías 2.4; 9.6; 11.10-12
    “Ó Rei das Nações, desejado por todos,
    vem salvar o homem que formaste do barro.”

  7. 23 de dezembro: Ó Emmanuel (Ó Deus conosco) – Isaías 7.14
    “Ó Emmanuel, minha esperança e Salvador,
    vem me salvar, Senhor, meu Deus.”
O Significado Teológico e Litúrgico
Uma curiosidade interessante é que, se pegarmos a primeira letra de cada título (Sapientia, Adonai, Radix, Clavis, Oriens, Rex, Emmanuel) e lermos de trás para frente, temos o acróstico "ERO CRAS", que significa "Serei amanhã" ou "Virei amanhã" em latim. Isso é como se Cristo estivesse respondendo ao clamor da Igreja, dizendo que a sua vinda está muito próxima.

O Hino "Ó Vem, Vem, Emanuel"
O hino "Veni Emmanuel", conhecido como "Ó Vem, Vem, Emanuel" no Hinário Luterano, é uma versão adaptada das Antífonas do Ó. Apesar de originalmente conter as sete antífonas, no Hinário Luterano foram incluídas apenas três, em uma ordem diferente.

        1. Ó vem, ó vem, Emanuel!
        Redime o povo de Israel,
        que geme em triste exílio e dor
        e aguarda, crente, o Redentor!
        Dai glória a Deus! Emanuel
        virá em breve, ó Israel!
            2. Ó vem, Rebento de Jessé,
            e aos filhos teus renova a fé;
            que o diabo possam derrotar
            e sobre a morte triunfar!
            Dai glória a Deus! Emanuel
            virá em breve, ó Israel!
    3. Ó vem aqui nos animar
    e nossas almas despertar;
    dispersa as sombras do temor
    e as nuvens densas do terror.
    Dai glória a Deus! Emanuel
    virá em breve, ó Israel!
Veni, veni, Emmanuel
Letra: Hino latino, c. 1100; Psalteriolum Cantionum Catholicarum, 1710; trad. J. Costa, 1953 e 1960
Música: Melodia Gregoriana, Modo I, séc. XV, França; arr. C. Winfred Douglas, 1867-1944
Letra e música: Domínio público. Tradução: © Copyright de João Wilson Faustini, 1953 e 1960 - Usado com permissão
(VENI EMMANUEL - 88 88 com refrão)

Conclusão
As Antífonas do Ó são uma forma linda de nos prepararmos para o Natal. Elas nos lembram das promessas feitas no Antigo Testamento e celebram Jesus como aquele que veio, que vem e que virá novamente. A cada "Vem!" da Igreja, Cristo responde "Virei amanhã", renovando em nossos corações a esperança pela sua chegada e a alegria de celebrarmos o Deus que veio em Belém, o Deus que vem a nós hoje na Palavra e nos Sacramentos e o Deus que virá novamente um dia, para julgar os vivos e mortos.